sexta-feira, março 15, 2013

BEN HARPER E CHARLIE MUSSELWHITE UNEM FORÇAS NO MELHOR DISCO DE BLUES DE 2013 (ATÉ AGORA)



Com 43 anos de idade e 10 discos de estúdio em seu curriculum, Ben Harper é um cara bem vivido. Já foi quase um superstar 10 anos atrás. E agora está flertando com a idéia de se tornar um artista da cena independente. Mas se por um lado ele nunca aceitou o alto preço cobrado pela Indústria do Showbiz para ser catapultado ao megaestrelato, por outro lado ele também nunca se conformou com as limitações impostas pelos segmentos do mercado musical a seu trabalho, e sempre apostou na pluralidade musical. Por conta disso, Ben é hoje um artista desalinhado do mainstream -- mas extremamente bem situado, e feliz proprietário do The Machine Shop, um Estúdio de Gravação movimentadíssimo que funciona na enorme casa onde ele mora com a atriz Laura Dern e a filharada em Santa Barbara, California.

É grande o volume de artistas independentes que vem requisitando não só The Machine Shop, mas também os préstimos de Ben Harper como produtor e arranjador. Rickie Lee Jones, por exemplo, gravou seu último disco, 'The Devil You Know", por lá. Harper gosta desse tipo de ambiente. Vem de uma família de professores de música que possuiam um Conservatório em Claremont, California, e não sossegou enquanto não transformou seu canto num espaço semelhante ao que seus pais mantinham, onde ele se orgulha de receber artistas dos mais diversos backgrounds musicais, e de poder interagir diretamente com eles. A maneira como ele se envolveu com o grupo vocal The Blind Boys Of Alabama cinco anos atrás é o retrato mais fiel dessa atitude. O que deveria ser apenas uma faixa de colaboração entre eles para integrar um disco encomendado ao grupo rapidamente se transformou numa parceria para disco inteiro. Disco premiadíssimo, diga-se de passagem.

Pois bem: depois de contracenar nos últimos anos com vários bluesmen clássicos, e de ficar muito amigo de todos eles, surgiu a idéia de gravar um disco do gênero assim que encerrasse suas obrigações contratuais com a Virgin Records. Foi quando fez uma proposta nada indecorosa para um disco em parceria -- aceita de imediato, diga-se de passagem -- ao amigo Charlie Musselwhite, 67 anos de idade, gaitista extraordinário de Memphis, escolado em Chicago e radicado no Norte da California. Charlie é o grande herdeiro do legado musical de Little Walter Jacobs, que sempre evitou manter uma relação tradicionalista com o blues. Esse acabou se tornando seu grande diferecial artístico, uma espécie de bandeira geracional que ele e seu saudoso amigo Paul Butterfield sempre levantaram, cada um de uma maneira diferente.


"Get Up!" é o tal disco de Ben e Charlie, e a estréia dos dois no lendário selo Stax, que agora pertence à Concord Records. É possivelmente o melhor disco de blues que iremos escutar neste ano. Impressionante como a nochalance musical de Harper combina bem com o espírito aventuresco de Musselwhite, que ao longo dos últimos 45 anos tem levado a "blues harp" a territórios musicais onde nenhum bluesman jamais esteve. Apesar de todas as composições serem assinadas por Harper, os arranjos foram feitos em comum acordo, e a alquimia que rola entre eles explode nas 10 faixas do disco, que tem um único defeito: dura apenas 40 minutos.

Logo na faixa de abertura -- um folk-blues perigoso, que vai crescendo e eletrificando a cada verso de forma extremamente ameaçadora -- já dá para sentir que os dois trabalham numa sintonia musical muito fina. Tudo o que vem a seguir -- blues-rocks, boogies e baladas bluesy -- tem um impacto musical impressionante, revelando que Harper não tem a menor chance de ser considerado "um estranho no ninho" pelos bluesófilos mais conservadores. "I'm In, I'm Out, I'm Gone" é uma homenagem bem suingada ao amigo John Lee Hooker. Já "You Found Another Lover (I Lost Another Friend)" é uma balada soul poderosa e uma das composições mais contundentes já assinadas por Harper. E por aí vai, até "All That Matters Now", a faixa de encerramento, um slow blues bem tradicional, para fechar o disco com os pés na lama mais pura do Mississippi.

Mais que um encontro entre dois grandes artistas de gerações e backgrounds musicais muito diversos, "Get Up!" serve como recado a todos aqueles que estão convenientemente prostrados em encruzilhadas musicais com medo de perder "status no mercado" ou de correr riscos num momento muito incerto da Indústria Fonográfica. Charlie Musselwhite nem considera essas coisas. Afirma que sempre deixou sua carreira se mover a partir de algo que ele chama de "will of the music", sem o qual já teria pendurado as botas há muito tempo. Os 25 anos que o separam da jovialidade musical de Ben Harper em momento algum atrapalham a simbiose musical que rola entre os dois. Aliás, só ajudam. Todos saem mais leves no final da brincadeira.

Charlie Musselwhite sabe melhor do que ninguém que bagagem só faz sentido se estiver sempre em movimento,

Já Ben Harper está descobrindo isso agora. E está adorando.



BIO-DISCOGRAFIAS
http://www.allmusic.com/artist/ben-harper-mn0000792733
http://www.allmusic.com/artist/charlie-musselwhite-mn0000211627

WEBSITE OFICIAL
http://getup.benharper.com/

AMOSTRAS GRÁTIS

quinta-feira, março 14, 2013

DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE "THE NEXT DAY", O NOVO DISCO DE DAVID BOWIE


Nessas últimas duas semanas, a Imprensa Musical Internacional não falou de outra coisa senão "The Next Day", o primeiro disco de David Bowie Bowie depois de 10 anos de sumiço. Sem conceder uma entrevista sequer, ele conduziu de forma brilhante o lançamento do disco. Liberou seu produtor Tony Visconti e os músicos que participaram das gravações para falar o que quisessem, mas em momento algum veio a público "explicar o disco". Deixou que as análises corressem soltas por aí, confiando no poder de fogo de seu novo trabalho. E, até onde eu sei, não foi publicada uma crítica negativa sequer. Todas as que li fizeram questão de ressaltar que há muitos anos Bowie não surgia com uma coleção de canções tão intrigante e tão vigorosa.

Eu gostei muito do longo comentário de David Cavanagh para a Uncut e da crítica-louvação de Rob Sheffied para a Rolling Stone. Mas acho que tanto uma quanto a outra deixaram escapar alguns pontos importantes, que me parecem muito peculiares desse momento artístico de David Bowie.


O primeiro deles diz respeito aos personagens que David Bowie cria para as canções desse disco. Ao contrário de trabalhos anteriores, em que nosso herói se transmutava nesses personagens de forma intensa, "The Next Day" revela um Bowie mais cauteloso nesse sentido. Pode ser talvez resultado de sua reclusão nesses últimos anos, ou mesmo reflexo do infarto quase fulminante que sofreu em sua última tournée. O caso é que algo mudou no processo de composição das novas canções. Na hora de gravá-las, ele nem se preocupou em dar instruções demais a Tony Visconti e ainda ofereceu uma autonomia maior que a habitual aos seus músicos para desenvolverem livremente suas partes nos arranjos das canções do disco, limitando suas interferências ao mínimo necessário. O impacto diferenciado do mix final de cada canção com certeza se deve a esse esforço conjunto, e ao leve distanciamento que Bowie impôs a si próprio em relação a suas personas.

Outro aspecto interessante, a meu ver, é que esse é, sem dúvida, o disco mais político de Bowie em muitos e muitos anos. “The Next Day” mostra o mundo de hoje visto por Bowie de seu apartamento em Nova York, ao lado de sua família e de seus amigos mais próximos, distante do calor da ruas e da ação cotidana. Esse microcosmo alterna momentos de conforto com momentos extremamente claustrofóbicos. Concebido nessa reclusão auto-imposta, é um disco ao mesmo tempo cruel e carinhoso com os temas que aborda: turbulências conjugais, guerras, vida de celebridade, conflitos entre o passado e o presente, e a dificuldade em projetar um futuro que não seja sombrio, duvidoso e, mesmo assim, fascinante. 


“The Next Day” é o 24° disco de David Bowie, e é tão bem dosado que simplesmente não tinha como dar errado. A expectativa em torno dele era enorme, e, mesmo assim, ele não decepciona em momento algum. Aliás, só surpreeende. E continua surpreendendo, após inúmeras audições. Pela vitalidade da empreitada. Pela maneira como os temas se encadeiam e nos envolvem. E também porque ninguém esperava um disco superlativo vindo dele a essa altura do campeonato. Um disco mediano, reflexivo, já teria agradado e muito.

Mas não adianta: caras como David Bowie nunca deixam por menos.

Grandes artistas são assim mesmo, não negam fogo jamais. 









BIO-DISCOGRAFIA
http://www.allmusic.com/artist/david-bowie-mn0000531986

WEBSITE OFICIAL
http://www.davidbowie.com/ 

AMOSTRAS GRÁTIS

quarta-feira, março 13, 2013

RAPIDINHAS: Eric Clapton, Jimi Hendrix, Eric Burdon, T-birds, Mavericks e Poco

ALTOeCLARO está de volta após 3 meses de descanso por conta da estiagem de bons lançamentos na cena internacional, que se encerra todo ano em Fevereiro quando vários artistas bem estabelecidos na cena musical do Hemisfério Norte tradicionalmente lançam novos trabalhos e abrem o ano musical, já projetando suas tournées de Primavera e de Verão.

ALTOeCLARO manterá comentários mais extensos para discos diferenciados nas postagens de quarta a sexta. Às segundas, publicaremos nossa videocronica semanal. E às terças, uma panorâmica rápida em vários discos dignos de atenção, mas não tão vitais quanto os escolhidos para os comentários de quarta, quinta e sexta..

Como vocês podem notar, todos os artistas comentados hoje são figuras de ponta na cena musical anglo-americana, que estão de volta com trabalhos bons, recomendáveis, mas nada fundamentais em seus conjuntos de obras. 

Vamos a eles:


OLD SOCK
Eric Clapton 
(Bushbranch / Surfdog Records)

O guitarrista mais blasé da cena do blues-rock anglo-americano está de volta com um novo disco nada eloquente e com um jeitão indisfarçável de trabalho caseiro. Eric Clapton passeia por reggaes bem reflexivos, baladas delicadas e standards do “Great American Songbook”, sempre sob a alegação de que quis fazer um disco unindo sua produção recente com canções de terceiros que ele sempre gostou mas nunca tinha pensado em gravar, até agora. Tudo bem, só que a alegação não cola. “Old Sock” soa displicente e desconjuntado a maior parte do tempo, as canções novas são apenas medianas e o conjunto final é inofensivo e inexpressivo demais. Tudo bem que, com 50 anos de carreira nas costas, Clapton não tem mais absolutamente nada a provar para ninguém. Mas, cá entre nós, também não precisava encostar tanto o corpo, como ele fez aqui. Já chega Paul McCartney fazendo essas coisas. Ainda assim, vale a pena destacar as releituras bastante criativas que ele fez para “My One And Only Man”, de Otis Redding, e “Still Got The Blues”, de Gary Moore -- a primeira virou um reggae, e a segunda um número de jazz. Em tempo: é seu primeiro disco depois de quase 30 anos de associação com a Warner Bros. Records.


PEOPLE, HELL AND ANGELS
Jimi Hendrix
(Experience Hendrix / Legacy / Sony Legacy)

Enquanto os herdeiros do espólio de Jimi Hendrix seguirem vasculhando os tapes perdidos do lendário guitarrista americano falecido em 1970, discos como esse continuarão a surgir nas lojas de tempos em tempos. O fato é que o material deixado por Hendrix entre 1969 e 1970 -- anos em que ele iniciou vários projetos, mas não conseguiu concluir nenhum – é muito extenso e sem um foco claro. “People, Hell And Angels” é um projeto interessante, mas padece do mesmo mal que vitimou inúmeros discos póstumos de Hendrix. Não é que o material contido no disco seja fraco. É que a promessa de entregar “o grande álbum perdido de Jimi Hendrix” virou uma espécie de busca pelo Santo Graal, que simplesmente não tem como ser cumprida. A cada disco póstumo de Hendrix que chega ao mercado, fica mais claro que ele não sabia mesmo para onde estava indo, e infelizmente saiu de cena antes de conseguir definir suas novas rotas musicais. E sendo assim, as gravações contidas em discos póstumos como “The Cry Of Love” e ‘War Heroes” permanecem como o testamento definitivo dele, e tudo o mais é reciclagem de espólio. Um espólio sempre digno de muito interesse, diga-se de passagem. O destaque aqui não vai para nenhum número musical, e sim para a excelente qualidade dos tapes incluídos no disco. Não há a menor dúvida de que Eddie Kramer andou por ali.


'TIL YOUR RIVER RUNS DRY
Eric Burdon
(ABKCO Records / Universal)

Esse bem que poderia ser o grande disco de retorno de Eric Burdon à cena musical, alavancado por Bruce Springsteen a partir de uma performance fulminante no Festival South By Southwest do ano passado que apresentou Burdon a uma nova geração de roqueiros. Mas infelizmente ele demorou demais para gravá-lo e lançá-lo, e a expectativa se dissipou. “'Til Your River Runs Dry” pode, se muito, resgatar s velhos admiradores para esse cantor inglês que, além de cantor extraordinário, é também um dos caras mais teimosos e azarados do showbiz anglo-americano. Sua carreira solo de 1977 até 2000 é uma sucessão de fiascos anunciados, por conta de associações com bandas inexpressivas, escolha inadequada de repertório e apostas em produtores sem visão. “'Til Your River Runs Dry” fecha com chave de ouro uma trinca de bons discos iniciada em “My Secret Life” (2004) e a coleção de covers “Soul Of A Man” (2006). As vendas do disco ainda não decolaram até agora, mas, de repente, até o Verão europeu, quem sabe esse quadro possa reverter a favor de Burdon. O destaque vai para o melhor cover já gravado para “Before You Accuse Me", bluesaço de Bo Diddley. Um assombro, de tão eloqüente.


ON THE VERGE
Fabulous Thunderbirds
(Severn Records)

Eis que a lendária banda texana comandada pelo cantor e gaitista Kim Wilson achou uma saída viável para continuar existindo, depois de sete anos de silêncio. Na impossibilidade de encontrar um guitarrista à altura de Jimmie Vaughan para dar seqüência ao projeto original da banda, Kim vem testando várias saídas musicais ao longo dos anos, e agora optou por desviar do rhythm and blues suingado que notabilizou a banda para aproximá-la da soul music pedestre de Memphis, Tennessee. O resultado é surpreendentemente bom. As novas composições são muito fortes e marcantes, Wilson está cantando melhor do que nunca e a banda toca de forma tão agradável que as dez faixas do disco passam voando. O destaque vai para a belíssima balada “Hold Me”, tão bem resolvida que até parece coisa de Dan Penn e Spooner Oldham, dois clássicos compositores da Stax Records -- mas que, na verdade, é do bravo Kim Wilson, que segue sua carreira solo low-profile nas férias prolongadas entre um lançamento e outro dos T-Birds. Que talvez sejam menos prolongadas daqui para a frente.


IN TIME
Mavericks
(Valory

Depois de vários discos solo altamente gabaritados, mas que infelizmente não aconteceram comercialmente, eis que o grande cantor e compositor Raul Malo caiu na real e decidiu resgatar sua velha banda para um disco e uma tournée de retorno. Poderia ser apenas mais uma entre tantas empreitadas oportunistas de bandas veteranas em busca de um reforço de caixa em suas contas bancárias, mas é inegável que esse retorno dos Mavericks acabou saindo melhor que a encomenda. Tudo o que parecia esquemático demais no disco anterior da banda, lançado 10 anos atrás, parece ter sido abandonado em prol de uma musicalidade expontânea e novas canções descomplicadas e fáceis de tocar ao vivo. O resultado final é que Malo e seus comparsas acabaram gravando o melhor disco da banda até agora. Em algum lugar do Universo, Roy Orbison com certeza está sorrindo. O destaque vai para “Born To Be Blue”, totalmente atemporal.


ALL FIRED UP
Poco
(Drifter's Church Productions

A lendária banda de country-rock californiana completa 45 anos de carreira apenas com o guitarrista Rusty Young remanescente da formação original, mas com a sonoridade clássica intacta, graças ao espírito aventuresco de seus novos e jovens integrantes. Todos os flertes crossover que sempre marcaram o blend musical do Poco continuam fazendo parte do cardápio da banda, só que com um frescor renovado. Isso faz de “All Fired Up” um dos melhores discos deles nos últimos 30 anos -- período marcado por altos e baixos decorrentes de crises de estrelismo que rolavam sempre que algum integrante original como Paul Cotton, Tim Schmitt e Ritchie Furay voltava por uma ou duas temporadas. Agora, reina a paz no Poco, e isso transparece aqui. Os destaques vão para “Hard Country” e para a tocante homenagem a um amigo músico em “Neil Young”.

AMOSTRAS GRÁTIS