segunda-feira, novembro 26, 2012

HARRY ALLEN, SCOTT HAMILTON E O JAZZ QUE É A CARA DA CIDADE DE NOVA YORK.


Houve um momento "encruzilhada" na história do jazz em que as big bands começaram a ficar inviáveis comercialmente, e os integrantes dessas bandas passaram a se reunir em grupos menores -- com 3, 4 ou 5 músicos no palco -- para tocar o mesmo repertório swingado das orquestras com uma levada mais intimista em pequenos nightclubs.

Isso aconteceu em meados nos anos 40, logo depois da Segunda Guerra Mundial, entre o fim da Era do Swing e a alvorada do Bebop.

Foi quando inauguraram umas das instituições musicais mais sólidas do pré-bebop: os combos de jazz com dois saxofonistas tenor no comando.

Eram dobradinhas espetaculares: Coleman Hawkins e Ben Webster, Lester Young e Zoot Sims, e muitos outros que vieram a se tornar grandes mestres.

Mas, com o advento do bebop e o estrelato de Charlie Parker, todo jovem saxofonista ascendente passou a preferir o sax alto ao sax tenor, e essa deliciosa tradição das dobradinhas de tenores foi-se perdendo com o passar das décadas.

Mas não se perdeu por completo, claro. Dexter Gordon e Al Cohn reativaram esse modelo nos anos 60, e Warne Marsh e Chris Christlieb conseguiram devolvê-lo às paradas de jazz nos anos 70, em meio àquela enxurrada de fusion jazz que reinava na ocasião.

Felizmente, com a entrada em cena dos Irmãos Marsalis e de toda a sua turma de neo-boppers de New Orleans, muitas tradições do jazz dos anos 40 e 50, como a das duplas de saxofonistas tenor, deixaram de ser mera curiosidade para voltar a fazer parte do cardápio variado de manifestações jazzísticas em voga.



Harry Allen e Scott Hamilton não tem absolutamente nada a ver com os Irmãos Marsalis.

Ambos são da cidade de Nova York, onde gravam discos e tocam na noite há quase 40 anos, sempre com público cativo e casa cheia -- mas raramente juntos, apesar de serem amigos de longa data.

"Round Midnight", segundo disco em colaboração entre os dois, não só é primoroso, como revela uma naturalidade musical rara entre jazzistas nos dias de hoje.

A música que eles tocam é atemporal, e o repertório oscila entre vertentes jazzísticas diversas, mas segue sempre um mood bem alegre e cativante, que permite que um clássico dos anos 30 como "My Melancholy Baby", ainda que numa versão bem rejuvenecida, divida a cena com um número truculento e inventivo como "Flight Of The Foo Birds", composto por Neal Hefti para a Count Basie Orchestra nos anos 60.

Outro exemplo dessa pluralidade delicada da alquimia muiscal que os dois desenvolvem está na maneira como conseguem compatibilizar uma versão hard-bop inusitada para "Lover", de Dick Rodgers e Larry Hart, com uma releitura pré-bop de "Round Midnight", de Thelonious Monk -- justamente um dos números mais emblemáticos do bebop.

Com o suporte luxuoso de Ronnie Sportiello ao piano, e da cozinha exemplar do baixista Joel Forbes e do baterista Chuck Riggs, tudo funciona às mil maravilhas nessa sessão, encaixando ecos de Eras diferentes da história do jazz numa mesma aventura musical aparentemente leve e descompromissada, mas densa e muito adorável.


"Round Midnight" é, de certa forma, a cara do jazz da cidade de Nova York: uma manifestação musical centenária que sempre encontrou por lá um público disposto a encarar tanto o que o gênero tem de mais dançante quanto o que ele tem de mais experimental.

Seria uma heresia chamar Harry Allen e Scott Hamilton de neo-tradicionalistas, apesar dos dois terem surgido na onda do jazz neo-tradicionalista dos anos 80, pois eles mesclam tantas tendências, e de forma tão inusitada, que seria injusto reduzi-los a tão pouco.

Felizmente o swing tem uma lógica própria, que desafia a própria historiografia do jazz.

E essa dupla de saxofonistas tenor brinca com essa dicotomia, com uma nonchalance impecável.

Acredite: tem sabedoria musical tem de sobra em "Round Midnight".



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sexta-feira, novembro 09, 2012

JOHN CALE CHEGA AOS 70 ANOS DE IDADE FLERTANDO COM O CORAÇÃO DAS TREVAS


John Cale é um daqueles casos raros em que um talento enorme e múltiplo acaba roubando o foco de uma carreira que tinha tudo para ser estelar, e que, por algum motivo, não conseguiu ser.

Nascido em uma família de classe operária em Wales, na Grã-Bretanha, Cale se revelou um músico prodígio muito cedo, e ganhou bolsas para estudar música tanto em Londres quanto em Nova York -- sob a tutela de grandes mestres como Aaron Copland e Leonard Bernstein.

Mas foi sua paixão por música avant-guarde que o levou a se aproximar de mestres do gênero em diversas modalidades artística. Conheceu Andy Warhol, e acabou convidado para dar um tom experimental a uma banda de rock composta por uma Nico, uma cantora alemã um tanto quanto sombria, e alguns analfabetos musicais extremamente talentosos, comandados por Lou Reed, nos quais Andy estava apostando.

Essa banda era, claro, o Velvet Underground. E as idéias musicais arrojadas de Cale, em contraponto às baladas e rocks rasgados de Reed, acabaram sendo o grande diferencial dos dois primeiros LPs do Velvet.

Infelizmente, as dificuldades de relacionamento entre os dois não foram poucas, e acabaram levando a um racha dentro da banda.

Nico e Cale seguiram caminhos diferentes do Velvet -- que, desse ponto em diante, deixou os experimentalismos de lado e passou a apostar exclusivamente no rock and roll urbano mais contundente de que se tem notícia até hoje.



Foi a partir daí que a carreira de Cale se subdividiu em diversas frentes.

Havia o John Cale produtor e arranjador, que impulsionou de forma brilhante carreiras de músicos os mais diversos, como Nico, Jonathan Richman, Patti Smith, Iggy Pop e vários outros.

Havia também o John Cale artista erudito, que fazia experiências avant-guarde com LaMonte Young e Terry Riley, além de trilhas sonoras para filmes e uma série magnífica de discos com composições para piano e orquestra para o selo francês Crepuscule Disques.

E, para completar, havia o John Cale artista popular, com um trabalho musicalmente acessível, que aborda temas filosóficos, psicológicos e poéticos, e que possui uma discografia extensa e de alto gabarito artístico -- mas infelizmente sem grande apelo popular.


Pois é justamente desse John Cale que vamos falar aqui.

"Shifty Adventures In The Nookie Wood", seu mais novo disco, é um trabalho que aposta numa levada roqueira e sombria que remete aos primeiros anos de sua carreira solo, em LPs como "Paris 1919", "Fear" e "Slow Dazzle". Mas que, curiosamente, também mantém uma levada eletrônica semelhante à de alguns dos últimos cds gravados por David Bowie antes de se aposentar. Considerando que tanto Bowie quanto Cale trocam figurinhas constantemente com Brian Eno, nada a estranhar.

A maioria das canções dos disco chama a atenção pela contundência nos temas abordados e pelas melodias que grudam nos ouvidos logo na primeira audição -- apesar de alguns arranjos exageradamente eletrônicos, que vez ou outra conspiram contra as próprias canções.

Claro que esses exageros fazem todo o sentido do mundo na mente barroca avant-guarde de John Cale.

"Shifty Adventures In The Nookie Wood", assim como outros discos de John Cale, funciona como um jogo de espelhos. A linda e obsessiva faixa de abertura, "I Wanna Talk 2 U", gravada com a coleboração de Danger Mouse, já dá logo de cara o tom soturno e surreal da viagem que vem pela frente. Vem seguida pela envolvente 'Scotland Yard". Que engata em "Hemingway", uma homenagem ao espírito indômito e ao coração sombrio do grande escritor americano.

Daí para a frente, somos engolidos pela esquizofrenia musical de Cale, onde baladas lindíssimas como "Living With You" e "Flying Dutchman" se misturam com canções enigmáticas como "Midnight Feast", "Face To The Skies" e "December Rains", sempre seguindo a musicalidade "berlinense" que sempre emoldurou muito bem a voz gutural de Cale.

Não é uma viagem musical das mais leves.

Mas é intensa.



No geral, "Shifty Adventures In The Nookie Wood" soa como uma radicalização do trabalho desenvolvido por John Cale em seus dois discos anteriores, "Hobo Sapiens" e "Black Acetate", fechando talvez uma trilogia de discos surreais e sombrios.

Traz John Cale em plena forma, esbanjando jovialidade e criatividade aos 70 anos de idade, e, ao mesmo tempo, fazendo uma revisão de suas motivações artísticas mais básicas -- e isso, por si só, já é uma excelente recomendação.

Benvindo âs idiossincrasias musicais e temáticas de "Shifty Adventures In The Nookie Wood".

Prepare-se para emoções loucas e intensas com John Cale.



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terça-feira, novembro 06, 2012

RICKIE LEE JONES PASSEIA POR CANÇÕES ALHEIAS E SE REINVENTA MAIS UMA VEZ


É comum ver cantores e compositores lançando discos de covers de tempos em tempos por motivos estratégicos e oportunistas.

Convenhamos: é sempre muito mais fácil vender um disco assim. A maioria das canções escolhidas já são conhecidas, e essas releituras tem entrada facilitada nas programações das rádios adultas.

Além do mais, discos de covers são sempre saídas honrosas para qualquer artista em crise criativa ou em final de contrato com uma gravadora, pois a gravadora raramente reclama desse tipo de disco e o artista não pode guardar suas novas canções para seu disco de estréia na sua próxima gravadora.

Nenhuma dessas regras oportunistas, no entanto, se aplica a Rickie Lee Jones,. garota de Chicago que circulou por toda a América até aparecer ao lado do namorado Tom Waits no disco "Foreign Affairs" (1977) a convite de seus amigos de infância Lenny Waronker e Russ Titelman.



Desde o momento em que apareceu com seu disco de estréia em 1979, Rickie Lee causou um frisson impressionante na cena musical. O que dizer de uma cantora e compositora com a sensibilidade de Joni Mitchell e a atitude de um moleque de rua? Ela era inclassificável, e tirou proveito disso emplacando discos originalíssimos na sequência de seu trabalho de estréia, sem jamais se deixar engolir pelo mainstream -- mas tirando, sempre que possível, bom proveito dele.

Bom, mas como estava dizendo, Rickie Lee vem gravando há quase 30 anos discos de covers, um a cada dez anos, e nenhum deles tem perfil.oportunista. Muito pelo contrário, são discos em que ela mergulha fundo em suas lembranças, seus anos de formação artística e sua alma inquiete.

O primeiro disco de covers que ela gravou, "Girl At Her Volcano" (1983) é de uma delicadeza aterradora. Uma combinação eclética de canções de várias épocas, num contexto dramático e que dava uma nova dimensão á sua persona artística.

O segundo, "Pop Pop" (1991), já tem um tom mais jazzístico e uma seleção de canções que alterna canções dos anos 40 e 50 com clássicos da psicodelia como "Up From The Skies", de Jimi Hendrix.

Já o terceiro, "It´s Like This", tem uma sonoridade um pouco mais soul que o habitual, mas a origem do repertório é novamente muito eclética. o resultado final, no entanto, é extremamente coeso.


E agora, eis que Rickie Lee retorna com mais uma aventura musical muito pessoal com repertório alheio.

Em "The Devil You Know", ela volta a trabalhar com Ben Harper como produtor, e juntos eles desenvolveram arranjos bem "no osso" -- piano e baixo, violão e baixo, coisas assim -- sobre um repertório bastante conhecido, que ganhou feições inteiramente novas em releituras muito inusitadas.

O disco abre com uma versão intimista, quase uterina, para Sympathy For The Devil" -- sem percussão, sem explosões, trabalhando uma espécie de catarse interna. Segue com a versão mais delicada e inocente já gravada para "Only Love Can Break Your Heart", de Neil Young. Um pouco adiante, temos uma versão voz e piano quase inacreditável para "The Weight", clássico de Ronnie Robertson e do The Band, E por aí vai. Tudo muito simples, e muito incomum.

Eu confesso que fiquei completamente cativado pela sua interpretação de "Play With Fire", dos Stones, com um tom desamparado e, ao mesmo tempo, perigosíssimo, que dá a dimensão exata do poder de fogo de Rickie Lee como intérprete.

Além disso, ela escolheu duas canções que fazem parte do disco 'Every Picture Tells A Story", de Rod Stewart: "Reason To Believe", de Tm hardin, e "Seems Like A Long Time" de Ted Anderson. Tanto uma quanto a outra seguem leituras bem menos vibrantes que as de Rod, mas são muito mais eloquentes e verdadeiras.

E não pára por aí. "The Devil You Know" tem algumas outras surpresas a ser descobertas. Canções de Donovan, Van Morrison, Ben Harper, etc.

Eu, no entanto, prefiro encerrar por aqui.



Apesar de ser um disco de covers, "The Devil You Know" está longe de ser um disco de apelo fácil.

Nenhum disco de Rickie Lee Jones gravado nos últimos 20 anos tem apelo fácil.

Muita gente vai chegar com as reclamações de sempre: de que seu trabalho está cerebral demais, jovial de menos, climático demais, urgente de menos...

Eu, na condição de admirador quase incondicional do trabalho de Rickie Lee Jones, não tenho nenhuma observação a fazer. Achei o disco ótimo, intenso, certamente o melhor dos 4 discos de covers que ela já gravou. Torço sinceramente para que venham outros.

Quanto ao fato dela insistir em trabalhos que não possuem apelo imediato ao longo desses últimos 20 anos, não há muito o que dizer. Joni Mitchell e Laura Nyro também promoveram viradas radicais em determinados pontos de suas carreiras, e o tempo provou que elas estavam no rumo certo. As chances de Rickie Lee estar também na rota certa não são pequenas.

Enfim, nada melhor que o passar do tempo para dar as perspectivas histórica e artística certas para essas coisas que nem sempre estão estampadas bem na cara da gente.


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HANS THEESSINK E TERRY EVANS NADAM DE BRAÇADA NAS ÁGUAS DO RIO MISSISSIPPI E VIVEM PARA CONTAR EM "DELTA TIME"


Bem no início dos anos 1990, a Gravadora Estúdio Eldorado, de São Paulo, muito entusiasmada depois de adquirir os direitos para lançamento no Brasil do catálogo riquíssimo da independente americana Rounder Records, colocou nas lojas um LP espetacular chamado "Live And Let Live!", da dupla de cantores Terry Evans e Bobby King, integrantes da banda regular do guitarrista Ry Cooder, que também produziu o disco, lançado originalmente nos Estados Unidos em 1988.

"Live And Let Live!" teria passado completamente despercebido pelo grande público, se não fossem dois pequenos detalhes: a promoção espontânea da Grande Imprensa através de seus Cadernos de Cultura e a carência enorme que existia em relação a discos contemporâneos de blues e rhythm and blues num mercado onde só eram lançados discos clássicos da Chess Records e da Vee-Jay Records.

Bobby King e Terry Evans são de backgrounds musicais bem diferentes. Bobby vinha da cena gospel da Louisiana, e sempre imprimiu as características estilísticas típicas do gênero tanto nas composições quanto nas vocalizações da dupla. Já Terry vinha do Mississippi e trazia em sua bagagem anos de trabalho ao lado de craques do rhythm and blues como Louis Jordan e Ike Turner.

A união dos dois tinha tudo para não dar certo, mas funcionou às mil maravilhas em vários discos de Ry Cooder gravados nos anos 70 e 80, e também em dois discos como dupla.


De 1991 em diante, no entanto, a dupla, que raramente compunha canções em conjunto, se separou.

Bobby decidiu levar seu "falsetto" de volta para a cena gospel, onde milita até hoje.

E Terry seguiu explorando nas raízes musicais do Mississipi, sempre com um approach bem moderno, em discos nunca menos que magníficos, ainda que pouco conhecidos até mesmo pelo público de blues.

Os dois permaneceram amigos e eventuais parceiros musicais em projetos de músicos amigos, mas nunca mais retomaram o trabalho glorioso da dupla em discos próprios.



Pois bem: vinte anos se passaram, e então Terry Evans mergulhou em uma nova e bem sucedida dobradinha musical, dessa vez com o prolífico e muito aplicado guitarrista de folk-blues holandês Hans Theessink.

Juntos gravaram um disco espetacular hamado "Visions" (2008), com participação do guitarrista inglês Richard Thompson, onde trafegavam pelas águas da folk music que irrigam tanto o blues tradicional e o gospel quanto o rhythm and blues urbano e a soul music.

E agora, os dois estão de volta numa nova empreitada musical ao lado do amigo Ry Cooder e dos cantores Willie Greene Jr. e Arnold McCuller, mergulhando fundo na alma da música do sul dos Estados Unidos, sem distinção de gênero e sem respeitar fronteiras culturais.


"Delta Time" conquista logo de cara pelo despojamento musical e pela sofisticação na maneira de abordar o repertório, que alterna canções clássicas com originais de Hans Theessink, aluno aplicadíssimo de Ry Cooder..

Totalmente acústico, ele segue pelas mesmas trilhas que marcou boa parte do trabalho desenvolvido por Cooder nos anos 70, resgatando aquele mesmo padrão de excelência musical que parecia ter-se perdido com o passar dos anos.

É o outro lado daquela mesma moeda do trabalho totalmente elétrico que Evans realizava com Bobby King.

A recriação dramática eles promovem, por exemplo, na clássica "Down In Mississippi", de J B Lenoir, é de arrepiar.

As releituras acústicas de "Honest I Do" e 'Pouring Water On a Drowning Man" dão uma dimensão totalmente nova a esses números já gravados à exaustão por outros artistas.

E, como se isso não bastasse, os quatro originais de Theessink são magníficos, composições de um mestre que merece ser descoberto urgentemente por todos os aficcionados em blues que resistem à invasão europeus que vem tomando conta do gênero nos últimos anos.



"Delta Time" é um disco de blues acústico moderno que nasce clássico.

A alma de tudo o que se produziu, e ainda se produz, na música do Sul dos Estados Unidos está impregnada nele por inteiro.

Enquanto ouvia esse disco, me lembrava de algumas declarações do saudoso Levon Helm no programa de Dave Letterman um ou dois anos antes de morrer. Helm dizia que sua cidade no Arkansas era muito pobre e ficava à beira do Mississipi, mas do outro lado do Rio ficava a gloriosa Memphis, e um pouco mais acima estava Nashville.

Segundo ele: "Nos arredores dessas duas cidades todas as variantes musicais da Música do Sul se mesclavam sem distinção de gênero ou de cor, e isso acontecia de forma perfeitamente natural, na medida em que, em última instância, era tudo a mesma coisa, era tudo Country Music..."

"Delta Time" não só reforça essa tese, como abre um horizonte espetacular para quem pretende seguir explorando a música do Coração da América.

PS1: Um pedido apenas ao Sr. Evans e ao Sr. Theessink: "Visions" e "Delta Time" merecem virar, ao menos, uma trilogia -- ou uma trinca de discos, se assim preferirem. Pensem nisso com carinho, por favor. God Bless...

PS2: A propósito, PARABÉNS, BARACK OBAMA. God Bless...



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CONHEÇAM THE COOKERS, A MAIOR SUPER BANDA DE HARD-BOP DA HISTÓRIA DO JAZZ


Existia nos anos 50 e 60 uma tradição na Blue Note Records de chamar de "cooker" todo jovem músico que brilhasse de forma muito intensa como band-leader em discos da gravadora.

Uma tradição que funcionava mais como uma gentileza do que propriamente como um rótulo.

Mas que fornecia credenciais suficientes para apresentar aos admiradores do bebop jovens talentos de grande potencial que caíam na rede da gravadora.

O primeiro dos grandes "cookers" da Blue Note foi o lendário trumpetista Lee Morgan, que aos 19 anos gravou um disco espetacular com esse nome, e imediatamente entrou para o rol dos grandes mestres de seu instrumento.

O segundo dos grandes "cookers" da Blue Note veio no início dos anos 60: o jovem trumpetista Freddie Hubbard, que não sossegou enquanto não teve o apelido em questão estampado na capa de um de seus discos -- justamente o álbum ao vivo "Night Of The Cookers", onde divide a cena com seu mentor Lee Morgan.

Daí para a frente, jovens saxofonistas como Wayne Shorter e Billy Harper também passaram a ostentar o termo crookers também -- até que, com o advento do jazz fusion e o ocaso do hard bop e da Blue Note Records no final dos anos 60, a gíria saiu de moda e caiu em desuso.

Mas não morreu.

Com o ressurgimento vigoroso do hard bop em meados dos anos 80, novos "young men with a horn" como Wynton & Branford Marsalis, Terence Blanchard e Donald Harrison trataram de resgatar algumas velhas tradições do jazz, e, entre outras coisas, decidiram se auto entitular "cookers" também, retomando a velha tradição.

De lá para cá, essa brincadeira não parou mais, a ponto de um time de grandes jazzistas veteranos da noite da cidade de Nova York decidir se apropriar do nome e formar uma superbanda de hard bop para Leonard Feather nenhum botar defeito.


Assim, em 2009, nasceu The Cookers, reunindo o lendário saxofonista tenor Billy Harper, os trumpetistas Eddie Henderson e David Weiss, o saxofonista alto Craig Handy, o pianista George Cable, e ainda o baixista Cecil McBee e o baterista Billy Hart.

A idéia de montar o grupo foi de Harper, entusiasmado por um lampejo de estrelato decorrente de sua participação comovente no filme "O Terminal", de Steven Spieberg. Ele achou que não fazia sentido não capitalizar em cima disso, e fez muito bem.

The Cookers estreou com um bom disco em 2010, "Warriors", prestando uma bela homenagem a Freddie Hubbard, que acabara de falecer. A crítica, apesar de favorável, apontou como único pecado do disco ser tímido e sistemático demais em relação ao potencial que aquele conjunto espetacular de músicos poderia oferecer.

O segundo disco do grupo, "Cast The First Stone", do ano passado, tratou de consertar esse pequeno erro, colocando os sete músicos em performances muito menos comportadas, e interagindo muito mais uns com os outros -- e os aplausos vieram de imediato, e de forma unânime, tanto de crítica quanto de público.



E então, eis que nossos bravos boppers estão de volta com um terceiro disco, só com composições próprias, para sedimentar de uma vez por todas a razão de ser do grupo: reunir as vivências musicais desses músicos experimentadíssimos num projeto comum que faça juz a suas reputações individuais.

"Believe" abre com um número inusitadamente manso de oito minutos de duração chamado "Believe, For It Is True", onde Billy Harper mostra, para quem não o conhece direito, como é perfeitamente possível ser terno e perigoso ao mesmo tempo, usando e abusando de um senso de concisão único, sempre esbanjando melodia no desenvolvimento do tema através de solos inebriantes.

E o que vem a seguir é uma aula de diversidade musical, onde todos os rumos que o hard bop tomou entre os anos 60 e 70 convergem para um mesmo porto seguro, onde cabem tanto influências de renovadores do bebop como Charles Mingus e Miles Davis quanto dos mestres clássicos do gênero.

Acredite: o que The Cookers faz é jazz de primeiríssima grandeza.

Ouçam e tirem suas próprias conclusões.



Billy Harper sempre foi um dos meus tenores favoritos.

Pude vê-lo ao vivo uma única vez, em 1985, à frente de um quarteto poderosíssimo, num show espetacular no Teatro Nacional de Brasília, e lembro como se fosse ontem de saír de lá completamente boquiaberto com a vitalidade de seu sopro e a levada perigosa de sua banda.

Depois daquele show inesquecível, tratei de conhecer melhor a carreira de Mr. Harper. Para minha surpresa, ele tinha pouquíssimos discos gravados como solista, apesar de sua longa carreira. Fiquei com a impressão de que Harper era daquele tipo de artista que faz milagres nos discos de amigos, mas tem dificuldades sérias em comandar projetos pessoais.

Passados 25 anos disso tudo, confesso que, para mim, é um imenso prazer ver Harper, já septuagenário, comandando um septeto espetacular como esse, e proporcionando aos apreciadores de hard bop música de primeira grandeza como a que compõe esse grande disco.

E, claro, desfazendo por completo minha impressão equivocada de 25 anos atrás.

'Believe" tem essa grandeza toda, sim. Pode fazer uma fé nele que vale a pena.




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