quinta-feira, setembro 27, 2012

ROBERT CRAY VOLTA REPAGINADO, MAS COM O SWING DE SEMPRE EM "NOTHIN' BUT LOVE"

O cantor e guitarrista americano foi acusado diversas vezes nos anos 80 de ser um bluesman com atitude yuppie, por mesclar em seus discos rhythm and blues, soul music e rock-pop na medida certa para agradar aos programadores de rádio de diversos segmentos musicais e, com isso, favorecer rapidamente sua carreira musical.

Desnecessário dizer que, além de despeitada e desrespeitosa, essa afirmação é também injusta e imprecisa.

Desde que surgiu, em 1980, com "Who's Been Talkin'", Robert Cray vem apurando seu blend musical híbrido com muita sabedoria, aperfeiçoando-o disco após disco. Sua voz é suave e suingada, bem soul, enquanto seu toque na guitarra alterna influências que vão desde o rhythm and blues rasgado de Earl King e Lowell Fulsom, até o jazz elegante de heróis como Wes Montgomery e Kenny Burrell.

Depois que passou seu grande momento, proporcionado pelo sucesso internacional de seu quarto LP,  "Strong Persuader", de 1986, Cray vem experimentando pequenas alterações em sua receita musical. Alterações que até podem parecer irrisórias aos menos atentos. Mas que saltam aos ouvidos de todos os que acompanham sua carreira bem de perto.

Basta comparar seus discos gravados nos últimos 13 anos para vários selos independentes, para ver que Robert Cray jamais parou de crescer musicalmente, tanto como intérprete quanto como guitarrista e band leader.



"Nothin' But Love" é seu décimo-sexto disco de estúdio.

Depois de vários trabalhos ficados unicamente em seu quarteto, sem o suporte de uma sessão de metais, aqui ele resgata sua sonoridade mais soul, em meio a um repertório bastante apelativo e grudento (no bom sentido).

Essa orientação, certamente, é do produtor Kevin Shirley, um dos mais requisitados do momento, que tem por norma de trabalho evitar correr riscos desnecessários sempre que trabalha com artistas veteranos. Shirley é o anti-Rick Rubin. É incapaz de reduzir a sonoridade de seus artistas ao essencial. Faz um jogo mais óbvio: se esse é o som que favorece o reconhecimento imediato de Robert Cray por parte do seu público, então é por aí que seu trabalho de produção deve seguir. Ainda mais em tempos bicudos como esseso mais óbvio:  em que vive a indústria fonográfica.

Se por um lado isso rompe com as simpáticas experiências musicais de seus discos anteriores -- mais blueseiros e climáticos --, por outro lado expõe a um público bem mais amplo que Robert Cray está vivo e produtivo, e que seu trabalho permanece tão intenso, agradável e válido quanto era antes.



"Nothin'  But Love" é um trabalho de resultados, não tenha a menor dúvida quanto a isso.

Mas é também um trabalho honesto, como podem atestar baladas soul certeiras como "Fix This", "Sadder Days", "I'll Always Remember You" e "Won´t Be Coming Home", que, vez ou outra, suingam com uma precisão impressionante, lembrando a quem estava esquecido que este Robert Cray aqui é aquele mesmo de antes, só que 25 anos mais velho, mais experiente e -- porque não? -- mais experimentado.

Quem duvida disso, que escute "I´m Done Cryin'", talvez a única ousadia musical do disco -- um blues balada com quase 10 minutos de duração onde ele e sua banda mostram sua maestria musical em toda a plenitude, em improvisos espetaculares.

Robert Cray pode até parecer pacato e assentado depois de todos esses anos, em dorrência da maturidade musical -- afinal, ninguém chega aos 60 anos impunemente.

Mas não se engane: sua Fender Stratocaster continua sendo a mesma "smoking gun" de tempos atrás.

E isso nunca há de mudar.



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terça-feira, setembro 25, 2012

TOOTS THIELEMANS COMPLETA 90 ANOS COM PLENOS PODERES SOBRE SUA ARTE


Toots Thielemans completou 90 anos este ano de gloriosos serviços prestados ao jazz, e, acreditem ou não, segue em plena atividade artística, em tournée pelo mundo.

Esse belga admirável, que nunca pretendeu ser músico -- mas que, a partir da Segunda Guerra Mundial, acabou virando um dos maiores jazzistas que a Europa já produziu --, começou na guitarra, alternando o estilo mamouche de Django Reinhardt com a guitarra eletrificada de Charlie Christian, e vez ou outra acrescentando a seus temas solos de assovio sensacionais, absolutamente inimitáveis.

Quando a Guerra acabou, saiu procurando trabalho nos clubes noturnos de Paris, e logo encontrou. Pouco a pouco, foi conhecendo músicos de bebop americanos e europeus de passagem pela cidade, e participando de jams e gigs variadas. Até que um dia foi convidado para integrar a banda de Benny Goodman, onde trabalhou lado a lado com o grande saxofonista tenor Zoot Sims. Juntos, os dois iriam integrar no ano seguinte o Charlie Parker's All Stars, com Milt Jackson e o jovem Miles Davis.

Seu maior sucesso solo foi "Bluesette", de 1962, um número de guitarra e assovio magnífico, que quase todo mundo conhece, mas não imagina que seja dele. Por uma razão muito simples|: o Toots Thielemans que conhecemos é o fantástico gaitista, que conseguiu transformar a harmonica num instrumento de jazz por excelência.

São raros os músicos brasileiros que não tenham tido o privilégio de contracenar com Toots Thielemans nesses últimos 40 anos.

Toots já é uma espécie de brasileiro honorário, com parcerias constantes com Sivuca, Ivan Lins e muitos outros que resultaram numa simbiose musical com o Velho Continente que começou em 1970, num disco muito bonito gravado ao lado de Elis Regina, pouco conhecido por aqui, mas que serviu para apresentá-la ao mercado europeu na época.

Sua carreira como gaitista nunca seguiu qualquer padrão de linearidade.

Deixou o jazz por alguns anos para se dedicar a compor jingles, depois passou a compor trilhas sonoras para filmes, e retomou sua carreira somo jazzista por um viés mais pop, através de participações em LPs crossover de Quincy Jones.

Desde então, tem-se mantido exemplarmente ativo, tanto em discos de jazz quanto fazendo participações em discos de artistas pop, e ainda partindo para experiências musicais inusitadas, como o duo Word Of Mouth, onde contracenou com o saudoso baixista Jaco Pastorious.



Neste ano, várias antologias dos mais de 60 anos de carreira de Toots Thielemans estão chegando ao mercado, todas impecáveis e irresistíveis. Mas nenhuma delas tem o apelo de "90 Yrs",  cd e dvd ao vivo recém-lançados, onde contracena com seu chiquérrimo European Quartet.

Aqui, Toots está completamente à vontade, passeando por vários gêneros musicais, com uma delicadeza assombrosa e um bom gosto musical que chega a assustar. Não há grandes surpresas no repertório. Mas suas reinterpretações altamente climáticas de números que há muitos anos compõem seu repertório, apresentadas dessa vez sem virtuosismos, são no mínimo desconcertantes, de tão lindas.

Desde a abertura com 'Waltz For Sonny", até o encerramento com a adorável "Old Friends", Toots passeia com sua harmonica por um repertório transcontinental, onde há espaço tanto para Tom Jobim ("Wave", "One Note Samba") quanto para Paul Simon ("I Do It For Your Love") e Louis Armstrong ("What A Wonderful World").

É difícil definir até onde vai o ecletismo musical de Toots nesse "90 Yrs", mas o caso é que, a essa altura do campeonato, isso não tem mais a a menor importância.

Bem vindos a um recital espetacular de um artista inigualável.



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domingo, setembro 16, 2012

LOS LOBOS, A MAIS VIBRANTE BANDA LATINA DA AMÉRICA, SE REINVENTA EM "KIKO LIVE"


Assim como The Band foi a banda síntese da musicalidade da América nos anos 1960, e o Little Feat o equivalente nos anos 1970, é inegável que os los angelinos do Los Lobos sejam os legítimos representantes dessa gloriosa categoria de grandes bandas nos anos 1980.

Desde seus primeiros LPs "How Will The Wolf Survive" e "By The Light Of The Moon" -- bem menos descompromissados artisticamente do que aparentam à primeira vista --, até o conceitual e intenso "The Neighborhood", Los Lobos trilhou de forma brilhante as rotas musicais possíveis da América do Norte, mesclando todas as variantes musicais latinas que dão o tom no Lado Leste de Los Angeles com pop, rock, blues, soul, jazz, tex-mex, country e até cajun e folk.

Los Lobos já era consagradíssimo por crítica e público quando, em 1992, eles surpreenderam com um disco ambicioso e complexo chamado "Kiko", que leva toda essa mistureba musical às últimas consequências -- e que faz parte de muitas listas de melhores discos dos anos 1990.

De tão bom e tão multifacetado, "Kiko" quase virou um problema para Los Lobos.

Todos os discos seguintes da banda que não pretenderam ser tão superlativos quanto esse foram duramente criticados. Não por serem discos ruins. Pelo contrário, eram trabalhos mais focados em temas específicos, enquanto "Kiko" funcionava como um mosaico musical riquíssimo. Tanto que, nos anos seguintes, só "Good Morning Aztlán" (2002) e "The Town And The City" (2006) conseguiram chegar perto da grandeza de "Kiko".

Os líderes do Los Lobos, David Hidalgo e Cesar Pérez, no entanto, não se deixam abater com isso, e seguem sempre em frente com novos projetos.



Enquanto preparam o novo álbum de estúdio de Los Lobos, decidiram ganhar tempo lançando no mercado "Kiko Live", um concerto temático gravado em 2006 lançado em cd e dvd, em que a banda revisita o repertório de "Kiko" com abordagens um pouco diferentes das originais.

Aqui, Los Lobos vira quase uma jam band, esticando bastante a duração de alguns dos temas originais, e mostrando claramente que ser capaz de levar ao vivo toda a pluralidade musical de "Kiko".

É emocionante ver-ouvir esse grande disco novamente com uma nova roupagem, ao vivo e "passado a sujo" 15 anos depois das gravações originais, sem a produção intrincada que Mitchell Froom imprimiu no disco clássico.

Trata-se de uma verdadeira odisséia musical em 15 canções, que segue bravamente pelos mais diversos gêneros musicais, até desaguar na emocionante valsa-mariachi 'Rio de Tenampa", numa versão vibrante.

Sendo assim, quem quiser conhecer a alma latina da América, a entrada é por aqui mesmo.

Viva Los Lobos!



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quinta-feira, setembro 13, 2012

STEVE FORBERT RENASCE MUSICALMENTE E VOLTA NO MELHOR LP DE SUA CARREIRA


Lembro como se fosse ontem de ouvir na casa de um amigo, que nem está mais aqui neste planeta, o disco de estréia de um então desconhecido chamado Steve Forbert, que vinha extremamente bem recomendado pela Rolling Stone Magazine -- isso no longínquo ano de 1978, por aí...

Na época, ele foi saudado por alguns como uma versão sulista de Bob Dylan, e por outros como um estranho cruzamento entre Bruce Springsteen e Buddy Holly, o que viesse primeiro.

Obviamente, ele não era nem uma coisa nem outra.

Steve Forbert estava muito acima de tudo isso. Era um verdadeiro original americano, talvez o único compositor naquele momento capaz de abordar com uma franqueza juvenil assuntos complexos e extremamente delicados, sem jamais perder uma certa ternura rock and roll que ninguém mais cultivava naqueles desencantados últimos anos da década de 1970.


Os três primeiros discos dele, "Alive On Arrival", "Jackrabbit Slim" e "Littlle Steve Orbit" foram bem aceitos tanto pelos admiradores de Bob Dylan quanto pelos de Bruce Springsteen, o que por si só já garantiu uma vendagem expressiva.

Mas essa lua de mel com o público infelizmente acabou já no quarto LP, "Steve Forbert" -- um fiasco de vendas, que motivou a não renovação de seu contrato com a Columbia Records.

De lá para cá, Forbert seguiu carreira gravando para selos independentes, sem jamais deixar de compor. Mas infelizmente não conseguiu evitar deixar escapar muito daquele frescor musical de seu início de carreira conforme os anos e os discos foram passando, e com o sucesso nunca mais batendo em sua porta.



Pois bem, estamos em 2012 e Steve Forbert já possui vinte LPs gravados: seis ao vivo e quatorze em estúdio, sendo "Over With You" o mais recente deles.

Aos 58 anos de idade, parece que ele finalmente fez as pazes com sua musa e conseguiu voltar a compor canções com aquele frescor juvenil que fazia toda a diferença em seu início de carreira.

O disco começa meio cabisbaixo, com um pedido de desculpas contundente, em "All I Ask Of You", uma balada à moda de Ricky Nelson que cativa logo à primeira audição.

Devidamente perdoado, o que vemos a seguir é uma sequência de baladas deliciosas, muito espirituosas e diretas, como "All I Need To Do" e a climática "In Love With You", para citar apenas duas.

E para quem quiser uma séria candidata a "Romeo´s Tune" da vez, eu aposto minhas fichas em "Don't Look Down, Pollyanna", uma canção espetacular, talvez a melhor que Forbert já compôs em toda a sua carreira.


A parceria com o tarimbado produtor Chris Goldsmith funcionou às mil maravilhas, mesclando os melancólicos sons do Sul tão caros a Steve Forbert com uma serenidade west-coast que remete aos melhores discos de Chris Isaak.

Tudo isso, somado à maneira cativante com que Forbert defendeu essas canções fazem deste "Over With You" o melhor trabalho de toda a sua carreira, com toda a certeza.

Falta agora os fãs de Dylan e Springsteen o redescobrirem novamente.



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quarta-feira, setembro 12, 2012

TAJ MAHAL ABRE AS ARCAS COM SEUS TESOUROS MUSICAIS PARA TODOS NÓS


Algum de vocês consegue imaginar um grande bluesman que tenha nascido no Harlem, Nova York -- bem longe do Mississipi, portanto --,  de uma família negra de classe média, com o nome Henry Saint Clair Fredericks?

Pois é: Taj Mahal, cantor, guitarrista e pesquisador musical de primeiríssima grandeza tem esse background no mínimo curioso. Desde pequeno, seus pais incutiram nele o sentimento de orgulho pela sua herança cultural afro-americana, e o incentivaram na música com aulas de piano clássico, clarinete, trombone e gaita.

Durante os últimos quarenta anos, ele vem explorando as raízes do blues, revitalizando a tradição e preparando o caminho para uma nova geração de bluseiros. Assimilou diferentes ritmos e criou um blues que vai muito além do tradicional. Enquanto muitos afro-americanos optaram por evitar velhos estilos musicais durante a década de 1960, Taj Mahal seguiu na contramão e mergulhou de cabeça nas raízes de seu passado. Não satisfeito com isso, fundiu o blues com ritmos do Caribe, África do Sul e do Pacífico, estabelecendo pontes musicais em discos que hoje são clássicos do final dos anos 1960 e início dos 1970.

Toda essa pluralidade musical tem sua razão de ser. Seu pai emigrou do Caribe para a América, viveu muitos anos como pianista e escreveu arranjos para Benny Goodman e sua orquestra. Sua mãe, Mildred Shields, foi professora na escola da Carolina do Sul. Foi através de seus pais que descobriu a alma negra da América nas vozes de Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan, Mahalia Jackson e Ray Charles, e também conheceu a música de todo o mundo no rádio de ondas curtas de seu pai. Teve certeza de que queria realmente ser músico profissional quando descobriu Leadbelly e Lightnin 'Hopkins, além do rock and roll de Chuck Berry e Bo Diddley, e do jazz suingado de Illinois Jacquet, Ben Webster, Charles Mingus, Thelonious Monk e Milt Jackson.



Sua carreira começou para valer em 1964, em Los Angeles, quando formou os Rising Sons ao lado dos amigos Ry Cooder, Jessie Lee Kincaid e Jesse Ed Davis. O grupo assinou com a Columbia Records, mas a gravadora não sabia extatamente como lançar um grupo tão eclético musicalmente naquele momento.

Na dúvida, não lançou. E o material que eles haviam gravado -- suficiente para dois LPs -- permaneceu inédito 25 anos nas geladeiras da gravadora. Isso, claro, tornou o futuro dos Rising Sons extremamente incerto, e a banda encerrou atividades antes mesmo de começar para valer -- o que foi uma pena.

A Columbia, no entanto, fez questão de manter Taj Mahal sob contrato. E em 1968, lançou seu primeiro LP, uma pequena obra prima entitulada simplesmente "Taj Mahal", que veio seguida em 1969 por três discos magníficos: "The Natch'l Blues", "Giant Step" e "De Ole Folks at Home", onde viabilizava sozinho boa parte da mistureba musical que os Native Sons haviam tentado fazer alguns anos antes.

Esses LPs estabeleceram sua reputação como um bluesman autêntico, único e moderno, aproximando sua música dos ritmos vindos do Caribe e da África Ocidental, além do reggae, do calypso, do jazz, do zydeco, do rhythm and blues e da música gospel.

De lá para cá, Taj Mahal nunca mais parou de mesclar música das mais diversas procedências ao blues, mas sem jamais perder de vista as verdadeiras raízes do gênero, e com isso construiu uma carreira gloriosa, vital para a música americana dos últimos 40 anos.



Agora, que Taj Mahal completa 70 anos de idade, resolveram dar uma fuçada nas geladeiras da Columbia Records para resgatar faixas perdidas desses grandes discos que ele gravou entre 1968 e 1973, e descobriram muito mais do que imaginavam em princípio.

Por conta disso, organizaram 3 álbuns duplos entitulados "The Hidden Treasures Of Taj Mahal" com todo esse material inédito, e o primeiro deles acaba de ser lançado.

Desnecessário dizer que é magnífico: um passeio glorioso por toda a musicalidade que ele desencadeou em seus trabalhos iniciais. Doze das canções que compõem o disco 1 deste pacote ou são versões preliminares de números que entraram em seus discos, ou são pérolas de estúdio que ficaram de fora por absoluta falta de espaço mesmo.

Já o disco 2 é um concerto completo gravado no Royal Albert Hall, em Londres, em 1970. que deveria ter sido lançado como um álbum duplo na época, e infelizmente não foi. Aqui, Taj Mahal mostra toda a sua maestria em diversos instrumentos, e divide a cena com seu amigo superguitarrista Jesse Ed Davis, numa das performances mais gloriosas das vidas desses dois grandes músicos.

Portanto, se você é admirador dos múltiplos talentos de Taj Mahal, esse primeiro volume de "The Hidden Treasures Of Taj Mahal" é para você.o este.

Vamos torcer para que os próximos dois volumes da série sejam tão eletrizantes quanto este.


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NOVOS TRIBUTOS ORIGINAIS E INCOMUNS AO GÊNIO MUSICAL DE THELONIOUS MONK


Desde que arriscou alguns dedilhados meio estranhos ao piano quando fazia parte do quinteto de Coleman Hawkins, no final dos anos 40, Thelonious Monk sempre foi visto como um sujeito exótico e imprevisível. Que só era tolerado pelos líderes de bandas onde quem trabalhou por ser absurdamente talentoso.

Ao longo de toda a década de 1950, seu toque inusitado, que combinava elementos de stride piano tradicional com revisões estruturais radicais de muitos conceitos formais do jazz, causou estranheza aos jazzistas mais conservadores. No entanto, alguns músicos mais descolados -- como Charles Mingus, Miles Davis e o jovem John Coltrane -- logo perceberam que ele iria ajudar a virar a cena jazzística de ponta cabeça mais cedo ou mais tarde, e trataram de ficar por perto dele.

Thelonious Monk só foi virar "o Thelonious Monk" para valer no início dos anos 1960, numa série de LPs para a Columbia  produzidos por Teo Macero que fizeram dele uma estrela e uma espécie de gênio musical adorado por todos.

Suas célebres idiossincrasias, no entanto, perderam muito de seu charme quando foram diagnisticadas como desordem mental.

Então, no início dos anos 70, Monk começou a ter dificuldades em comandar sua banda. Conseguia, se muito, participar de grupos grandes de músicos muito amigos, onde se sentia mais seguro. Até que,  por volta de 1973, decidiu se aposentar, e viveu recluso até morrer, em 1982, em seu apartamento em New Jersey, com vista privilegiadíssima para sua Nova York natal.



Pois bem: 30 anos após sua morte, grupos de vários cantos do mundo e várias procedências musicais rendem homenagens a Thelonious Monk.

Recentemente, comentamos aqui o belo e inusitado LP "The Monk Project" do veteraníssimo trombonista Jimmy Owens, lançado no início deste ano.

Hoje vamos comentar rapidamente outros dois:

Um, de um trio islandês muito divertido comandado por um organista, chamado Asa Trio.

E outro, de um pianista vindo da banda de Wynton Marsalis: o craque Eric Reed.



A música do Asa Trio não parece ter limites.

Eles misturam Wayne Shorter com Fiona Apple e John Coltrane com Red Hot Chili Peppers e Jimi Hendrix sem o menor constrangimento, e funcionam como um Medeski Martin & Wood de câmara, mesclando o som encorpado do Hammond B-3 de Agnar Magnussen (devoto declarado de Jimmy Smith) com a bateria de Scott Lemore (devoto de Tony Williams) e a guitarra de Anders Thor (devoto de Jimi Hendrix).

"Asa Tro Plays The Music Of Thelonious Monk" é o primeiro disco de estúdio deles, e é supreendente. Primeiro porque é difícil imaginar um organista fazendo uso dos conceitos musicais que Monk desenvolveu ao piano, baseado principalmente em desconstrução formal e utilização dos silêncios como parte integrante de sua música..Só ouvindo mesmo para sentir o que eles fizeram com o songbook de Monk, com releituras pouco reverentes e, até por isso mesmo, extremamente respeitosas ao espírito de sua música.

O website do Asa Trio http://www.asa-trio.com/ traz de lambuja, para quem quiser conhecer melhor o grupo, dois discos ao vivo que eles não lançaram comercialmente disponíveis para download: um com repertório variado e outro dedicado a John Coltrane.



Já o pianista e band leader Eric Reed vai na contramão disso tudo em "The Baddest Monk", seu segundo songbook dedicado às composições de Monk. Apesar disso, seria leviano afirmar que seu disco é reverente a Monk, até porque Eric comete algumas ousadias no mínimo curiosas.

Nas sete composições originais de Monk que escolheu para o disco, Reed promove abordagens muito pessoais, que às vezes se assemelham um pouco às de Monk pelo uso eventual de técnicas de stride piano, mas que quase sempre remetem a pianistas alunos de Monk, como McCoy Tyner e Herbie Hancock, que o influenciaram de forma mais intensa.

O disco, no entanto, traz dois números compostos em homenagem a Monk: "Monk Buerre Rouge" e "The Baddest Monk", ambos de autoria de Reed. Neles, para surpresa geral, sua banda soa quase exatamente como a de Monk. ,

E, com isso a homenagem ao grande mestre ganha um contorno extremamente diferente, nada sisudo, nitidamente bem humorado.








São discos muito simpáticos e nada óbvios.

Que reverenciam, cada um à sua maneira, a memória e o gênio musical de Thelonious Monk.

E que servem como termômetro para que possamos avaliar melhor qual foi exatamente o legado musical desse grande mestre, trinta anos depois de sua morte, e quarenta anos depois dele ter-se aposentado em definitivo.

Não há muito o que dizer depois de tudo isso, a não ser:

Vida Longa a Thelonious Monk!


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domingo, setembro 09, 2012

O BOM E VELHO E BARBUDO ZZ TOP ESTÁ DE VOLTA NUM DISCO PERFEITO: "LA FUTURA"


Apesar de serem de Houston, é inegável que o ZZ Top fez mais que qualquer outro artista texano pela institucionalização de Austin como capital alternativa da country music americana -- e isso vale para ícones festejados como Willie Nelson, Waylon Jennings e Kris Kristofferson, que trocaram suas bases em Nashville pela capital do Estado da Estrela Solitária.

O caso é que o ZZ Top nunca pretendeu ser uma banda "alternativa", como a maioria dos artistas sediados em Austin.

Desde o início eles sempre almejaram o estrelato, e não sossegaram enquanto não chegaram lá.

E assim que se estabeleceram, trataram de levar um bom número de artistas texanos com eles -- como Joe Ely, The Fabulous Thunderbirds, Omar & The Howlers e muitos outros, que eram sempre convidados a abrir os shows de suas tournées



Tecnicamente falando, o ZZ Top existe há 45 anos.

Começou em 1967 usando o nome The Moving Sidewalks, com o guitarrista e cantor Billy Gibbons na linha de frente, fazendo um mix de blues e rock psicodélico meio árido, que acabou rendendo alguns singles e um LP muito bons, mas que lamentavelmente não emplacaram.

Só em 1969, por orientação do produtor Bill Ham, a banda adotou, junto com o nome Z Z Top, uma identidade visual e musical bem texana, mesclando Lightnin' Hopkins com os Rolling Stones e assumindo uma postura de roqueiros fora-da-lei que vinha bem a calhar naqueles tempos libertários.

Seus dois primeiros LPs fizeram alguns amigos, mas não em número suficiente para transformar a banda num sucesso nacional -- o que só foi acontecer com "Tres Hombres" e 'Fandango", dois clássicos do boogie texano, com números poderosos como "Jesus Just Left Chicago", "La Grange", "Tush" e "Nasty Things and Funky Things", que até hoje pontuam o repertório dos shows do trio.

O ZZ Top barbudo e putanheiro que ficou eternizado no imaginário estradeiro americano surgiu no LP "Deguello", e se firmou nos dois trabalhos seguintes, 'El Loco" e "Eliminator", onde começaram a adicionar aqueles famigerados sintetizadores percussivos que sepultaram por alguns anos o que a banda tinha de melhor: o swing truculento e a massa sonora pesada das guiitarras de Billy Gibbons.

E então, quando ninguém suportava mais aquilo, eles fecharam para balanço.

Trocaram a Warner pela RCA e retomaram a sonoridade clássica em discos poderosos como "Antenna" e "Rhythmeen", que serviram para manter a banda unida e ativa, apesar de não terem sido sucessos de vendas.

O ZZ Top já estava caindo naturalmente para o lucrativo mercado das atrações nostálgicas dos anos 70 e 80, quando seus integrantes decidiram tomar algumas atitudes drásticas para reverter essa situação.

Primeiro se desligaram de Bill Ham, empresário e produtor da banda desde 1969.

Depois encerraram o contrato com a RCA e assinaram com a independente Sanctuary, que topou bancar um disco produzido por Rick Rubin para tentar trazer o ZZ Top de volta ao primeiro time de bandas clássicas americanas.



Deu certo.

E "La Futura" é o resultado de todo esse esforço.

Difícil acreditar que eles tenham precisado de 5 anos para produzir apenas 45 minutos de música.

Mas, verdade seja dita, desde "Tres Hombres" eles não produziam 45 minutos de música tão equilibrados, com canções tão fortes e tão bem encadeadas.

Rick Rubin, como de hábito, trabalhou com base no "menos é mais" em "La Futura". Sua preocupação principal foi fazer com que a guitarra de Gibbons soasse o mais explosiva possível e a cozinha de Dusty Hill e Frank Beard suingasse de forma bem truculenta. O mix final do disco é primoroso. Dificilmente alguém irá lançar um disco de classic rock mais perigoso que esse neste ano.

"La Futura" funciona como uma espécie de renascimento artístico para o ZZ Top, pois consegue agradar tanto os fãs clássicos da banda quanto os que estão descobrindo esses velhinhos barbudos texanos agora.
Só não deve ter agradado ao ex-empresário e ex-produtor Bill Ham, que deve ter odiado ver sua velha banda se saindo tão bem sem ele depois de tantos anos.

Saiam da frente, pois a "menor big band do Texas" está de volta.

Quebrando tudo.


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sábado, setembro 08, 2012

IAN HUNTER FAZ 73 ANOS FIEL À SUA ALMA ROCK AND ROLL EM "WHEN I'M PRESIDENT"








Imaginem um menino inglês rebelde e criativo, filho de um agente do MI5, que cresce em meio a toda a turbulência da Segunda Guerra Mundial, e que passa a maior parte de sua infância pulando de cidade em cidade sem conseguir estabelecer raízes em lugar nenhum.

Como manter sua sanidade intacta a não ser mergulhando fundo em sua imaginação e abraçando alguma modalidade artística -- no caso, o rock and roll -- que permita a ele botar para fora toda a angústia provocada por essa condição?

Okay, para a imensa maioria das pessoas do Planeta Terra manter uma atitude rock and roll depois dos 70 anos é muito difícil, pelos motivos mais diversos. Mas para alguém como Ian Hunter, a recíproca é que é verdadeira.

E não se trata de uma opção.

Na verdade, parece mais uma maldição, pois ele jamais saberia viver de outra maneira.


A trajetória profissional de Ian Hunter começa no início dos anos 50, pulando de banda em banda e sempre se esforçando para imitar no piano o toque infernal de seu grande herói musical, Jerry Lee Lewis.

Ingressou no Mott The Hoople em 1968 num golpe de sorte. A banda acabara de demitir seu vocalista e de ser contratada pela Island Records, e precisava entrar logo em estúdio para gravar seu primeiro disco.

À primeira vista, Hunter parecia estar na banda errada. O Mott The Hoople tocava muito pesado. Não havia, em princípio, espaço no som da banda para encaixar um piano. E menos espaço ainda para suas baladas com letras viajantes e cheias de metáforas caleidoscópicas, à moda de Bob Dylan.

Mas a personalidade forte de Ian Hunter acabou prevalecendo sobre os outros integrantes da banda, e a banda acabou ficando com a sua cara musical. Em pouco tempo, ele passou a assinar mais da metade do repertório do Mott, e seu piano honky-tonk passou a comandar o ataque pesado das guitarras do grupo.

Os quatro LPs que o Mott gravou para a Island são ótimos, ainda que completamente caóticos. Por conta disso, nunca despertaram a confiança da gravadora -- que tinha em seu elenco bandas estáveis e muito rentáveis, como o Free e o Traffic -- para promovê-los melhor. Ao final do contrato com a Island, o desgaste era tamanho que todos concordaram que não valia a pena continuar com o Mott The Hoople.

No entanto, aos 45 minutos do Segundo Tempo, entra em cena David Bowie, e convence todos a permanecer em seus lugares.

De quebra, se dispõe a produzir um disco para eles e colocar ordem na banda.

E... bem, o resto é história. O Mott assinou com a Columbia, explodiu mundialmente com 'All The Young Dudes" em 1972 e virou de uma hora para outra uma das maiores e mais rentáveis bandas de glam heavy-rock, ao lado do T. Rex e dos Spiders From Mars de David Bowie, Paralelo a isso, Ian Hunter virou uma estrela pop, e o resto da banda, não. Isso gerou uma ciumeira implacável que, pouco a pouco, foi implodindo a banda -- isso justamente no momento em que ela estava no topo, após emplacar dois grandes discos: "Mott" (1973) e "The Hoople" (1974).


Ian Hunter, por sua vez, já estava com o saco tão cheio do nhem-nhem-nhem de seus colegas que decidiu sair do Mott juntamente com o guitarrista Mick Ronson, e os dois montaram uma banda só deles. Juntos, gravaram discos espetaculares de 1975 até 1993, quando Ronson morreu, de cirrose hepática.

Infelizmente, a carreira solo de Hunter ao longo desses quase 40 anos nunca foi um grande sucesso de público, fazendo dele um eterno prisioneiro da fama do Mott The Hoople.

Isso, com certeza, o incomodou muito durante os anos 80 e 90, quando viu sua estrela apagar impiedosamente disco após disco.

Não é fácil constatar que, mesmo com uma obra tão extensa, o que segurava sua carreira solo em pé naquela altura do campeonato eram aquelas mesmas velhas canções do Mott The Hoople, que todo mundo gostava e ainda queria escutar



Da virada do século para cá, no entanto, a carreira de Ian Hunter renasceu com muito vigor em uma série de discos excepcionais, muito bem recebidos por crítica e público.


Esse processo começou timidamente com 'Rant" (2001), onde resgatou idéias musicais que lembram os discos do Mott bem do início dos anos 70, pouco antes da intervenção de David Bowie como produtor da banda.

Foi seguido pelo debochado e primoroso "Shrunken Heads" (2007), onde Mr. Hunter combinou brilhantemente rocks fulminantes com baladas ternas, sempre desdenhando da maturidade que não cansa de bater à sua porta, e nada dele abrir...

Mas então, em 2009, eis que ele retorna sereno e reflexivo em "Man Overboard" (2009), assumindo seus 70 anos de idade com alguma perplexidade -- e, claro, com uma certa indolência em alguns (poucos) numeros de rock and roll impecáveis.

E então, quando todos esperavam dele um disco ainda mais reflexivo e assentado que "Man Overboard", eis que Mr. Hunter entra em estúdio com sua banda de estrada e dispara doses cavalares de rock and roll num disco surpreendente.



Se "When I´m President" não resgatar Ian Hunter para um público mais amplo, nada mais consegue.


É uma dose cavalar de rock and roll, com a atitude certa da primeira à última faixa, e que conta com a mesma urgência e a mesma truculência de seus melhores trabalhos solo, gravados 20 ou 30 anos atrás ao lado do maestro Mick Ronson.

"Fatally Flawed" é uma das baladas mais eloquentes de toda a sua carreira, páreo duto para a clássica "Irene Wilde". "Just The Way You Look Tonight" é a melhor canção de Bruce Springsteen não escrita por ele em muitos e muitos anos. Já "Black Tears" é uma daquelas baladas desesperadas que só Ian Hunter e Mick Jagger sabem compor e cantar de forma convincente.

E como resistir ao apelo irresistível de rocks como "Comfortable", "What For" e 'The Wild Bunch", e de baladas aceleradas como "Saint" e "When I´m President"?

Para encerrar o disco, Mr. Hunter achou por bem escalar uma canção mais reflexiva.

Ele, que sempre gostou de fechar seus discos com canções que seguem temas conceituais -- como "God", "The Ousider" e "Sons and Daughters" --, agora nos brinda com "Life", um "Gracias A La Vida" à moda dele, onde pinta um quadro desesperador que revela as injustiças do mundo e as intempéries da existência, para em seguida propõr um brinde bem debochado: "Riam, pois isso é apenas a vida".

Ou seja: é tolice achar que a idade vai fazer de Ian Hunter um artista um menos sarcástico e menos debochado do que tem sido nesses últimos 45 anos. Melhor propor um brinde a ele e a esse adorável "When I´m President".



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quinta-feira, setembro 06, 2012

BOB DYLAN CHEGA SEMEANDO TEMPESTADES E COLHENDO GRANDE ARTE


"Tempest", trigésimo-quinto disco de Bob Dylan, com lançamento previsto para o dia 13 de Setembro, está rolando sem parar desde ontem aqui nos meus headphones.

Sem parar mesmo.

Tudo o que fiz de ontem para hoje está impregnado por essas novas 10 canções que acabam de sair da escrivaninha deste que é o maior compositor pop do século XX, e que insiste em permanecer ativo e relevante neste novo século.

Algumas dessas canções são extremamente emocionantes. Outras, de uma truculência ímpar. Impossível ficar indiferente a qualquer uma delas.

"Tempest" é um disco de ruptura em relação ao trabalho recente de Dylan. Aqui, a conversa engrossou mesmo. Os números musicais com jeitão de anos 30 e 40 se foram, dando lugar a rocks, blues e baladas contundentes.

Os temas permanecem mais ou menos os mesmos: maturidade, mortalidade, os desvios da paixão, Deus, os tempos estranhos em que vivemos...

Mas a abordagem mudou drasticamente, ganhando um tom multifacetado estranhamente jovial para um artista de mais de 70 anos de idade.


O nome "Tempest" não foi escolhido à toa.

Parece haver uma tempestade em andamento em quase todas as canções do disco.

É como se todos aqueles Dylans catalogados e personificados de forma notável por vários atores no filme "I''m Not There", de Todd Haynes, de repente decidissem brigar para aparecer numa mesma canção, com opiniões divergentes, e sempre turbulentas.

Isso nunca tinha acontecido antes nos discos de Dylan.

As únicas canções de "Tempest" que escapam desse diagnóstico são o belo rag de abertura "Duquesne Whistle" -- eloquente parceria com o letrista Robert Hunter, ex-parceiro musical de seu amigo Jerry Garcia -- e as duas canções que encerram o disco.

E apesar de Dylan insistir que "Tempest" não tem nada a ver com "The Tempest", a peça derradeira de William Shakespeare, há uma relação bastante próxima entre as palavras que saem das bocas de alguns de seus personagens nas canções desse novo disco e as falas de Próspero, o personagem moralista máximo de todo o Teatro Elizabethano.

"Tempest" não é um álbum "normal" de Bob Dylan.

É mais sombrio, mais pesado, e mais climático que seus últimos discos, até porque Dylan optou por testar essas dez canções em sua última tournée e entrou em estúdio com arranjos já definidos e com os mesmos músicos que estão com ele na estrada há anos, gravando tudo muito rapidamente. Isso, por si só, explica o tom urgente do disco.

Mas, apesar de toda a turbulência que sentimos nas primeiras 8 faixas de "Tempest", tudo ruma para uma enorme reflexão na alegórica faixa título, que reconta o naufrágio do Titanic -- à moda de Próspero, claro! -- anunciando o fim dos tempos com tintas carregadas, e que, ao final, revela ter sido tudo apenas um longo e estranho sonho de um sentinela do navio.

Depois dessa catarse de proporções quase bíblicas, para surpresa geral -- mas não dos fãs de William Shakespeare, eu garanto --, "Tempest" encerra de forma delicada e serena com "Roll On, John", uma saudação à vida e ao companheiro de geração John Lennon -- de quem Dylan nunca foi exatamente amigo, até porque os dois se encontraram pouquíssimas vezes, e sim um grande admirador.

O dado curioso dessa homenagem é que ela faz o resgate de uma velha canção folk tradicional com este mesmo nome, que Dylan tocava muito em seu início de carreira, em 1960, e que regravou recentemente.


Pode até ser que Dylan esteja pensando em encerrar sua carreira nesse disco.

Se for, será um desfecho magnífico, até porque "Tempest" é da mesma grandeza de "Highway 61 Revisited", "Blood On The Tracks", "Infidels" e "Time Out Of Mind" -- se não for maior.

Dylan pode até parar de gravar, mas eu acho pouco provável que ele pare de excursionar. Vira e mexe ele fala que quer poder se dedicar mais à pintura e a seus projetos literários, mas o caso é que ele não consegue mais viver longe dos palcos. Desde que voltou em 1974, naquela clássica tournée com The Band, só parou quando teve problemas de saúde. E, ao que consta, sua saúde está ótima.

Enquanto está na estrada, Dylan sabe exatamente qual o seu lugar no mundo como cidadão.

Já quando se recolhe, ele solta a imaginação e vira Próspero. É inevitável: todo grande artista vira Próspero depois dos 70 anos. Não perdendo a generosidade, está tudo certo...

Não sei quanto a vocês, mas eu sinto muito orgulho de ser contemporâneo desse grande cara aí embaixo.

Que os tempos lhe sejam leves daqui por diante.








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terça-feira, setembro 04, 2012

MAGIC SLIM FAZ 75 ANOS EM GRANDE FORMA À FRENTE DOS TEARDROPS EM "BAD BOY"



Talvez Magic Slim seja a essa altura da vida a última lenda viva do blues cru, elétrico e sem rebuscamentos que subiu do Mississipi para Chicago -- o Chicago Blues, em seu formato mais clássico.

Aos 75 anos de idade, vive tranqüilo em Lincoln, Nebraska, mas vive pelo mundo. É um dos representantes da velha guarda que nunca abandonou a estrada, e jamais pretende fazê-lo.

Em 1989, Magic Slim veio ao Brasil pela primeira vez, para o 1.º Festival Internacional de Blues, realizado em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo.

Fez tanto sucesso que, de lá pra cá, voltou para tocar no Brasil quase todo ano, quase sempre acompanhado de sua fabulosa banda, The Teardrops, considerada pela crítica americana o arquétipo da banda de Chicago Blues Moderno.


A lenda de Magic Slim começou em meados da década de 40, no pequeno vilarejo de Torrence, no Mississippi, entre muitas plantações e poucas ruas, onde Morris Holt, um garoto negro nascido em agosto de 1937, dividia seu tempo entre o árduo trabalho na lavoura e a música no coral da igreja e à frente do piano.

Um dia, quando manuseava um descaroçador de algodão, Holt teve o quinto dedo da mão direita prensado e decepado por uma das moendas de sua ferramenta. Depois do acidente, não poderia mais continuar no piano. Aos poucos, se conformou de que precisaria desenvolver suas habilidades em outro instrumento. E então, aos 10 anos de idade, colocou cerdas de uma vassoura de sua casa e improvisou o que viria a ser sua “primeira guitarra”.

Já adolescente, morando na cidade de Grenada, Mississipi, ele ficou muito amigo de um jovem músico que conheceu por lá: Samuel Gene Maghett, ou Magic Sam, que ensinou a ele uma série de truques preciosos na guitarra, mas sempre insistindo que ele deveria criar um jeito próprio de tocar.

Foi o que ele fez, cadenciando cuidadosamente cada nota de sua guitarra entre um verso e outro, embalados pela jeito de cantar à moda do Mississippi.

Magic Sam e Magic Slim chegaram juntos a Chicago em 1955, e comeram o pão que o diabo amassou até Magic Sam conseguir montar sua banda e sair tocando profissionalmente, chamando seu parceiro para atuar como baixista.

Demorou um pouco até adquirir confiança e montar sua própria banda, The Teardrops, com dois de seus irmãos, que também vieram tentar a sorte na cidade grande.

Aos poucos, de tanto tocar em bares e inferninhos da Zona Sul e na Zona Oeste, Magic Slim & The Teardrops viraram afinal figurinhas carimbadas na noite da Windy City.


Magic Slim & The Teardrops possue mais de trinta discos gravados, alguns deles verdadeiros clássicos do gênero, Nos anos 70 e 80, gravaram constantemente para a Wolf Records. Mas de 1990 para cá, sua casa é a conceituada Blind Pig Records, que o trata a pão-de-ló desde sempre, para não perdê-lo.

O mais novo LP deles, “Bad Boy”, acaba de ser lançado, e segue mais ou menos o mesmo formato dos discos dos anos anteriores.

Por mais que Magic Slim tenha gostado das experiências musicais que desenvolveu no disco “Snakebite”, produzido pelo bluesman novaiorquino Papa Chubby, parece claro que daqui por diante seus discos devam seguir um formato mais rotineiro e sem maiores surpresas.

“Bad Boy” alterna composições novas bem marcantes, como “Sunrise Blues” e “Classic Joyride”, com clássicos do blues como a faixa título, de seu amigo Eddie Taylor, e “Champagne and Reefer”, de Muddy Waters – e, de quebra, ainda resgata algumas pérolas meio esquecidas como “Someone Else Is Steppin´ In”, da grande cantora Denise LaSalle, e “How Much More Long” do notável J B Lenoir.



Em "Bad Boy", The Teardrops continuam mais vigorosos do que nunca, e seguem em frente com sua fama de banda-escola, por onde passaram craques em início de carreira como os guitarristas John Primer e Left Dizz.

Atualmente, John McDonald é o segundo guitarrista da banda. O baixo fica a cargo de André Howard e a bateria com B J Jones.

"Bad Boy" está longe de ser um disco surpreendente. Nem pretende ser um grande disco.

Mas é um item bem bacana e extremamente honesto na longa discografia desse grande mestre do Modern Chicago Blues, que segue seu caminho em perfil baixo numa das carreiras mais constantes e prolificas da história deste gênero tradicionalmente perdulário.

Divirtam-se com o mestre.


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