sexta-feira, agosto 19, 2011

BLUES, SOMENTE O BLUES, NADA MAIS QUE O BLUES (por Chico Marques)


Durante mais de 50 anos, a partir da Segunda Guerra Mundial, nove em cada dez artistas de blues viveram totalmente à margem do mercado musical -- muitos deles em situações lastimáveis de saúde física e mental.

Esses menestréis mambembes sobreviviam, muitas vezes, da generosidade e do carinho de alguns de seus admiradores.

Ganhavam muito pouco com suas atividades artísticas e sobreviviam sem perspectivas e apenas com a lembrança de tempos gloriosos que ficaram perdidos num passado bem remoto.

Acreditem, nunca foi fácil ser um artista de blues.

Por conta disso, os Rolling Stones cultivam um hábito muito interessante sempre que estão em tournée pela Europa.

Basta chegarem a alguma cidade grande e tomarem conhecimento de algum músico clássico de blues que esteja tocando por lá, que eles imediatamente o convidam para fazer uma participação especial no show da banda e o transferem do hotelzinho barato onde está hospedado para o Hotel Cinco Estrelas que está abrigando toda a entourage da banda -- com direito a champagne, belas acompanhantes, etc.

Ouvi numa conversa de mesa de bar com o blesman texano Steve James aqui em Santos, SP, alguns anos atrás, que existia em sua cidade, Austin, um médico muito rico que era fanático por blues, mas que, por razões sociais, não podia frequentar o Antone's, famosa casa de shows que trazia todos os grandes artistas de blues e rhythm & blues desde a década de 1970, e que era propriedade de seu amigo Clifford Antone-- que hoje cumpre pena por contrabando numa prisão estadual do Texas.

Pois esse médico tinha um acordo com Clifford Antone. Sempre que ele contratasse qualquer bluesman veterano, ele exigiria que o bluesman veterano em questão permanecesse na cidade uma semana depois das apresentações internado em sua clínica para um check-up completo totalmente gratuito, com direito a uma eventual desintoxicação e muitos bons tratos, só para variar...

Com essa atitude humanitária, esse médico de Austin, Texas, deve ter feito muito mais pela sobrevivência do blues do que muitos pretensos estudiosos do gênero, com suas teses acadêmicas de acesso apenas a iniciados.

Certamente, prolongou em alguns anos as vidas de alguns dos maiores mestres do blues.

Bom, mas isso tudo agora faz parte do passado.

Hoje, a cena do blues não só é próspera, como é uma das únicas em toda a Indústria Fonográfica que não está vivendo uma crise -- até porque está mais do que acostumada a viver de forma espartana, e não se assusta mais com o mercado independente.

Os artistas e bandas que ALTOeCLARO escolheu para esta semana fazem do blues sua profissão de fé.

Rod Piazza e Tracy Nelson são veteranos da década de 60 que inicaram suas carreiras na Costa Oeste sob a supervisão de vários grandes bluesmen de Chicago que haviam migrado para Los Angeles e San Francisco -- pois sofriam de reumatismo e não conseguiam mais viver naquele clima gelado de lá.

Já Watermelon Slim e Super Chikan são do sul dos Estados Unidos, e se mantém relativamente fiéis aos formatos mais tradicionais do Mississipi Blues -- o extremo oposto de Keb' Mo', que tem pinta de bluesman revisionista, mas faz possui uma musicalidade passa bem longe disso.

E, para completar, temos o Roomful Of Blues, grande big band de rhythm & blues da Nova Inglaterra, há 43 anos na ativa, produzindo música para dançar de primeiríssima grandeza.

Senhoras e Senhores.... com vocês, algumas das mais diversas e valorosas caras do blues nos dias de hoje. Vamos a elas:




















KEB’ MO’

THE REFLECTION
(Yolabelle Records)
Os puristas do blues odeiam Keb’ Mo’. Ele tem pinta de bluesman revisionista, se veste como um músico dos anos 30, sabe tudo de blues, tem uma voz marcante, mas mesmo assim prefere circular pelos campos mais melodiosos e suingados do rhythm & blues e da soul music. Tem um histórico de início de carreira semelhante ao de Robert Cray, já que os dois gravaram discos de estréia para a Tomato Records que permaneceram inéditos por muitos anos devido à falência da gravadora. Ao contrário de Cray, que não se deixou abater e deu a volta por cima com relativa rapidez, Kevin Moore (seu verdadeiro nome) deixou a idéia da carreira solo de lado e voltou a trabalhar como músico de estúdio. Parecia estar condenado a ser apenas um guitarrista competente muito solicitado para sessões de gravação quando resolveu gravar algumas demos com suas composições no início dos anos 1990. Rapidamente, foi contratado pelo selo Okeh, onde gravou um disco de estréia magnífico, virando a grande sensação musical da cena do blues crossover em 1994. Dezessete anos mais tarde, eis Keb’ Mo’ por aqui novamente, com o habitual blend de rhythm & blues e soul music totalmente repaginado em números deliciosos como “Inside Outside” e “Crush On You”. Além disso, sua releitura soul para “One Of These Nights”, de Don Henley & Glenn Frey, é simplesmente impecável, corrigindo todos as inadequações do arranjo original dos Eagles. Um conselho: e você for um purista do blues, fuja desse disco -- não tem um único número do gênero entre suas doze faixas. Agora, se não for, relaxe e divirta-se.




















TRACY NELSON

VICTIM OF THE BLUES
(Delta Groove Records)
Quem lembra do grupo Mother Earth em meados dos anos 1960 na cena psicodélica de San Francisco, pode calcular o tempo de serviços prestados da cantora e pianista Tracy Nelson ao mundo do blues. Distante da cena principal desde meados dos anos 1970, Tracy seguiu tranquilamente com seu trabalho low-profile gravando para selos como a Rounder e a Flying Fish, que sempre lhe proporcionaram liberdade criativa. Mas o caso é que ele ficou tempo demais nessa toada, e agora, já sessentona e empolgada com a sucesso da amiga Márcia Ball, finalmente topou partir para um trabalho menos autoral, porém mais apelativo. Deu nesse “Victim Of The Blues”, um belo disco, que se por um lado não acrescenta muita coisa ao conjunto de obra de Tracy, por outro lado vai servir para apresentá-la a um público bem mais amplo -- e quem sabe até resgatar alguns velhos fãs desavisados do Mother Earth que talvez nem saibam que ela ainda está na ativa depois de todos esses anos. Suas releituras para “One More Mile” e “Stranger In My Own Home Town” mostram uma performer segura, que não tem o menor receio de se aventurar por um repertório tradicionalmente masculino e deixar de soar feminina. Taí: uma grande artista americana. Num disco pra lá de simpático.


















WATERMELON SLIM & SUPER CHIKAN

OKIESSIPPI BLUES

(Northern Blues Records)

Demorou, mas finalmente dois dos performers mais originais e divertidos da cena blueseira atual resolveram unir forças e brincar de Sonny Terry & Brownie McGhee num mesmo disco. Tanto Watermelon Slim quanto Super Chikan são mestres bem humorados do blues que só foram assumir suas carreiras musicais perto dos 50 anos de idade, depois de trabalharem a vida inteira como motoristas de caminhão -- e só o fizeram porque não tinham mais saúde para seguir adiante com o trabalho braçal. Seus backgrounds musicais são totalmente diferentes. Watermelon Slim nasceu em Boston, mas sua base musical é na Carolina do Norte, e seu blues costuma ser bem melodioso. Já Super Chikan é de Clarksdale, Mississipi, terra de John Lee Hooker, de quem herdou muito mais que o suingue e o gosto por blues discursivos. O resultado do encontro dos dois é tão perfeitamente integrado em termos musicais que fica a pergunta no ar: Como é que ninguém pensou em reunir esses dois antes? “Okiessippi Blues” é, antes de tudo, um LP muito engraçado, e seus 50 minutos de duração passam voando. Quem acha que blues tem que ser triste e depressivo, precisa urgentemente conhecer essa dupla debochada e genial. Blues de verdade é isso aqui, o resto é pose.


















ROD PIAZZA & THE ALL MIGHTY FLYERS

ALMIGHTY DOLLAR

(Delta Groove Records)
Rod Piazza é, há pelo menos 30 anos, uma das figuras mais vibrantes do West Coast Blues. Gaitista extraordinário, herdeiro musical do lendário George Harmonica Smith, e comandante de bandas lendárias da cena de Los Angeles como o Bacon Fat (1968-1972) e os Mighty Flyers (1990- ), ele segue, sempre acompanhado por sua louríssima senhora, a pianista Honey Piazza, e seus escudeiros suingadíssimos com o já habitual blend de Chicago blues, Memphis blues e Saint Louis blues, sempre incendiando os nightblubs da California e de vários cantos do mundo -- ano passado esteve por aqui, no Festival de Rio das Ostras. “Almighty Dollar” é seu disco desse ano. Um título irônico, considerando a atual situação das contasdo Governo Americanas. Mas, se por um lado esse novo LP não traz nenhuma surpresa, por outro funciona como um “mais do mesmo” honestíssimo, com repertório muito bem cadenciado e performances no mínimo eloqüentes. Por mais que Piazza não seja um cantor marcante, sua abordagem musical como gaistista e band-leader é tão espontânea, e seus discos tão bem gravados, que fica difícil não se deixar encantar por eles. Quem conhece Rod Piazza, com certeza vai vibrar com mais esse disco. Quem ainda não o conhece, terá em “Almighty Dollar” um excelente ponto de partida para tomar contato com uma das obras mais consistentes de um artista branco de West Coast Blues.




















ROOMFUL OF BLUES

HOOK LINE & SINKER
(Alligator Records)
O Roomful Of Blues é talvez a única banda da cena americana que vive trocando cantor, guitarrista e pianista sem jamais perder a identidade musical -- que reside justamente na sessão de metais, comandada há mais de 40 anos pelo saxofonista Rich Lataille, Com uma discografia muito extensa e ex-integrantes estelares como Duke Robillard, Ronnie Earl, Curtis Salgado e Sugar Ray Norcia, esse bravo octeto segue adiante fiel a um repertório variado que vai do rhythm & blues dos anos 50 e 60 ao jump blues mais vibrante já produzido por uma banda da Nova Inglaterra, tradicional base da banda. “Hook Line & Sinker” é o primeiro disco deles com o cantor Phil Pemberton, que se esforça para fazer jus ao posto que já pertenceu a tantos grandes cantores no passado -- e não faz feio em momento algum. Se permanecer na banda por mais um ou dois LPs, com certeza deve brilhar muito mais muito em breve. De qualquer maneira, é um dos discos mais acelerados e certeiros que o Roomful Of Blues já gravou, fulminante da primeira à última faixa, graças à produção do guitarrista extraordinário Chris Vachon. Taí uma banda que sabe tudo de música negra americana, e não cansa de nos surpreender tanto com a qualidade de seu trabalho quanto com sua vitalidade e longevidade.

DISCOGRAFIAS

LPs KEB’ MO’
Keb’ Mo’ (1994)
Just Like You (1996)
Slow Down (1998)
The Door (2000)
Big Wide Grin (2001)
Keep It Simple (2004)
Peace... Back By Popular Demand (2004)
Suitcase (2006)
Live & Mo´ (2009)
The Reflection (2011)

LPs TRACY NELSON
Deep Are The Roots (1965)
Tracy Nelson (1974)
Sweet Soul Music (1975)
Time Is On My Side (1976)
Homemade Songs (1978)
Come See About Me (1980)
Doin´ It My Way (1980)
In The Here & Now (1993)
I Feel So Good (1995)
Move On (1996)
Tracy Nelson Country (1996)
Ebony & Ivory (2001)
Live From Cell Block D (2003)
You´ll Never Be A Stranger (2007)
Victim Of The Blues (2011)

LPs WATERMELON SLIM
Merry Airbreakes (1973)
Big Shoes To Fill (2003)
Up Close & Personal (2004)
Watermelon Slim & The Workers (2006)
The Wheel Man (2007)
No Paid Holidays (2008)
Escape From the Chicken Coop (2009)
Ringers (2010)
Okiessipi Blues (com Super Chikan 2011)

LPs SUPER CHIKAN
Blues Come Home To Roost (2003)
What You See (2004)
Shoot That Thang (2006)
Chikan Supe (2008)
Sum’ Mo Chikan (2010)
Welcome To Sunny Bluesville (2011)
Okiessipi Blues (com Watermelon Slim 2011)

LPs ROD PIAZZA
Bluesman (1973)
Harpburn (1986)
So Glad To Have The Blues (1988)
Blues In the Dark (1991)
Alphabet Blues (1992)
Live At B B King´s Blues Club (1994)
California Blues (1997)
Tough & Tender (1997)
Vintage Live: 1975 (1998)
Here & Now (1999)
Beyond The Source (2001)
Keeping It Real (2004)
For The Chosen Who (2005)
Thrillville (2007)
Soul Monster (2009)
The Almighty Dollar (2011)

LPs ROOMFUL OF BLUES
Roomful Of Blues (1977)
Let´s Have A Party (1979)
Hot Little Mama (1981)
Dressed Up To Get Messed Up (1984)
Live At Lupo´s Heartbreak Hotel (1987)
Dance All Night (1994)
Turn It On! Turn It Up! (1995)
Under One Roof (1997)
Roomful Of Christmas (1997)
There Goes The Neighborhood (1998)
Watch You When You Go (2001)
That´s Right (2003)
Standing Room Only (2005)
Raisin´ A Ruckus (2008)
Hook Line & Sinker (2011)

PORTA RETRATOS

“Quando vi que não tinha outra saída senão virar um artista independente, não pensei duas vezes: montei meu próprio selo, fiz um acordo de distribuição com a Ryko New York, pedi ajuda aos amigos e meti a cara no projeto. Confesso que gostei da sensação.” (Keb’ Mo’ )

“Desde meu disco de estréia, em 1965, não gravava um repertório de blues tradicionais como o deste novo LP. Daqui por diante, só quero fazer coisas que nunca fiz, ou que não faço há muito tempo. A vida é muito curta.” (Tracy Nelson)

“É impressionante como algumas gaitas estão custando um verdadeiro absurdo hoje em dia. Sempre que tentam me empurrar uma dessas, eu digo: Cara, eu não sou da banda do Bruce Springsteen, eu toco Blues!(Rod Piazza)

“Apesar de ter estudado História e Jornalismo, e sempre ter estado envolvido com ativismo político e ambiental, nunca trabalhei com nada disso. Sempre sustentei minha família como caminhoneiro. Até que, um dia, tive um enfarto colossal e aí não deu mais. Foi aí que virei artista.” (Watermelon Slim)

“O Roomful Of Blues existe há já 43 anos. Nossa especialidade é recriar o clima festivo dos velhos 78 rotações dos anos 40 e velhos 45 rotações dos anos 50 com uma sonoridade bem atual. Fazemos música para dançar e nada além disso, mas nos orgulhamos muito disso” (Rich Lataille, Roomful Of Blues)

“Adorei participar do último disco de David Bromberg como produtor e artista convidado. É sempre um prazer poder aprender com um grande mestre como David.” (Keb’ Mo’)

“Minha casa foi destruída por um incêndio na floresta onde moro, perto de Nashville. Dois dos meus 9 cachorros morreram, minha coleção de fotos de toda a minha carreira se perdeu, mas felizmente o meu estúdio caseiro de gravação, onde estava com esse disco novo praticamente pronto, se salvou. Foi quando decidimos batizar este LP de Victim Of The Blues(Tracy Nelson)

“Uso gaitas comuns, do tipo Marine Band, nada demais. O segredo da sonoridade encorpada do meu sopro está nos cristais dos microfones que eu uso, todos muito antigos. Tenho mais de 20 guardados comigo.” (Rod Piazza)

“O apelido Super Chikan vem da minha infância. Aos 9 anos de idade, eu costumava trazer as galinhas do quintal para dentro de casa e conversava com elas horas e horas, na língua delas. (Super Chikan)

“Descobri que produzindo os discos do Roomful Of Blues consigo encaixar melhor a guitarra em meio a esses arranjos repletos de metais. E, de quebra, ainda consigo incluir no repertório da banda uns números suingados onde a guitarra vem em primeiro plano, como Gate Walks On Board, de Clarence Gatemouth Brown.” (Chris Vachon, Roomful Of Blues)


AMOSTRAS GRÁTIS
KEB’ MO’




AMOSTRAS GRÁTIS

TRACY NELSON




AMOSTRAS GRÁTIS

WATERMELON SLIM-SUPER CHIKAN




AMOSTRAS GRÁTIS

ROD PIAZZA



AMOSTRAS GRÁTIS

ROOMFUL OF BLUES



sexta-feira, agosto 12, 2011

CINCO ADORÁVEIS DAMAS DO JAZZ QUE VIVEM SASSARICANDO POR OUTRAS VIZINHANÇAS MUSICAIS (por Chico Marques)

Há muitos e muitos anos, desde o tempo em que existia algo chamado "Indústria Fonográfica", o Universo da Música Gravada convive com o mais terrível de todos os dilemas mercadológicos: "Segmenta-te, ou te devoro".

Por mais que a opção pela segmentação parece ser sempre a opção mais lógica a se tomar, é inegável que ela limita o público de qualquer artista e reduz o alcance de seu trabalho musical.

Até por isso, optar pela segmentação nunca é uma decisão fácil.

Tanto que, de tempos em tempos, grupos de artistas se rebelam contra os excessos da segmentação de mercado na cena musical, e resolvem dar umas braçadas no sentido contrário, só para ver se chegam a algum lugar.

Nos anos 1970, cantoras de muito sucesso como Linda Ronstadt e Bonnie Raitt abriram o leque de seus repertórios de forma tão extrema que o pessoal da Billboard levava sempre uma surra a cada tentativa de definir de que gênero musical elas eram, afinal.

Mais adiante, no início dos anos 1990, todo o pessoal desalinhado da cena country e da cena roqueira americana resolveu se unir e seguir na contramão desse movimento de segmentação, fazendo valer a nova classificação "Americana" -- uma espécie de rótulo feito sob medida para driblar classificações --, que acolhia tanto gente da cena do roots rock quanto das diversas frentes da country music que não seguiam a cartilha careta de Nashville.

Com essa nova classificação, muitas rádios ampliaram seus perfis de programação, muitos artistas que não conseguiam promover seus trabalhos encontraram canais de divulgação eficazes e ninguém precisou mais perder tempo se justificando porque seu trabalho é assim e não assado naqueles press-releases que quase ninguém lê.

Então, no início dos anos 2000, um fenômeno semelhante aconteceu na cena jazzística.

Primeiro, a jovem pianista e band leader canadense Diana Krall emplacou internacionalmente o LP "When I Look In Your Eyes", onde mesclava vários estilos numa moldura musical de West Coast Jazz, que ela comandava com sua voz pequena, sensual e extremamente envolvente -- que, diga-se de passagem, acabou virando um exemplo a ser seguido por outras canoras e pianistas de jazz.

Em seguida, Norah Jones conseguiu emplacar seu álbum de estréia nos primeiros postos da Billboard, permanecendo por lá durante várias semanas de 2002. "Come Away With Me" foi saudado como o disco crossover por excelência. Muito delicado, mesclando jazz, pop, rock and roll, country e folk em doses homeopáticas, resultando numa coleção de canções sutil e muito bem integrada -- que, claro, também acabou sendo considerada um exemplo a ser seguido por muitos, da cena jazzística ou não.

As cinco artistas do nosso cardápio musical dessa semana souberam tirar proveito dessas mudanças no mercado, tanto que seus trabalhos conseguem atingir admiradores muito distantes dos jazzófilos habituais.

Madeleine Peyroux e Stacey Kent, por exemplo, surgiram e rapidamente se firmaram como estrelas ascendentes nesse mesmo cenário musical, apesar de trabalharem estilos diametralmente opostos.

Diane Schuur e Eliane Elias já eram veteranas, mas mesmo assim aproveitaram a oportunidade e se miraram no sucesso de Diana Krall para ampliar o foco musical de seus trabalhos.

E Tara O'Grady... bem, Tara O'Grady está chegando agora, acaba de lançar seu segundo disco, mas é uma novata que ainda deve dar muito o que falar.

Vamos a elas:




















MADELEINE PEYROUX
STANDING ON THE ROOFTOP
(Decca Records)
Mais cedo ou mais tarde, Madeleine Peyroux iria ter que se livrar do estigma – que lhe serviu muito bem em termos mercadológicos numa etapa inicial de sua carreira – de ser uma espécie de Billie Holiday reencarnada. Os primeiros passos nesse sentido foram dados dois anos atrás, no LP “Bare Bones”, seu primeiro só com composições próprias, produzido pelo baixista e grande arranjador Larry Klein. Agora, com esse novo “Standing On The Rooftop”, o processo de consolida. Sereno e modernoso, com o suporte luxuosíssimo de músicos como o guitarrista Marc Ribot e a baxista Me´Schell Ndegeocello, é um disco precioso, com canções muito intensas e twangs extremamente climáticos nos arranjos de guitarra. Por insistência da Decca Records, Madeleine incluiu no repertório de “Standing On The Rooftop” três covers, mas, curiosamente, nenhum deles lembra Billie Holiday. Sua releitura para “Love In Vain”, de Robert Johnson, é ousada e etérea, e deve deixar alguns puristas do blues bastante irritados. Já “I Threw It All Away”, de Bob Dylan, lembra bastante a gravação original do LP “Nashville Skyline”, só que com um arranjo de guitarras com tonalidades mais abertas. E na faixa de abertura do disco, “Martha My Dear”, de Lennon & McCartney, Madeleine canta num tom mais alto que o habitual, e numa levada mais discursiva, lembrando um pouco Rickie Lee Jones. Gostem ou não, esta é Madeleine Peyroux versão 2011. Toureando bravamente as armadilhas do mercado e se firmando a cada disco como uma artista original.




















TARA O’GRADY

GOOD THINGS COME TO THOSE WHO WAIT
(Merge Records)
Tara O’Grady parece, à primeira vista e à primeira audição, boa demais para ser verdade. Cantora, compositora, dona de uma physique-du-role que lembra Elisabeth Taylor aos vinte e cinco anos de idade, essa novaiorquina de origem irlandesa trafega com pelo jazz, pelo blues, pelo country e pelo folk irlandês com a naturalidade de quem está passeando pelos corredores de um supermercado. “Good Things Come To Those Who Wait” é seu segundo LP, e só não é uma surpresa porque a surpresa ficou a cargo de seu disco de estréia, “Black Irish”, do ano passado, premiadíssimo. Nesse novo trabalho ela arrisca mais composições próprias, que acabam compondo seqüências musicais deliciosas com alguns clássicos escolhidos a dedo, como o tradicionalíssimo spiritual “Trouble In Mind”. Todo gravado em Nashville com sua banda novaiorquina acrescida de alguns músicos locais, “Good Things Come For Those Who Wait” é um triunfo artístico que merece ter conhecido pelo grande público, apesar de vir por um selo bem independente. Imaginem Madeleine Peyroux ligada em 220 Volts e com jeitão de quem acaba de escapar de um musical de Vincent Minelli. Tara O’Grady é mais ou menos isso por aí.




















STACEY KENT

HUSHABYE MOUNTAIN
(Candid Records)
A essa altura do campeonato, todo mundo já conhece bem Stacey Kent. Desde seus primeiros LPs ao lado de seu ex-marido, o saxofonista Jim Tomlinson, vinte anos atrás em Londres, até os recentes elogios rasgados do ator e pianista da jazz Clint Eastwood, a delicadeza da voz de Stacey e seu fraseado incomparável vem ganhando adeptos pelo mundo todo. Nada mal para essa bela novaiorquina de 46 anos que pretendia estudar literatura e teatro, e acabou cursando canto apenas para aprender a modular melhor sua voz. Depois de uma sequência de discos muito bem concebidos e muito bem recebidos pelo público, Stacey traz nesse “Hushabye Mountain” um repertório de lullabyes extremamente climáticos, quase todos adaptados de baladas do Great American Songbook. “Too Darn Hot”, por exemplo, ficou com jeitão de canção infantil. “Thou Swell” virou quase blues. E “It Might As Well Be Spring” finalmente assumiu sua porção bossanovística. Cá entre nós: qual marmanjo não gostaria de dormir com a cabeça no colo de Stacey Kent enquanto ela canta suavemente “All I Do Is Dream Of You”? Desde já, o melhor disco de jazz vocal deste ano. E também o melhor disco de ninar adultos que eu já tive o prazer de escutar.




















DIANE SCHUUR

THE GATHERING
(Welk Records)
Existem cantoras que vagam anos e anos oscilando entre o jazz e o pop sem rumo e sem uma identidade musical bem definida. Diane Schuur é uma delas. Apadrinhada pelo saxofonista Stan Getz nos anos 80, que a apresentou ao mercado como "a nova Dinah Washington", Diane, que também é pianista, foi testada em vários fronts musicais, mas não conseguiu ser superlativa em nenhum deles, e acabou meio escanteada, buscando refúgio em discos mais pop. Mas então, eis que, de repente, ela decide gravar um disco de baladas country de Nashville com o sotaque soul de Memphis e descobre um novo rumo para sua carreira. Verdade seja dita: Diane Schuur pecou muito pelos excessos nos “vocaleses” em seus primeiros discos. Queria soar negra a todo custo. Era irritante. Hoje, ela sabe que menos é mais, e esse recente “The Gathering” é a prova disso. Aqui, ela segue a fórmula clássica de Ray Charles quando gravou aquela série de discos country magníficos para a ABC Paramount. As regras a ser seguidas são muito claras. Nada de excessos vocais, pois as canções já são melosas demais. Nada de exageros nos arranjos, quanto mais serena a interpretação, melhor´. A graça desse tipo de projeto musical consiste justamente em cantar essas canções sem as inflexões vocais comuns a quase todos os cantores country. Pois não é que Diane Schuur tirou tudo isso de letra? Artistas bem maiores que Diane Schuur como Etta James e Irma Thomas já gravaram discos assim, como “The Gathering”. Mas nenhuma delas fez isso de forma tão acertada quanto Diane Schuur acaba de fazer. Um disco surpreendente.




















ELIANE ELIAS
LIGHT MY FIRE
(Concord Records)
Eliane Elias tem um histórico de carreira magnífico. Menina prodígio, saiu de São Paulo para Nova York aos 17 anos e logo se enturmou num time exclusivíssimo de músicos, composto pelos irmãos Michael & Randy Brecker e pelo vibrafonista Mike Mainieri, e participando do grupo instrumental Steps Ahead, que fez muito sucesso nos anos 80. Paralelo a isso, ela gravou discos magníficos, onde se alternava como pianista e cantora, sempre com um repertório cosmopolita e com um forte sotaque musical brasileiro. De uns anos para cá, no entanto, Eliane, por razões de mercado, tem insistido mais em seu trabalho vocal. “Light My Fire” é, certamente, seu melhor disco como cantora até o momento. Sua voz suave, delicada, permite scats em tom menor extremamente climáticos. Seus dois duetos com Gilberto Gil – “Aquele Abraço” e “Toda Menina Baiana” – soam perfeitos, pois equilibram bem as atuais limitações vocais de Gil com a voz smooth de Eliane. Sua versão do clássico dos Doors, “Light My Fire”, lenta e climática, soa tão original e bem resolvida que nem parece uma canção que já recebeu tantas regravações. E sua releitura bossanovística para “My Cherie Amour” revela uma delicadeza e um requinte melódico que, definitivamente, não existiam nos planos originais do autor Stevie Wonder. Além de tudas as qualidades de "Light My Fire", é uma surpresa muito agradável ver Eliane Elias, que sempre foi uma mulher muito bonita, não tendo medo de esbanjar sensualidade depois anos e anos brigando para ser levada a sério. You Go, Girl!

DISCOGRAFIAS

LPs MADELEINE PEYROUX
Dreamland (1996)
Careless Love (2004)
Half The Perfect World (2006)
Bare Bones (2009)
Standing On The Rooftop (2011)

LPs TARA O'GRADY
Black Irish (2010)
Good Things Come To Those Who Wait (2011)

LPs STACEY KENT
Love Is The Tender Trap (1999)
Let Yourself Go: Celebrating Fred Astaire (2000)
Dreamsville (2001)
In Love Again (2002)
Tender Trap (2002)
Christmas Song (2003)
The Boy Next Door (2003)
Shall We Dance (2004)
The Lyric (2006)
Breakfast On The Morning Tram (2007)
Raconte-Moi (2010)
Hushabye Mountain (2011)

LPs DIANE SCHUUR
Deedles (1985)
Schuur Thing (1985)
Timeless (1986)
Talkin' About You (1988)
Pure Schuur (1991)
In Tribute (1992)
Love Songs (1993)
Heart To Heart ('1994)
Love Walked In (1995)
Blues For Schuur (1997)
Music Is My Life (1999)
Friends For Schurr (2000)
Swingin' Schuur (2011)
Swingin' For Schuur (2001)
Midnight (2003)
Schuur Fire (2004)
Live In London (2005)
Some Other Time (2008)
The Gathering (2011)

LPs ELIANE ELIAS
Amanda (1986)
So Far So Close (188)
Crosscurrents (1989)
Eliane Elias Plays Jobim (1989)
A Long Story (1991)
Illusions (1991)
Fantasia (1992)
Paulistana (1993)
Solos & Duets (1994)
The Three Americas (1996)
Eliane Elias Sings Jobim (1998)
Everything I Love (2000)
Kissed By Nature (2002)
Winds Is Like Jobim (2004)
Dreamer (2004)
When You Wish Upon A Star (2006)
Around The City (2006)
Eliane Elias Sings & Plays Bill Evans (2008)
Bossa Nova Stories (2008)
Light My Fire (2011)

PORTA-RETRATOS

“Não acho que meu público seja conservador. Acho importante estar sempre experimentando idéias novas e trazendo novas facetas da minha personalidade musical nos discos que gravo e nos shows que faço". (Madeleine Peyroux)

“Sou fascinada por Audrey Hepburn. Adotei esse visual em homenagem a ela. Gosto de subir ao palco nesses vestidos maravilhosos, e com esses penteados de época." (Tara O'Grady)

“Resisiti muito à idéia de me tornar cidadã inglesa. Não queria ficar presa a lugar algum. Londres era minha base porque era conveniente morar lá -- além do mais, era fácil sair de lá e chegar rapidamente a qualquer ponto da Europa. Mas fui ficando na cidade e não teve jeito: acabei me apaixonando, e hoje me sinto mais londrina que novaiorquina." (Stacey Kent)

“Quando criança ouvia muito Doris Day e Nat King Cole, pois minha mãe adorava os dois. Então um dia escutei Miles Davis e John Coltrane e a partir daí tudo mudou para mim." (Diane Schuur)

“Comecei a tocar piano aos 7 anos, aos 11 já estava familiarizada com todos os standards de jazz, aos 13 fui admitida na Escola de Música mais prestigiada do Brasil, e aos 15 já estava formada e lecionando." (Eliane Elias)

“Continuo sendo a mesma cantora que eu era quando adolescente, sempre crescendo com a música, venha ela de onde vier." (Madeleine Peyroux)

“A idéia de gravar Trouble In Mind vem da minha admiração incondicional por Nina Simone. Acho que essa música, que foi gravada por tanta gente, no fundo no fundo pertence a ela". (Tara O'Grady)

“Eu me sinto tão próxima da música de James Taylor, Carole King e do Crosby Stills Nash & Young quanto de Ella Fitzgerald e Carmen McRae. Minha postura musical é absolutamente eclética" (Stacey Kent)

“Minha maior influência é Dinah Washington. Adoro aquele jeito classudo de cantar dela." (Diane Schuur)

“Me apaixonei pela música muito cedo, e o fato de vir de uma família musical facilitou bastante o meu desenvolvimento como pianista. Tudo o mais eu credito ao acaso e à sorte.” (Eliane Elias)

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MICK JAGGER, 68 (Videocrônica para o Jornal da Orla - Agosto 4, 2011)

sexta-feira, agosto 05, 2011

DO CONFORTO DA CENA MAINSTREAM ÀS TRINCHEIRAS MUSICAIS DA AMÉRICA (por Chico Marques)

A cada ano que passa, a crise da Indústria Fonográfica "promove" mais e mais artistas da cena mainstream para a cena musical independente.

Para quem não é do meio musical, isso equivale a ser rebaixado para a Segunda Divisão em um Campeonato de Futebol.

Artistas com maior jogo de cintura preferem encarar essa mudança como um rito de passagem. Como uma chance ficar mais próximos do seu público. Mas muitos deles se sentem abandonados e perdem o rumo de suas carreiras. Às vezes até mudam de ramo.

No entanto, não é justo pintar a Indústria Fonográfica como única vilã dessa história. Ela apenas esqueceu de se preparar para tempos bicudos como os atuais, canibalizou as "medias" físicas de que dispunha e sucumbiu pouco a pouco depois que os arquivos musicais começaram a passear livres, leves e soltos pela internet.

Bem ou mal, a Indústria sempre ofereceu a seus artistas um padrão de trabalho invejável, com adiantamentos sobre vendas futuras, financiamentos para produções, etc, etc, etc. Um disco que eventualmente vendesse pouco podia ser compensado com um outro disco, mais acessível ao grande público, no ano seguinte. E daí por diante.

Ou seja: a Indústria Fonográfica sempre tentou ser parceira do artista, tanto no sucesso quanto no fiasco.

Algumas vezes, até conseguiu.

O problema é que ser independente é muito trabalhoso. Exige, entre outras coisas, que o artista se estruture de forma minuciosa antes de colocar seu disco no mercado por conta própria. Ele não tem mais a opção de não ligar muito para os negócios, nem de errar o timing do lançamento do disco, e muito menos de se atrapalhar ao longo do processo. Qualquer pequeno erro de cálculo pode desencadear um desastre de proporções terríveis.

Que o digam John Hiatt e Matthew Sweet, que sempre pertenceram à cena mainstream, mas agora gravam para selos pequenos por contingências de mercado, mantendo o controle criativo e orçamentário de seus trabalhos.

Que o digam também Randall Bramblett e Richard Buckner, que sempre viveram inseridos na cena mainstream indiretamente, por envolvimento com outros artistas. Eles agora gravam para selos independentes por opção, apostando sempre no “menos é mais” e no "não se meta no que estou fazendo".

Além desses quatro grandes artistas -- que não desistem jamais, e chegam agora com novos discos vigorosos --, temos também no cardápio dessa semana de Alto&Claro o ator hollywoodiano Jeff Bridges, que acaba de se reinventar artisticamente como cantor, guitarrista e compositor num disco alt country surpreendente, para a Blue Note Records.

Vamos a eles:


















JOHN HIATT

DIRTY JEANS & MUDSLIDE HYMNS
(New West Records)
John Hiatt é um dos grandes compositores americanos vivos. Bob Dylan, Neil Young, Paul Simon, Randy Newman e ele mereciam estar esculpidos numa espécie de Monte Rushmore. Este é seu vigésimo álbum em 37 anos como artista solo. Hiatt é dono de uma carreira riquíssima, que passou por inúmeros altos e baixos até que ele encontrasse o Norte no hoje clássico LP “Bring The Family”, de 1987 -- onde dividiu a cena com seus amigos Ry Cooder, Nick Lowe e Jim Keltner pela primeira vez. De lá para cá, vem gravando discos impecáveis, tanto para gravadoras grandes quanto para selos menores. “Dirty Jeans & Mudlide Hymns”, que acaba de sair do forno, não foge à regra. É mais uma bela coleção de canções, que alterna rocks fulminantes (“Damn This Town”, “Detroit Made”), baladas country delicadíssimas (“Til I Get My Lovin' Back”, “Adios To Califórnia”) e números com um leve toque soul (“I Love That Girl”, “I Don´t Wanna Leave You Now”). Alguns críticos torceram o nariz para a produção de Kevin Shirley, alegando que essas canções, por serem muito intensas, mereciam um approach mais contundente da parte dele. Eu, pessoalmente, não vejo nada de inadequado no tom sereno do disco. Para alguém que já cometeu muitas ousadias ao longo de sua carreira, John Hiatt tem todo o direito de apostar agora num público mais amplo para seu trabalho, até porque seu conjunto de obra é vigoroso demais para ser privilégio apenas de alguns iniciados. E por falar em vigor, o número de encerramento do disco, “When New York Had Her Heart Broke”, sobre o 11 de Setembro, é uma pequena obra prima do folk urbano, que reafirma John Hiatt como um compositor de primeira grandeza. “Dirty Jeans & Mudslide Hymns” serve para atestar isso mais uma vez.


















MATTHEW SWEET
MODERN ART
(Missing Piece Records)
Há exatos 20 anos, Matthew Sweet sacodia a cena musical com “Girlfriend”, um LP brilhante onde mesclava o power pop clássico do Badfinger e do Big Star com as guitarras dissonantes dos discípulos do Velvet Underground Richard Hell e Richard Quine. O resultado foi tão expressivo que, além de fazer de “Girlfriend” um dos 10 discos mais influentes da década de 1990, virou um “hard act to follow” para Matthew Sweet. Seus discos seguintes, por melhores que fossem, acabavam sempre ofuscados quando comparados à excelência de “Girlfriend”. É pouco provável que “Modern Art” consiga reverter esse quadro, apesar de ser, na minha opinião, seu melhor disco desde “In Reverse”, de 1999. Aqui, Matthew passeia por diversas sonoridades familiares em uma ótima coleção de canções novas – algumas bem grudentas, outras mais climáticas. Tem um pouco de tudo or aqui: blues (“Ladyfingers”), harmonias vocais à moda dos Byrds (“She Walks The Night”) e até uma homenagem muito inspirada, com um belíssimo trabalho de guitarra, a seu mentor Alex Chilton, falecido dois anos atrás (“A Little Death”). É um disco extremamente coeso e consistente, que ressalta mais uma vez o amadurecimento musical de Matthew Sweet como compositor, performer e band leader. “Modern Art” pode não tem o frescor quase juvenil de “Girlfriend”, mas vale por uma balzaquiana bem sarada. Um disco apetitoso e sem contra indicações.




















RICHARD BUCKNER
OUR BLOOD
(Merge Records)
Sejam bem vindos à primeira coleção de canções de Richard Buckner em seis anos. Aconteceu de tudo ao longo da gravação desse disco: primeiro um problema grave com o equipamento analógico em que Buckner gravou as bases, depois o roubo do laptop com as canções ainda não masterizadas, e, para completar, um indiciamento por suspeita de assassinato (que acabou dando em nada) pela polícia da cidadezinha onde mora, perto de Buffalo, NY. As encrencas parecem perseguir Richard Buckner. Seu universo sombrio resiste bravamente ao passar dos anos, sempre em flerte aberto com o trágico e o sublime. Os títulos das canções são curtos e grossos: “Traitor”, “Confession”, “Thief”, “Escape”, ‘Witness”. Como de hábito, Buckner toca todos os instrumentos, exceto o pedal steel (a cargo de Buddy Cage) e as maracas (por Steve Shelley, do Sonic Youth). Não há muito mais o que dizer, a não ser que “Our Blood” é um trabalho muito intenso e consistente, mas não deve conseguir ampliar o espectro de público de Richard Buckner. Seus velhos admiradores, no entanto, devem estar muito satisfeitos com seu retorno. Mas não felizes. Felicidade, definitivamente, é um tema inimaginável para o soturno Richard Buckner -- o Raymond Carver do rock and roll.




















RANDALL BRAMBLETT

THE MEANTIME
(New West Records)
Randall Bramblett é um dos artistas americanos mais completos dos últimos 35 anos. Músico de estúdio disputadíssimo, guitarrista, tecladista, saxofonista, compositor de mão cheia, dono de uma bela voz... são tantos os seus atributos que fica difícil entender o porquê de sua carreira solo ainda não ter decolado. O caso é que Randall não aparenta estar muito disposto a fazer concessões ao mercado -- apesar de seu trabalho estar longe de ser considerado “difícil”. Seus dois belos LPs solo gravados em meados dos anos 70 foram fiascos de vendas, mas forneceram as credenciais necessárias para que, entre uma sessão de estúdio e outra, ele fosse convidado para integrar bandas do porte do Sea Level e do Traffic, além de participar de jams com os Allman Brothers e o Grateful Dead. Sua carreira solo hibernou quase vinte anos, mas foi retomada em 2001 numa série impecável de discos para a New West Records, onde desfila seu blend de jazz, blues e pop classudo em canções delicadas, porém intensas, que fazem bonito no repertório de qualquer cantor ou cantora da cena atual. Nesse novo trabalho ele optou por comandar tudo no piano com o suporte do baixista Chris Englauser e do baterista Gerry Hansen, mais Amy Carlson no violino e na viola clássica. O resultado é extremamente climático, num padrão semelhante ao do trabalho atual de Ronnie Robertson, ex-The Band, que ganha uma dimensão de grande arte em números como “The Great Scheme Of Things” e “Disconnected”, ambos magníficos. Quer conhecer um grande artista, do mesmo porte de Donald Fagen e Bruce Hornsby? Anote aí, o nome dele é Randall Bramblett.




















JEFF BRIDGES
JEFF BRIDGES
(Blue Note Records)
Quem viu (e aprovou) Jeff Bridges interpretando o cantor country texano Bad Blake no filme “Crazy Heart”, e cantando canções de seu amigo e produtor T-Bone Burnett, com certeza vai vibrar com isso aqui. Apesar da Imprensa Musical estar saudando esse LP como o trabalho de estréia de Jeff Bridges, é na verdade seu terceiro disco – existe um outro gravado em 2000, não tão bom quanto este, que passou despercebido na época, além, é claro, da trilha sonora de “Crazy Heart”. A orientação musical desse álbum, no entanto, não segue a cartilha musical de cantores-compositores como Townes Van Zandt e Kris Kristofferson, como em “Crazy Heart”. Aqui as referências são mais roqueiras, e as canções mais encorpadas e sombrias. Jeff Bridges viaja bem num repertório parte autoral, parte escolhido por T-Bone Burnett, que chuta para vários lados, e tanto nos remete aos Everly Brothers (“What A Little Bit Of Love Can Do”) quanto ao Eric Clapton mais baladeiro (“Nothing Yet”) e ao country rasgado de Hank Williams Jr. (“How I Missed The Point”). É um disco admirável e muito envolvente, onde a voz pequena de Bridges passeia com segurança por uma paisagem musical esboçada sob medida para ele. É comum atores enveredarem por carreiras musicais por mera vaidade, ou então apenas para faturar uns trocados a mais. Não é o caso de Jeff Bridges. Sua carreira musical não só funciona, como é de uma dignidade artística à toda prova.

DISCOGRAFIAS

LPs JOHN HIATT
Hangin’ Around the Observatory (1974)
Overcoats (1975)
Slug Line (1979)
Tow Bit Monsters (1980)
All Of A Sudden (1982)
Riding With The King (1983)
Warming Up The Ice Age (1985)
Bring The Family (1987)
Slow Turning (1988)
Stolen Moments (1990)
Perfectly Good Guitar (1993)
Live At Budokan (1994)
Walk On (1995)
Little Head (1997)
Crossing Muddy Waters (2000)
The Tiki Bar Is Open (2001)
Beneath This Gruff Exterior (2003)
Master Of Disaster (2005)
Live From Austin TX (2006)
Same Old Man (2008)
The Open Road (2010)
Dirty Jeans & Mudslide Hymns (2011)

LPs MATTHEW SWEET
Inside (1986)
Earth (1989)
Girlfriend (1991)
Altered Beast (1993)
100% Fun (1995)
Blue Sky On Mars (1997)
In Reverse (1999)
Kimi Ga Suki (2001)
The Thorns (2003)
Living Things (2004)
Under The Covers Vol.1 (2006)
Sunshine Lies (2008)
Under The Covers Vol.2 (2009)
Modern Art (2011)

LPs RICHARD BUCKNER
Bloomed (1994)
Unreleased (1995)
Devotion + Doubt (1997)
Since (1998)
Richard Buckner (2000)
The Hill (2000)
Impasse (2002)
Dents & Shells (2004)
Sir Dark Invader vs The Fanglord (2005)
Meadow (2006)
Our Blood (2011)

LPs RANDALL BRAMBLETT
That Other Mile (1975)
Light Of The Night (1976)
See Through Me (1998)
Thin Places (2004)
Rich Someday (2006)
Now It's Tomorrow (2008)
The Meantime (2011)

LPs JEFF BRIDGES
Be Here Soon (2000)
Crazy Heart OST (2009)
Jeff Bridges (2011)


PORTA-RETRATOS

“Normalmente, não costumo compor quando estou na estrada. Fico muito tenso, são muitas preocupações para que nada dê errado, e é complicado ser criativo em momentos assim. Gosto mesmo é de compor relaxado em casa. Mas, de vez em quando, o songwriting angel me visita durante uma tournée e aí não tem jeito.” (John Hiatt)

“As canções do meu disco anterior foram compostas muito rapidamente. Levei mais tempo para gravá-las do que para compô-las. Já nesse disco novo aconteceu o oposto. Cada disco que fiz tem uma história própria. São padrões que nunca se repetem. (Matthew Sweet)

“Steve Earle, Kelly Willis e eu tivemos momentos terríveis na MCA Records. Aquilo lá é um verdadeiro depósito de idiotas com funções executivas. Que ironia: foi a única gravadora grande que me quis, e é a última no mundo com a qual desejo trabalhar no futuro.” (Richard Buckner)

“Às vezes dou Graças a Deus por não vender muitos discos. Assim, a gravadora não se mete no processo criativo e me deixa fazer o que quero. Quando trabalhava ao lado de Steve Winwood, eu via a pressão em torno dele para repetir o sucesso do disco anterior. Nunca quis passar por aquele sufoco. É muito desagradável. (Randall Bramblett)

“Estou com 61 anos. Não consigo imaginar uma idade melhor do que essa para iniciar uma nova carreira” (Jeff Bridges)

“Dois caras que me agradam muito na cena atual?
Ron Sexsmith e Jay Farrar (do grupo Son Volt).
Duas mulheres? P J Harvey e Liz Phair.
(John Hiatt)


“Essa coisa de ser um artista totalmente independente ainda me assusta um pouco. Dá uma sensação de desamparo. Fico com medo de não conseguir faturar o suficiente para conseguir bancar a hipoteca da minha casa, em Los Angeles, ou de arcar sozinho com um disco que venha a ser fiasco de vendas. Mas, apesar de todas essas pequenas fobias, até que estou me saindo bem, não posso reclamar. (Matthew Sweet)

“Meus álbuns quase sempre atraem confusões, e demoram para ficar prontos. Verdade seja dita: eu não sou uma pessoa fácil de se lidar. Mas sempre sei onde quero chegar. Só me atrapalho um pouco no como chegar” (Richard Buckner)

“Gosto de trabalhar na Geórgia, onde morei quase minha vida inteira. Já tentei viver em Los Angeles e em Nova York. Não me acertei nesses lugares. Tentei morar em Nashville e quase enlouqueci. Meu lugar é em Atlanta, mesmo. (Randall Bramblett)

“Se alguma idéia maluca fica parada na minha cabeça por algum tempo, não tem jeito: tenho que colocá-la em prática de alguma maneira. Foi assim com esse disco. Por sorte, tive o apoio integral de T-Bone Burnett nessa empreitada.” (Jeff Bridges)


AMOSTRAS GRÁTIS
JOHN HIATT


AMOSTRAS GRÁTIS
MATTHEW SWEET




AMOSTRAS GRÁTIS
RICHARD BUCKNER



AMOSTRAS GRÁTIS
RANDALL BRAMBLETT



AMOSTRAS GRÁTIS
JEFF BRIDGES