quarta-feira, julho 29, 2015

O WILCO FAZ UMA ESPÉCIE DE AÇÃO DE GRAÇAS COM "STAR WARS", DISTRIBUÍDO GRATUITAMENTE PELA WEB.

por Chico Marques


Existem artistas que, quando esboçam carreiras solo paralelas ao trabalho das bandas de que fazem parte, fazem questão de seguir rotas diametralmente opostas, para evitar que seus trabalhos solo se confundam com os discos de carreira de suas bandas.

Mas também tem aqueles artistas que usam suas carreiras solo para mostrar que podem passar muito bem sem suas bandas.

Jeff Tweedy não se enquadra em nenhuma dessas duas categorias.

Quase todos os álbuns solo que gravou até agora foram tão idiossincráticos que nem chegam a configurar uma carreira solo.

O último deles, "Sukierae", gravado ano passado com seu filho Spencer, de 16 anos, foi o mais próximo que ele chegou de um verdadeiro álbum solo -- e mesmo assim, parecia mais um desfile de ótimas canções em demos bem despojadas e bem sucintas para um eventual novo disco do Wilco.

E foi, sem dúvida, um dos melhores e mais inusitados discos de 2014.
Pois bem: o novo álbum do Wilco, "Star Wars", parece uma consequência direta de "Sukierae".

Pela primeira vez, a maioria das canções de um disco do Wilco  tem como ponto de partida a vida familiar de Jeff Tweedy -- lembrando que "Sukierae" foi gravado enquanto sua mulher lutava contra um tipo raro de cancer, e agora, finalmente curada, ela serve de musa para a produção mais recente de canções de Jeff para a banda.

E também, pela primeira vez, o Wilco -- que em outras épocas teve problemas sérios com gravadoras que conspiraram abertamente para evitar o lançamento alguns de seus discos, como o hoje clássico "Yankee Hotel Foxtrot" -- resolveu não submeter seu novo trabalho a uma gravadora e preferiu lançá-lo gratuitamente na web através do website da banda. 

O motivo disso? 

Segundo Jeff Tweedy, "achamos que seria mais divertido assim". 

O que não impede do disco eventualmente aparecer à venda em breve nas lojas em edições para colecionadores.  
Na verdade, "Star Wars" foi lançado gratuitamente para celebrar os 20 anos da banda e, de quebra, promover a atual tournée americana do Wilco.

Mas também para agradecer a todos pela corrente positiva formada entre os fãs da banda durante a batalha contra o cancer travada pela mulher de Jeff Tweedy. 

Isso explica o nome do disco -- lembram de "Que a Força Esteja com Você"? -- e também a capa bem feminina, com uma pintura de um gatinho branco bem peludo e simpático.

"Star Wars" é um disco surpreendente pela brevidade. 

Tem apenas 33 minutos de duração, e nenhuma das canções avança além de 4 minutos. 

Além do mais, reúne um pouco de cada um dos 9 discos da banda, todos muito diferentes entre si. 

E, mesmo assim, mostra a banda tocando solto, buscando climas musicais inusitados e soando mais palatável ao gosto do grande público do que jamais soou antes. 

É tão coeso que fica até difícil escolher entre as canções que o compoem -- estão todas tão integradas e bem encadeadas que nem faz sentido destacá-las do conjunto.
O mais curioso de tudo é que, comercialmente falando, "Star Wars" poderia ter uma carreira interessante nas lojas. 

O que prova que, definitivamente, o Wilco não está nessa brincadeira pelo dinheiro. 

Aliás, nunca esteve. O Wilco é "fominha" no palco, adora fazer shows longos, e não nega fogo em tournées. Sentem-se perfeitamente bem na estrada.

Além do mais, o Wilco encara sua produção fonográfica como "souvenirs" para os frequentadores de seus shows. 

Até por isso, seus integrantes exigem liberdade criativa total na produção de seus discos e não aceitam qualquer tipo de interferência de qualquer gravadora em seu processo artístico.
O Wilco existe há vinte anos. 

Surgiu de uma desavença entre os guitarristas Jay Farrar e Jeff Tweedy, ambos do grupo alt-country Uncle Tupelo. 

Farrar queria que a banda tivesse uma identidade mais country-rock, seguindo a cartilha dos Byrds e dos Flying Burrito Brothers. 

Já Jeff Tweedy queria que a banda tivesse uma atitude mais experimental e não assumisse posições muito definidas, para ficar livre para experimentar à vontade e se renovar artisticamente com frequência.

Não houve acordo entre eles. 

E então, o Uncle Tupelo partiu em dois: Jay Farrar montou o Son Volt e Jeff Tweedy o Wilco. 

Deixou de ser uma grande banda indie para gerar duas das bandas mais influentes e vitais das duas últimas décadas. 

No caso específico do Wilco, virou uma banda que flerta abertamente com o mainstream sem jamais perder de vista suas raízes indie, nem se render ao classic rock adulto contemporâneo.

Com 20 anos nas costas, o Wilco se recusa a "amadurecer" em seus discos, com medo de firar previsível e perder sua identidade musical.

Daí, prefere circular em torno dos mesmos temas indefinidamente, repetindo -- com um approach bem original, diga-se de passagem -- um truque estilístico que aprenderam com outras bandas como o Grateful Dead e o Phish.

Sabem o que fazem. 

E fazem muito bem. 

São 10 álbuns de estúdio em 20 anos de carreira até agora, mais sabe-se lá quantos gravados ao vivo. 

Todos brilhantes. Todos impecáveis. Todos exuberantes. Como o gatinho da capa de "Star Wars"

 Que a Força esteja com Jeff Tweedy e seus comparsas!


AMOSTRA GRÁTIS




quinta-feira, julho 23, 2015

RICKIE LEE JONES ACERTA AS CONTAS COM O PASSADO EM "THE OTHER SIDE OF DESIRE"


Quando Rickie Lee Jones surgiu, bem no finalzinho do Segundo Tempo da década de 70, foi um acontecimento e tanto no meio musical americano. 

A Indústria Fonográfica anunciava o ocaso da Era dos Cantores-Compositores -- que Elvis Costello maldosamente chamava de "The Fuck-Me-I'm-So-Sensitive School Of Songwriting" -- em que artistas homens como Jackson Browne, James Taylor, John-David Souther, Gram Parsons, Eric Kaz e Jack Tempchin, entre outros, brilharam intensamente na Cena de Los Angeles, ofuscando Carole King, Carly Simon, Karla Bonoff, Wendy Waldman, Valerie Carter...

Foi uma época estranha, em que surgia uma nova cantora a cada semana no mercado musical. Essas cantoras, curiosamente, preferiam se abastecer de canções de compositores do que de compositoras. Uma olhada rápida nos "fornecedores" de Linda Ronstadt, Bonnie Raitt e Emmylou Harris já deixa isso bem claro. O tom era o do "bittersweet", que acabou virando nomenclatura para a música produzida na época, como se fosse uma espécie de ressaca do Sunshine Pop da segunda metade dos Anos 60.
Rickie Lee Jones chegou atropelando tudo isso. E chegou forte, abençoada pela então dupla de produtores Lenny Waronker e Russ Titelman, que davam as cartas no Departamento Artístico da Warner Bros Records, e que não mediram esforços para rechear seu disco de estréia com a nata da nata da cena musical americana sob contrato com a gravadora. 

Suas credenciais pareciam meio duvidosas, já que ela era namorada de Tom Waits na época -- e ninguém jamais namora com Tom Waits impunemente. Mas bastou seu disco chegar às lojas em 1979 e as pessoas começarem a prestar atenção no que havia naqueles sulcos para ficar claro que desde Joni Mitchell e Laura Nyro não se via uma cantora-compositora tão talentosa e tão original.

Em suas canções, Rickie Lee Jones alternava um jeitão bem moleque de rua com uma femininidade cheia de atitude, uma combinação que nenhuma compositora havia tentado antes. Em números suingados como "Chuck E's In Love", "Weasel and The White Boys Cool", "Danny's All-Star Joint", "Easy Money" e "Coolsville", ela sempre se coloca como "um dos rapazes", em aventuras com apelo literário beat fortíssimo. Já nas baladas ela alterna uma melancolia intensa -- "Company", "On Saturday Afternoons in 1963" -- com um instinto de fêmea avassalador na road-song feminina definitiva "The Last Chance Texaco" -- com metáforas sexuais tão truculentas que Emmylou Harris adorou mas não teve coragem de gravar na época -- ou na intensa "Night Train".
Então, em 1981, no lançamento do segundo disco, "Pirates", quando todos imaginavam que Rickie Lee não iria ter fôlego artístico para repetir a dose do disco de estréia, eis que ela surpreende com um disco melhor e mais intenso ainda que o primeiro: mais focado nas relações amorosas, menos moleque, além de musicalmente mais coeso, já que conta com uma mesma banda, comandada por seu marido, o guitarrista Sal Bernardi, em todas as faixas. 

As duas canções que abrem o disco -- "We Belong Together" e "Living It Up" -- são crônicas bem dramáticas de amores boêmios, e mesclam elementos de toda a tradição literária, cinematográfica e musical das artes americanas, com resultados magníficos. A seguir, vem 'Skeletons", uma pequena obra-prima pop que conta a história trágica de Bird, um cara do bem que é morto acidentalmente pela polícia enquanto leva a mulher grávida para o Hospital em alta velocidade. Uma canção lindíssima. Triste ao extremo. Tudo isso remete ao mesmo universo temático de Tom Waits. Mas, visto pela ótica de uma mulher, esse universo temático fica ainda maior e mais interessante.

E então, no terceiro disco, "Magazine" (1984), Rickie Lee volta com uma musicalidade mais "slick", sem a dramaticidade de "Pirates", e surpreende mais uma vez com uma nova sequência de grandes canções. Para então, em seu quarto disco, "Flying Cowboys", embarcar numa aventura musical bem mais complexa, com o suporte do amigo Walter Becker, do Steely Dan. 

Desde então, seus discos com material próprio começaram a ficar mais e mais experimentais, com flertes abertos com música eletrônica e temas pouco comuns a seu universo musical. Ficaram mais cerebrais, e perderam o frescor moleque que Rickie Lee ostentava em seu início de carreira. Para manter o interesse das gravadoras por onde passou, ela tratou de alternar seus discos de inéditas com discos de covers que tinham apelo mais imediato perante seu público. 

Só que cinco anos atrás, ele teve que enfrentar a dura realidade: estava diante de um beco sem saída artístico. 

Não conseguia mais compor. 

Não sabia que rumo dar a sua carreira. 

E, pior de tudo, não sabia como voltar ao que era antes..  
"The Other Side Of Desire" (um lançamento Thirty Tigers) é seu primeiro disco de inéditas em seis anos, e o primeiro desde que mudou de mala e cuia para New Orleans em 2012. Essa mudança foi providencial, pois, na tentativa de absorver um pouco da musicalidade e da herança cultural da cidade, Rickie Lee reencontrou consigo própria, num repertório novo repleto de canções delicadas e extremamente melodiosas inspiradas em sua filha, que já é uma mulher, e em seu falecido pai, com quem ela tinha uma relação meio atrapalhada. 

Não são canções confessionais. Longe disso. São exercícios de imaginação livre, sem as pretenções literárias de seu trabalho anterior, "Balm Of Gilead", mas nem por isso menos densos. Sua aparente leveza é mais um disfarce que qualquer outra coisa.

Um detalhe interessante em "The Other Side of Desire" é que ela voltou a trabalhar com uma banda de verdade, deixando samplers e drum loops um pouco de lado. Muito da leveza musical do disco é consequência direta disso. Com Doug Belote na bateria e Lenny Castro na percussão, mais o baixo acústico de James Singleton, tanto o Hammond B3 de Jon Cleary quanto o piano Wurlitzer de David Torkanowsky ganham relevo todo especial nos arranjos, promovendo molduras adequadíssimas para essas canções. 

Não deixa de ser curioso Rickie Lee Jones conseguir reaver todo o frescor musical que marcou seu início de carreira, devidamente amadurecido pelo tempo, justo agora que acaba de comemorar 60 anos de idade. 

Sintomaticamente, ela parece hoje mais jovial do que nos últimos 25 anos.
O título do disco "The Other Side Of Desire" remete diretamente a "Christmas In New Orleans", uma das canções do disco, em que Rickie Lee convoca, à moda de Charles Dickens, os fantasmas de sua vida para que se reúnam ao redor de uma lareira para esquentar as mãos e usufruir do calor que emana "do outro lado do desejo".

Desnecessário lembrar que Desire é também o nome de um bairro de New Orleans, onde se passa a famosa peça de Tennessee Williams, cuja personagem principal, Blanche Dubois, parece passear por várias faixas desse novo disco de Rickie Lee Jones.

Sendo assim, sejam bem-vindos ao outro lado do desejo em companhia dessa anfitriã adorável que, aos sessenta anos de idade, continua com a mesma cara de menina levada.

Rickie Lee, voce é irresistível.
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