Com 43 anos de idade e 10 discos de estúdio em seu curriculum, Ben Harper é um cara bem vivido. Já foi quase um superstar 10 anos atrás. E agora está flertando com a idéia de se tornar um artista da cena independente. Mas se por um lado ele nunca aceitou o alto preço cobrado pela Indústria do Showbiz para ser catapultado ao megaestrelato, por outro lado ele também nunca se conformou com as limitações impostas pelos segmentos do mercado musical a seu trabalho, e sempre apostou na pluralidade musical. Por conta disso, Ben é hoje um artista desalinhado do mainstream -- mas extremamente bem situado, e feliz proprietário do The Machine Shop, um Estúdio de Gravação movimentadíssimo que funciona na enorme casa onde ele mora com a atriz Laura Dern e a filharada em Santa Barbara, California.
É grande o volume de artistas independentes que vem requisitando não só The Machine Shop, mas também os préstimos de Ben Harper como produtor e arranjador. Rickie Lee Jones, por exemplo, gravou seu último disco, 'The Devil You Know", por lá. Harper gosta desse tipo de ambiente. Vem de uma família de professores de música que possuiam um Conservatório em Claremont, California, e não sossegou enquanto não transformou seu canto num espaço semelhante ao que seus pais mantinham, onde ele se orgulha de receber artistas dos mais diversos backgrounds musicais, e de poder interagir diretamente com eles. A maneira como ele se envolveu com o grupo vocal The Blind Boys Of Alabama cinco anos atrás é o retrato mais fiel dessa atitude. O que deveria ser apenas uma faixa de colaboração entre eles para integrar um disco encomendado ao grupo rapidamente se transformou numa parceria para disco inteiro. Disco premiadíssimo, diga-se de passagem.
Pois bem: depois de contracenar nos últimos anos com vários bluesmen clássicos, e de ficar muito amigo de todos eles, surgiu a idéia de gravar um disco do gênero assim que encerrasse suas obrigações contratuais com a Virgin Records. Foi quando fez uma proposta nada indecorosa para um disco em parceria -- aceita de imediato, diga-se de passagem -- ao amigo Charlie Musselwhite, 67 anos de idade, gaitista extraordinário de Memphis, escolado em Chicago e radicado no Norte da California. Charlie é o grande herdeiro do legado musical de Little Walter Jacobs, que sempre evitou manter uma relação tradicionalista com o blues. Esse acabou se tornando seu grande diferecial artístico, uma espécie de bandeira geracional que ele e seu saudoso amigo Paul Butterfield sempre levantaram, cada um de uma maneira diferente.
"Get Up!" é o tal disco de Ben e Charlie, e a estréia dos dois no lendário selo Stax, que agora pertence à Concord Records. É possivelmente o melhor disco de blues que iremos escutar neste ano. Impressionante como a nochalance musical de Harper combina bem com o espírito aventuresco de Musselwhite, que ao longo dos últimos 45 anos tem levado a "blues harp" a territórios musicais onde nenhum bluesman jamais esteve. Apesar de todas as composições serem assinadas por Harper, os arranjos foram feitos em comum acordo, e a alquimia que rola entre eles explode nas 10 faixas do disco, que tem um único defeito: dura apenas 40 minutos.
Logo na faixa de abertura -- um folk-blues perigoso, que vai crescendo e eletrificando a cada verso de forma extremamente ameaçadora -- já dá para sentir que os dois trabalham numa sintonia musical muito fina. Tudo o que vem a seguir -- blues-rocks, boogies e baladas bluesy -- tem um impacto musical impressionante, revelando que Harper não tem a menor chance de ser considerado "um estranho no ninho" pelos bluesófilos mais conservadores. "I'm In, I'm Out, I'm Gone" é uma homenagem bem suingada ao amigo John Lee Hooker. Já "You Found Another Lover (I Lost Another Friend)" é uma balada soul poderosa e uma das composições mais contundentes já assinadas por Harper. E por aí vai, até "All That Matters Now", a faixa de encerramento, um slow blues bem tradicional, para fechar o disco com os pés na lama mais pura do Mississippi.
Mais que um encontro entre dois grandes artistas de gerações e backgrounds musicais muito diversos, "Get Up!" serve como recado a todos aqueles que estão convenientemente prostrados em encruzilhadas musicais com medo de perder "status no mercado" ou de correr riscos num momento muito incerto da Indústria Fonográfica. Charlie Musselwhite nem considera essas coisas. Afirma que sempre deixou sua carreira se mover a partir de algo que ele chama de "will of the music", sem o qual já teria pendurado as botas há muito tempo. Os 25 anos que o separam da jovialidade musical de Ben Harper em momento algum atrapalham a simbiose musical que rola entre os dois. Aliás, só ajudam. Todos saem mais leves no final da brincadeira.
Charlie Musselwhite sabe melhor do que ninguém que bagagem só faz sentido se estiver sempre em movimento,
Já Ben Harper está descobrindo isso agora. E está adorando.
BIO-DISCOGRAFIAS
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WEBSITE OFICIAL
http://getup.benharper.com/
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