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terça-feira, junho 26, 2012

RORY BLOCK VISITA MAIS UM GRANDE MESTRE DO BLUES NUM SONGBOOK ADMIRÁVEL


Aurora “Rory” Block sempre soube o que faz e onde queria chegar.

Novaiorquina de Greenwich Village nascida em 1949 que começou a tocar guitarra aos 10 anos de idade incentivada pelos pais -- que sempre a levavam para ver todo tipo de música que o bairro abriga tradicionalmente desde sempre.

Seu pai era dono de uma sapataria e violinista de uma banda folk chamada Elektra String Band Project, da qual Rory fez parte, e com a qual gravou um disco aos 12 anos.

Teve aulas com Reverend Gary Davis e outros bluesmen que viviam em Nova York nos anos 1960, e aos 15 anos, emancipada pelos pais, caiu na estrada para conhecer a música do sul dos Estados Unidos in loco.

Foi quando cruzou o caminho de Skip James e Mississipi John Hurt, suas duas maiores influências musicais na juventude.

O caso é que, depois de gravar seu disco solo de estréia -- aos 16 anos -- na Chrysalis Records, em Berkeley, Califórnia, Rory nunca mais sossegou em sua busca pelas raízes americanas.

Curiosamente, Rory Block só foi descoberta pelo grande público – da noite para o dia, a velha piada pronta de sempre – no início dos anos 1990, quando já tinha 10 Lps gravados e 20 anos de carreira nas costas.



Se engana quem pensa que, por tocar blues acústico, Rory Block é uma neo-tradicionalista do gênero.

Não é bem assim.

Rory segue tradições musicais mais por prazer do que por obrigação. De blueswoman xiita ela não tem absolutamente nada. Seus LPs recentes refletem bem isso.

Apesar de “The Lady & Mr. Johnson”, seu songbook de Robert Johnson gravado em 2006, ser extremamente reverente ao approach musical original das gravações de Johnson, o mesmo não pde ser dito de “Blues Walkin´ Down Like A Man”, seu tributo a Son House de 2008, e do recém-lançado “Shake ‘Em On Down”, todo dedicado a Mississipi Fred McDowell.

Na medida em que conviveu bastante com os dois em seus anos finais, Rory sentiu-se à vontade para brincar com seus repertórios e reinventá-los à sua maneira, sem a reverência que demonstrou quando abordou o repertório de Robert Johnson.


Nesse recém lançado “I Belong to the Band”, Rory passeia pelo songbook de Reverend Gary Davis  com um pé no blues e outro nos gospels.

Apesar de dispensar uma banda de apoio para suas performances, faz questão de contar com o suporte de um grupo vocal negro bem eloquente -- e isso traz um diferencial muito interessante a suas versões para clássicos como "Sansom & Delilah" e "Lord I Feel Like Going On", muito gravados pelos bluesmen da California que foram alunos do Reverendo nos anos 60.

Rory mantém nesse disco a mesma atitude acústica irreverente de seus songbooks. Altera alguns trechos das letras para que elas façam sentido quando cantadas por uma mullher. E. de quebra, imprime seu estilo inconfundível de folk blues urbano a números já gravados por centenas de artistas, como "Death Don´t Have No Mercy".

Como os discos do Reverend Gary Davis foram gravados sem maiores requintes de produção, não deixa de ser curiosa a abordagem de Rory Block a seu repertório.

Sua atitude, mais uma vez, pode não agradar alguns puristas do gênero.

Mas, convenhamos, é sob medida para aqueles já não viam mais graça alguma em ouvir esses números com Jorma Kaukonen e com Bob Weir, dois de seus ex-alunos mais aplicados, sempre tocado da mesma maneira.



Sem dúvida, faltava uma homenagem como essa ao grande Reverendo Gary Davis, um dos compositores de blues mais brilhantes da história do blues da Costa Oeste.

Não falta mais.

O que falta agora são novos discos de Rory Block com repertório bem variado, como os que ela gravava antes de iniciar essa onda de songbooks, que permitam a ela demonstrar toda a sua amplitude musical e toda a sua versatilidade.


Eu, pessoalmente, vou torcer bastante por isso, por mais que eu goste de investidas conceituais como esse "I Belong To The Band - A Tribute To Reverend Gary Davis"

BIO-DISCOGRAFIA
http://www.allmusic.com/artist/rory-block-mn0000339160

WEBSITE OFICIAL
 http://www.roryblock.com/

AMOSTRAS GRÁTIS

terça-feira, maio 17, 2011

QUANDO COMPOSITORES VIRAM ARRANJADORES, QUE SE TRANSFORMAM EM PRODUTORES, E DEPOIS SE TORNAM ARTISTAS SOLO (por Chico Marques)


Semana passada, Burt Bacharach completou 83 anos de idade.

Para quem não sabe, foi ele quem inaugurou bem no início dos anos 1960 a tendência (hoje vista com naturalidade) do compositor pop ser também o arranjador e às vezes até o produtor dos artistas que cantam suas canções. Antes de Bacharach, os compositores trabalhavam horas e horas em novas canções e as entregavam às editoras musicais das gravadoras, que, por sua vez, faziam o que bem entendiam com elas, sem jamais consultar o compositor sobre o destino de sua obra.

Bacharach foi tão bem sucedido no comando dessas múltiplas funções que a tendência virou febre. De uma hora para outra, todos os segmentos musicais populares nos Estados Unidos concluíram que, para manter a cena da música gravada sempre revitalizada, a salvação da lavoura seria incentivar constantemente a ascensão desses jovens candidatos a gênios pop aos postos de comando na produção dos artistas contratados pelas gravadoras.


Por alguns poucos anos, isso funcionou dentro das regras estipuladas pelos Capitães da Indústria Fonográfica. Mas então, quando perceberam que estavam com a faca e o queijo na mão, esses jovens artistas que nunca se sentiram confortáveis como funcionários de gravadoras, resolveram que estava na hora de virar a mesa, chutar o pau da barraca e tornarem-se produtores independentes.

Burt Bacharach mais uma vez saiu na frente de todos os outros. Por volta de 1966, ele se desvinculou dos compromissos do dia a dia e passou a escolher com quem queria trabalhar. É dessa época sua parceria vitoriosa com Dionne Warwicke, numa seqüência memorável de singles vitoriosos. Paralelo a isso, passou a escrever música para o cinema e para a Broadway, e a gravar seus próprios discos para a independente A&M Records, do amigo Herb Alpert e Jerry Moss, trabalhando com cantores convidados e controle criativo total. Direto para o Olimpo Pop, sem escalas.


Pois bem: Booker T. Jones e Todd Rundgren não tiveram o prazer de pertencer a essa aristogracia de compositores, arranjadores, maestros e produtores pop como Burt Bacharach, Jimmy Webb e Quincy Jones. Mas conseguiram – Booker na soul music e Todd no pop e no rock experimental – imprimir suas personalidades musicais em praticamente todos os projetos em que se envolveram aos longo dos últimos 45, 50 anos. Seja como artistas solo ou como arranjadores e produtores.


Booker T Jones nasceu num ghetto em Memphis, Tennessee, em 1943. Pianista e organista de talento natural, conseguiu a duras penas estudar música na Universidade de Indiana. Mas não aguentou ficar muito tempo por lá, pois era arrimo de família. Bem no início dos anos 1960, voltou para Memphis e aceitou um emprego nos pequenos Estúdios Stax como arranjador e músico. Rapidamente ganhou reconhecimento internacional à frente da banda da casa Booker T & The MG´s com singles instrumentais como “Green Onions” e "Soul Limbo".

O sucesso estrondoso do Booker T & The MG´s foi emblemático naqueles tempos de luta pelos direitos civis. Composta por dois negros – Booker T no órgão e Al Jackson na bateria – e dois brancos – Steve Cropper na guitarra e Donald “Duck” Dunn no baixo –, o Booker T & The MG´s não só reinventou a música instrumental dançante do sul dos Estados Unidos como também forneceu a moldura musical para a recém-nascida soul music de Memphis, nos discos seminais de Wilson Pickett, Otis Redding, Carla Thomas e vários outros. Era difícil acreditar que toda aquela genialidade musical do time de músicos da Stax brotasse a toque de caixa e em horário comercial, mas era a pura verdade.


Booker T & The MG´s permaneceu ativo e frequentando o topo das paradas ao longo dos anos 60, enquanto Booker T. Jones e Steve Cropper se escolavam como produtores. No início dos anos 1970, no entanto, cada um foi cuidar de sua vida. Booker T Jones encerrou sua longa associação com a Stax e assinou como artista solo com a A&M Records, onde iniciou uma parceria com sua então mulher, Priscilla Coolidge. Paralelo a isso, passou a atuar como produtor independente com bastante frequência. Foi o responsável, entre muitas outras coisas, pela sonoridade crossover dos discos de standards de Willie Nelson, na série iniciada com “Stardust”. De tempos em tempos, só para sentir o gostinho da estrada, Booker T Jones convocava seus velhos perceiros Cropper & Dunn para atualizar o som do Booker T & The MGs e saíam por aí atuando como banda de apoio de Bob Dylan e de Neil Young. Seus discos solo -- todos muito bons, alguns deles vencedores de Grammies -- revelaram algo insuspeito: além de ser o organista mais festejado da cena pop da América, ele também sabia cantar. E bem.


“The Road From Memphis” é seu LP mais recente. É um trabalho impecável, onde as sonoridades e o swing pedestre de Memphis se integram a todas as vertentes musicais da música negra americana com uma organicidade impressionante. Abrilhantado por participações especiais de Sharon Jones, Matt Berninger (The National) e Yim Yames (My Morning Jacket), “The Road From Memphis” é uma aula de maturidade musical e um atestado de 50 anos de excelentes serviços prestados à música popular. O destaque vai para “The Bronx”, a faixa de encerramento -- uma parceria brilhante com Lou Reed que desperta uma vontade insuspeita de ouvir o LP inteiro novamente. Parafraseando o saudoso Ezequiel Neves, é um disco perfeito para ouvir enquanto se faz faxina na casa. Embala na medida certa, oscilando entre o soul modernoso e o soul atemporal. Se isso não é maturidade musical, eu não sei mais o que é.


Já Todd Rundgren é um caso semelhante, ainda que num universo musical totalmente diferente. Nascido em 1948 na Philadelphia, ele apareceu em 1968 à frente do curioso grupo Nazz, que mesclava sunshine pop, rock psicodélico de San Francisco e uma atitude londrina. Seria apenas uma banda a mais tentando um lugar ao sol se não fosse pela excelência das composições de Todd – em particular, “Hello It´s Me”, sucesso na época, que chamou a atenção do empresário de Bob Dylan, Albert Grossman. Grossman contratou Todd para seu recém-nascido selo Bearsville mesmo sem saber como fazer com que seus múltiplos talentos coubessem num disco. Na dúvida, permitia que ele experimentasse todas as idéias musicais que viesse na sua cabeça, e depois os dois definiam em comum acordo como montar os LPs..

Dessa brincadeira saíram álbuns estranhos e multifacetados como “The Ballad Of Todd Rundgren”, “Something Anything” e “A Wizard, A True Star”, que, mesmo desafiando definições e classificações de mercado, eram aclamados pelo público, em parte pelo sucesso estrondoso de singles como “I Saw The Light”, “It Couldn´t Have Made Any Difference” e “We Gotta Get You a Woman”. Ninguém sabia dizer se Todd Rundgren era um artista de rock, de pop ou de música progressiva. Mas, por outro lado, ninguém se importava muito com essas definições. E ele seguiu em frente, sempre experimentando sonoridades diferentes, em discos que nunca custavam muito caro e eram sempre rentáveis. Paralelamente a isso, Todd fazia parte do grupo pop progressivo Utopia, e ainda deixou sua marca como produtor em discos que marcaram época, como “We´re An American Band” e “Shinin On” do Grand Funk Railroad e, claro, o inesquecível álbum de estréia dos New York Dolls.


Mas então chegaram os anos 1980, que exigiam definição de mercado para todo tipo de música o que era lançada, e Todd Rundgren se viu numa encruzilhada. Entre tornar sua música previsível e se render às armadilhas da Indústria Fonográfica e seguir adiante com seus experimentos musicais numa cena independente ainda bastante insipiente, ele optou pela segunda alternativa. Montou um estúdio no Hawaii, onde sobreviveu confortavelmente como produtor, e, de tempos em tempos, gravava algum disco, sempre fora dos padrões habituais, apresentando sua produção mais recente. Suas tournées continuaram concorridas e seus LPs clássicos foram reeditados pela Rhino e nunca deixaram de vender bem.


E agora, para surpresa geral, ele está de volta com um LP curioso: “Johnson”, uma homenagem ao centenário de nascimento de Robert Johnson, com 12 releituras pouco ou nada reverentes de algumas de suas canções mais emblemáticas. Convenhamos: um disco de Todd Rundgren homenageando Robert Johnson soa em princípio tão inadequado quanto um disco de Lulu Santos cantando Cartola. Mas, estranhamente, "Johnson" funciona bem. Foi feito por encomenda para a gravadora e editora que detém atualmente a exclusividade dos direitos da obra de Robert Johnson, mas estranhamente não possui fonogramas com esse material gravado -- e Todd providenciou para que tivesse. Com certeza, não vai agradar aos fãs mais ardorosos do legado musical de Robert Johnson. Mas, vencida a resistência inicial, confesso que não vi nada de errado com a homenagem de Todd. Pelo contrário: são versões muito enxutas e urgentes, com uma sonoridade muito clara e muito pesada, e uma carga dramática sempre muito intensa. É um projeto bem realizado, ocasionalmente brilhante, e que não ofende a memória de Robert Johnson. Para quem está acostumado com as idiossincrasias de Todd Rundgren, nada disso é motivo de espanto.


Booker T Jones e Todd Rundgren são artistas populares e produtores musicais de linhagens muito diferentes. Booker é sério até demais. Todd é completamente maluco. Ambos guardam em comum o mesmo senso aventuresco, o mesmo inconformismo com regras mercadológicas que sufocam a criatividade dos artistas, e a mesma autosuficiência de quem está em cena há quase 50 anos.

Nunca fizeram questão de ser aristocratas pop como Burt Bacharach e Jimmy Webb. Mas também nunca apostaram baixo. Nunca apostaram no certo. E nunca fizeram cara feia quando tiveram que correr riscos.

Até porque Booker T Jones, lá em Memphis, e Todd Rundgren, no Hawaii, sabem muito bem que no dia em que não houver mais risco algum a correr no seu métier, é sinal de que o jogo acabou para eles.

Convenhamos: a julgar por seus novos Lps, ainda é cedo pra vestir o pijama e ir pra cama.

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BOOKER T JONES
DISCOGRAFIA, FOTOS E ENTREVISTAS

http://altoeclaro.blogspot.com/2011/05/senhoras-e-senhores-booker-t-jones.html

TODD RUNDGREN
DISCOGRAFIA, FOTOS E ENTREVISTAS

http://altoeclaro.blogspot.com/2011/05/senhoras-e-senhores-todd-rundgren.html

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HIGHLIGHTS
BOOKER T JONES - "The Road From Memphis"








HIGHLIGHTS
TODD RUNDGREN - "Johnson"