Todo mundo sabe -- está na Bíblia -- que, quando Deus criou Adão, Ele percebeu que Sua criação ali, sozinha, fora de qualquer contexto, não servia para grande coisa. Então, criou a mulher.
O nome da primeira mulher era Lilith. De personalidade forte, não se conformava em ter que ser subserviente a Adão e odiava ficar passeando pelada pelo Éden o dia inteiro sem ter absolutamente nada para fazer.
Lilith queria poder discutir sua relação com Adão, mas era imviável -- ele não queria de jeito nenhum. Na época, ainda não existia Terapia de Casais, e Deus era Intransigente e Tempestuoso demais para funcionar como Conselheiro. Adão era um horror. Cutruco como ele só, não dava a mínima para as reclamações de Lilith. Não se dava ao trabalho de discutir com ela, nem mesmo de discordar dela.
E então, um belo dia, cansada de ficar sempre por baixo sempre que pintava um rala e rola entre os dois -- outra de suas reclamações --, Lilith surtou e picou a mula dos Jardins do Éden. Deus, furioso, enviou 3 anjos meio bocós para seguí-la e trazê-la de volta. Pois não é que a danada da Lilith seduziu os três, fez deles anjos caídos, e os obrigou a viver na Terra a seu inteiro dispor, infernizando diariamente a vida de Adão e de sua nova mulher: uma criatura nada fogosa e totalmente desprovida de opiniões próprias chamada Eva...
Quase todas as referências a Lilith que existiam no texto original do Velho Testamento foram removidas durante o Concílio de Trento, por volta de 1560. Uma única referência escapou na revisão. Mas mesmo assim, Lilith sobreviveu no folclore de muitos povos, quase sempre associada às forças da natureza.
Na Babilônia, Lilith era uma Deusa da Noite, simbolizada pela Lua, muito querida pelo povo.
Para o povo hebreu, Lilith era uma parideira desenfreada que dava a luz diariamente a 300 crianças, além de ser também uma insaciável devoradora de homens, tão sedutora quanto castradora.
Para o Catolicismo da Idade Média, Lilith ganhou forma de serpente e de dragão, e simbolizava o mal.
Já na Mitologia Grega, ela é Hécate, uma demônia sedutora que guarda os Portões do Inferno e chega sempre montada num enorme cão de 3 cabeças.
E por aí vai...
O motivo de estar falando tanto disso aqui nesse texto sobre música é que, em meados dos anos 90, Lilith virou a inspiração para uma virada de mesa sensacional no showbiz pop americano -- que até então julgava “inadequado” uma atração feminina abrisse um show para outra atração feminina.
Quem iniciou o levante foi a cantora e compositora canadense Sarah McLachlan, que, no auge de sua popularidade, passou a exigir a contratação de artistas do sexo feminino para os promotores de suas tournées.
Como muitos se negaram a atendê-la, ela criou o Lilith Fair, um festival musical itinerante só com cantoras e compositoras que abrigava várias tendências musicais, e que foi um grande sucesso durante 3 ou 4 anos -- tempo suficiente para o showbiz rever alguns conceitos duvidosos e abrir mercado para muitas artistas do sexo feminino que estavam aguardando ansiosamente na fila por um lugar ao Sol.
As artistas de que vamos falar hoje ou são herdeiras diretas do legado do Lilith Fair -- Joan Wasser, Shannon McNally e Brandi Carlile --, ou tiveram suas carreiras revitalizadas graças ao poder de fogo do festival -- o caso de Sam Philips e Eliza Gilkyson.
Todas as cinco vieram dos quatro cantos da América, e são mulheres lindas, brigonas, admiráveis, extremamente talentosas e totalmente diferentes umas das outras.
O único traço que elas tem em comum é serem mulheres do tipo que Deus e Adão jamais aprovariam.
ELIZA GiLKYSON
ROSES AT THE END OF TIME
Em seu filme “One Trick Pony”, de 1981, o cantor e compositor Paul Simon mostra a vida nada fácil de um artista veterano que está há muito tempo fora do foco da imprensa, mas, mesmo assim, nunca desiste de seguir estrada afora levando sua música para quem quiser ouvi-la. A longa carrera de Eliza Gilkyson tem um perfil semelhante. Aos 61 anos de idade, essa californiana razoavelmente bem conhecida na cena folk – mais como compositora do que como cantora --, se ressentia por nunca ter conseguido dar um passo muito além desse meio. De 2001 para cá, no entanto – desde que firmou base em Austin, TX, e passou a usar os serviços de seu filho Cisco como produtor --, o trabalho de Eliza Gilkyson começou a chamar a atenção de um público mais amplo e mais jovem. Em conseqüência disso, o tom de suas canções rejuveneceu também. Nesse seu novo LP, ela deixa os temas políticos meio de lado e apresenta um set de canções bem mais confessionais que o habitual, que vão do blues e do folk ao jazz e ao rock and roll, sempre com uma delicadeza ímpar e uma sensualidade arrebatadora. Se você não conhece Eliza Gilkyson, prepare-se para se apaixonar. “Roses At The End Of Time” tem esse poder.
JOAN AS POLICE WOMAN
THE DEEP FIELD
Muitos compositores tem mania de fazer psicoterapia em suas canções, e isso costuma ser um tanto quanto aborrecido. Joan Wasser, no netanto, faz psicoterapia na cara dura em suas canções, e seu trabalho é tudo menos aborrecido. Uma das figuras mais inquietas da cena americana atual, essa violinista clássica, guitarrista, cantora, compositora e líder do grupo Joan As Police Woman brilhou forte em dois LPs excepcionais nos últimos anos: “Real Life”, sobre seu romance interrompido com Jeff Buckley, e “To Survive”, onde o tema recorrente é a relação com sua mãe, então recém falecida. Agora, aos 41 anos de idade, Joan está de volta com “The Deep Field”, mais uma incursão musical por esse blend curioso de soul music com indie rock que celebrizou a moça. É um trabalho bem mais arejado que os dois anteriores. Aqui, canções mais ou menos sombrias como “Flash” e “Down To Earth” contracenam com o altíssimo astral de números como “Nervous”, “Kiss The Espécifics”, “It´s Possible” e “Forever and a Year”. Sinal de que sua vida vai muito bem e a autoterapia está funcionando. Vamos torcer para que Joan não resolva dar alta para si própria de uma hora para outra. A julgar por “The Deep Field”, está tudo muito bem do jeito que está.
SHANNON McNALLY
WESTERN BALLAD
Se Shannon McNally não existisse, seria preciso inventá-la. Essa bela novaiorquina de 38 anos formada em Antropologia pela NYU começou cantando e tocando seus blues e baladas informalmente nos nightclubs da cidade, até chamar a atenção de executivos ligados à Capitol Records em 2000. Lá, iniciou uma série de 7 LPs e 2 EPs onde passeia com galhardia por toda a musicalidade branca e negra do Sul e do Oeste dos Estados Unidos, desprezando fronteiras mercadológicas. Seus LP mais recente, “Western Ballad”, é certamente o melhor e mais ambicioso de todos. Com um repertório composto em parceria com o produtor Mark Bingham que aposta na diversidade musical, Shannon brilha com sua voz adorável mais uma vez em canções aparentemente desgarradas que, juntas, formam um “big picture” espetacular, resgatando a atmosfera dos discos clássicos de Gram Parsons gravados no início dos anos 1970. Impossível resistir ao charme cajun de “Tristesse Oubliée”, à melancolia country de “Rock and Roll Angel”, ao deleite soul de “Toast” e ao folk-pop etéreo de “High Western”. Como se isso não bastasse, a letra da faixa título é um belo poema de Allen Ginsberg que Bingham havia musicado anos atrás, mas ainda não tinha achado a voz certa para cantá-lo. Agora achou.
SAM PHILIPS
CAMERAS IN THE SKY
Talvez vocês se lembrem de Sam Philips como a terrorista loura gelada do filme “Duro de Matar 3”, que faz “par romântico” com Jeremy Irons. Aquele foi talvez o maior mico da carreira de Sam Philips. Nascida há 49 anos em Glendale, California, ela começou gravando música cristã no início dos anos 1980 com seu nome verdadeiro, Leslie Philips. Em 1986, no entanto, cansou de todo aquele louvor e caiu na vida. Adotou seu apelido de infância, Sam, e recomeçou sua carreira na cena indie com um trabalho mais voltado para o acid-pop, contando com o aval precioso de amigos como Elvis Costello e Aimee Mann. Foi quando conheceu e se casou com o produtor musical T-Bone Burnett, seu parceiro em 5 LPs magníficos gravados para a Virgin e para a Nonesuch Aos poucos, conseguiu formar um público fiel na Inglaterra e no continente europeu, apesar de permanecer uma ilustre desconhecida na cena americana. Felizmente, ela já está mais do que conformada com isso, tanto que seu mais recente trabalho, “Câmeras In the Sky”, assumidamente low-budget, foi feito para ser comercializado somente pela web e em vinil. A voz aconchegante de Sam soa melhor ainda nessa moldura sonora menos carregada, ainda que extremamente melodiosa. “Câmera In The Sky” é mais uma coleção de canções envolventes e provocantes dessa loura nada aguada chamada Sam Philips, um dos tesouros (ainda) escondidos do pop angloamericano.
BRANDI CARLYLE
LIVE AT THE BENAROYA HALL
Ninguém pode acusar Brandi Carlile de não correr riscos em sua carreira. Depois de ser considerada a grande revelação musical feminina de 2005 com seu disco de estréia -- e logo em seguida embarcar em duas aventuras musicais com produtores barra pesada como T-Bone Burnett e Rick Rubin --, ela agora volta num LP ao vivo com a Seattle Symphony Orchestra, redesenhando boa parte de seu repertório folk-pop num contexto musical mais classudo. É uma prova de fogo e tanto para a voz de Brandi, que nunca soou tão bela e contundente. Infelizmente, alguns excessos nos arranjos de orquestra provocaram baixas em canções outrora delicadas, como “Shadow On The Wall” e “Dreams”. Confesso que não consegui entender a intervenção vocal dos irmãos Tim e Phil Hanseroth -- sua banda --, numa versão de “The Sound Of Silence”, de Paul Simon, tão desnecessária quanto fora do contexto. Felizmente, Brandi salva tudo logo a seguir, fechando o set com uma releitura lindíssima de “Hallelujah”, de Leonard Cohen. Se quiserem um conselho, encerrem a audição por aí. É que o LP traz uma faixa secreta desastrosa: uma versão para piano e cello de “Forever Young”, hit abominável dos anos 1980. Cá entre nós, Brandi: cover do Alphaville, ninguém merece... Mas tudo bem, a moça é linda e talentosa e a gente perdoa.
PORTA RETRATO
“Acho engraçado a minha carreira ter começado a vingar depois dos 50 anos de idade. É uma sensação curiosa estar com 61 anos e ler artigos apaixonados pelo meu trabalho, como se eu fosse novidade. Dá um prazer enorme de estar viva. Não foi fácil chegar até aqui. Minha carreira foi interrompida diversas vezes, sempre à minha revelia. Fico feliz por nunca ter desistido.” (Eliza Gilkyson)
“O nome da minha banda é uma homenagem a Angie Dickinson, que fazia o seriado Police Woman na TV em meados dos anos 70. Eu não perdia um episódio. Dizia que, quando crescesse, queria ser uma mulher opulenta e intensa como Angie. Aí eu cresci.” (Joan Wasser)
“Adoro música. Para mim, é um elixir, você pode adicionar a ela o que quiser. Todos nós temos corações, e eles batem, e batem, e batem. Enquanto estamos vivos, fazemos sons o tempo todo. Isso é basicamente música. Música é apenas som.” (Shannon McNally)
“Adoro música. Para mim, é um elixir, você pode adicionar a ela o que quiser. Todos nós temos corações, e eles batem, e batem, e batem. Enquanto estamos vivos, fazemos sons o tempo todo. Isso é basicamente música. Música é apenas som.” (Shannon McNally)
“Essa idéia de oferecer assinatura do meu trabalho em vez de vender cds está indo bem. Ao longo desse primeiro ano, já produzi e entreguei aos assinantes do meu website 5 EPs e esse novo LP. Mas não sei se vou muito adiante com isso. Exige uma logística bastante complicada e onerosa. Não pretendo crescer como empresa. Quero apenas seguir adiante como artista.” (Sam Philips)
“Adorei trabalhar com T-Bone Burnett. A gente pensa que está indo para um lado e ele está conduzindo a gente para outro, completamente diferente. Ele é genial. Por onde ele passa, ele deixa um rastro de Tbone-ness” (Brandi Carlile)
“Nunca imaginei que um dia iria ser popular no Canadá e na Inglaterra. Nunca imaginei que tantos artistas jovens iriam querer gravar minhas canções. Gosto de me sentir uma cidadã globalizada.” (Eliza Gilkyson)
“Sofri muito com a morte de Jeff Buckley, e mais ainda com a morte de minha mãe. Entrei em depressão, caí na bebida, me arrebentei toda, mas já purguei tudo o que me incomodava. Agora estou de volta, limpa e renovada.” (Joan Wasser)
“Eu adoro os escritores da beat generation. Tenho uma identidade muito forte com eles. Cantar uma canção feita a partir de um poema de Allen Ginsberg nesse novo LP foi a glória para mim.” (Shannon McNally)
“Eu sempre tive muita sorte em poder fazer todas as escolhas artísticas que achei necessárias ao longo da minha carreira. Mas, até por isso, e por não fazer concessões no meu trabalho, tenho certeza que não nasci para ser popstar.” (Sam Philips)
“As pessoas pensam em Seattle como uma cidade estritamente roqueira. Não é. É uma cidade que acolhe bem qualquer manifestação musical. Eu me sinto bem sendo uma artista do Noroeste americano. É uma honra.” (Brandi Carlile)
DISCOTECA
LPs ELIZA GILKYSON
Eliza Gilkyson (1969)
Pilgrims (1987)
Legends Of Rainmaker (1989)
Undressed (1994)
Redemption Road (1997)
Misfits (2000)
Hard Times In Babylon (2000)
More Than A Song (2002)
Land Of Milk & Honey (2004)
Paradise Hotel (2005)
Live From Austin TX (2007)
Your Town Tonight (2007)
Beautiful World (2008)
Roses At The End Of Time (2011)
http://www.elizagilkyson.com/
Eliza Gilkyson (1969)
Pilgrims (1987)
Legends Of Rainmaker (1989)
Undressed (1994)
Redemption Road (1997)
Misfits (2000)
Hard Times In Babylon (2000)
More Than A Song (2002)
Land Of Milk & Honey (2004)
Paradise Hotel (2005)
Live From Austin TX (2007)
Your Town Tonight (2007)
Beautiful World (2008)
Roses At The End Of Time (2011)
http://www.elizagilkyson.com/
LPs JOAN AS POLICE WOMAN
Real Life (2006)
To Survive (2008)
The Deep Field (2011)
http://www.joanaspolicewoman.com/site/
Real Life (2006)
To Survive (2008)
The Deep Field (2011)
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LPs SHANNON McNALLY
Bolder Than Paradise (EP 2000)
Jukebox Sparrows (2002)
Run For Cover (2004)
Geronimo (2005)
North American Ghost Music (2006)
Live At The Jazz Fest (2007)
Coldwater (2009)
Western Ballad (2011)
http://shannonmcnally.com/
Bolder Than Paradise (EP 2000)
Jukebox Sparrows (2002)
Run For Cover (2004)
Geronimo (2005)
North American Ghost Music (2006)
Live At The Jazz Fest (2007)
Coldwater (2009)
Western Ballad (2011)
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Leslie Philips (1982)
Beyond Saturday Night (1983)
Dancing With Danger (1984)
Black & White In A Grey World (1985)
The Turning (1987)
The Undiscribable Wow (1988)
Cruel Inventions (1991)
Martinis & Bikinis (1994)
Omnipop (1996)
Fan Dance (2001)
A Boot & A Shoe (2004)
Don´t Do Anything (2008)
Cameras In The Sky (2001)
http://samphillips.com/
Beyond Saturday Night (1983)
Dancing With Danger (1984)
Black & White In A Grey World (1985)
The Turning (1987)
The Undiscribable Wow (1988)
Cruel Inventions (1991)
Martinis & Bikinis (1994)
Omnipop (1996)
Fan Dance (2001)
A Boot & A Shoe (2004)
Don´t Do Anything (2008)
Cameras In The Sky (2001)
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LPs BRANDI CARLILE
Brandi Carlile (2005)
The Story (2007)
Live At Neurmo’s (2007)
Give Up The Ghost (2009)
Live At The Benaroya Hall (2011)
http://www.brandicarlile.com/
AMOSTRA GRÁTIS
Brandi Carlile (2005)
The Story (2007)
Live At Neurmo’s (2007)
Give Up The Ghost (2009)
Live At The Benaroya Hall (2011)
http://www.brandicarlile.com/
AMOSTRA GRÁTIS
Um comentário:
bela colocaçao dia dos namorados e essas mulheres, a cena de gravadora pode estar um lixo mas a musica continua rolando
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