Mostrando postagens com marcador Tedeschi Trucks Band. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Tedeschi Trucks Band. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, maio 15, 2017

ENCAIXOTANDO EM 8 CDS 3 PERFORMANCES INESQUECÍVEIS DOS ALLMAN BROTHERS TOCANDO EM CASA (ATLANTA, GA) EM 2004

por Chico Marques


Lembro bem da primeira vez que ouvi (e vi) a Allman Brothers Band.

Foi em 1974, numa performance ao vivo para o programa da TV americana “Don Kirshner’s Rock Concert” -- que aqui no Brasil era apresentado no ‘Sábado Som”, de Nelson Motta, na TV Globo.

Era uma banda enorme, com dois bateristas -- algo que eu nunca tinha visto antes --, e tocavam “One Way Out”, um bluesaço de Sonny Boy Williamson, de quem, diga-se de passafem, eu nunca tinha ouvido falar.

Gregg Allman era o líder. Cantava e tocava piano e harmonica, e sua voz lembrava um pouco a de Ray Charles. Já aquele lance de Gregg emparelhar os fraseados de sua harmonica com os fraseados da guitarra slide de seu parceiro Richard Betts... bom, aquilo era totalmente novo para mim -- que até então só ouvia bandas de hard rock truculentas e pouco sutis como Led Zeppelin, Deep Purple e Grand Funk Railroad.

Foi ali, com a Allman Brothers Band, diante da primeira TV a cores que apareceu na casa dos meus pais, que rolou o meu batismo com o blues. Não sabia ao certo o que era aquilo, mas era intenso, arrebatador e irresistível.



No final de semana seguinte, descobri na casa da minha prima Silvana dois álbuns duplos da banda: “The Allman Brothers Band Live At The Fillmore East” e "Eat A Peach", e os gravei em dois cassetes BASF C-90.

Adorei.

Ouvia o dia inteiro.

Pouco tempo depois, chantageei na cara dura minha querida mãe, que odiava meus cabelos enormes e queria porque queria que eu o cortasse no cabeleireiro dela -- uma bicha argentina muito antipática chamada Nestor.

Topei fazer a tosa em troca do álbum “Brothers & Sisters“, que acabara de aportar no balcão da Tremendão Discos, loja que ficava logo abaixo do prédio de apartamentos onde morávamos.

Desde então, os Allmans nunca mais saíram da minha vida.



Conforme fui conhecendo melhor o trabalho da Allman Brothers Band, pude entender o que fazia deles uma banda única dentro da cena musical americana da época.

Primeiro, eles eram da Geórgia, um Estado meio fora das rotas principais do blues negro e da country music branca, mas que tinha uma tradição em combinar de forma muito peculiar todas essas tradições musicais quase seculares.

Segundo, eles estavam na ativa desde meados dos anos 60, chegaram a fazer algum sucesso na cena da Califórnia com o nome Hourglass -- em dois LPs muito bons, que resistiram bem ao teste do tempo --, e estavam habituados a fazer jams prolongadas em shows de abertura para medalhões do rock psicodélico como The Doors e Quicksilver Messenger Service.

Por último, a sintonia fina entre Gregg Allman – ótimo compositor e arranjador – e seu irmão Duane – o guitarrista branco mais requisitado nos estúdios do Sul dos Estados Unidos naqueles tempos – abriam horizontes musicais ilimitados para a banda, que sempre contou com excelentes músicos.



Os Allmans eram atrevidos a ponto de flertar abertamente com temas de jazz ao mesmo tempo em que mesclavam todos os elementos country, folk e blues que pegavam pela frente.

Apesar de serem musicalmente inigualáveis, tiveram seu formato musical copiado por inúmeras outras bandas que gravavam para a mesma Capricorn Records, da qual eram contratados -- mas nunca com o mesmo sucesso e com a mesma grandeza musical.

O caso é que por melhor que fosse o trabalho desenvolvido nos Anos 70 por bandas como Lynyrd Skynyrd, Marshall Tucker Band, Grinderswitch, Ozark Mountain Daredevils, Outlaws e Wet Willie, nenhuma delas tinha estofo musical para conseguir emparelhar com os Allmans, mesmo nos momentos menos expressivos de sua carreira.



Tragédias pessoais, como as mortes de Duane Allman e do baixista Berry Oakley em acidentes de motocicleta em 1971 e 1972,  – situaram a Allman Brothers Band naquele mesmo cenário sulista mítico e trágico dos romances de Williams Faulkner.

Se por um lado essas “baixas” dificultaram bastante as coisas para eles em termos musicais, por outro resultaram na melhor promoção que poderiam conquistar perante a opinião pública.

É sempre bom lembrar que, naquele momento histórico, a morte estava por toda parte: o saldo de jovens americanos mortos no Vietnam beirava o intolerável e a continuidade da Guerra era praticamente insustentável.

Isso tudo fez com, apesar de todas as adversidades, a resistência exercida pela Allman Brothers Band na cena musical refletisse o espírito da América combalida com a derrota no Vietnam tentando se reerguer.



Pois eles souberam aproveitar essa oportunidade.

A capa do LP ‘Brothers and Sisters” (1973), com fotos de crianças brincando num gramado e arborizado num belo dia de sol, além de uma bela foto central com todos os integrantes sobreviventes da banda reunidos com suas mulheres, seus filhos e seus amigos, reflete bem esse sentimento que era comum a inúmeras famílias americanas.

 As dificuldades em manter o astral alto durante a gravação foram muitas. Mas eles conseguiram chegar ao final.

E hoje ninguém questiona o fato de que "Brothers & Sisters" é o melhor disco de estúdio gravado pela banda.



Incrivelmente popular ao longo dos anos 70, a Allman Brothers Band entrou nos anos 80 com o pé esquerdo.

A falência inesperada da Capricorn Records – da qual eram mais do que meros contratados, eram quase sócios – coincidiu com a saturação do chamado “rock sulista”.

A Allman Brothers Band até tentou se adequar às novas regras do mercado promovendo alterações drásticas em sua identidade musical, mas quebraram a cara em dois discos muito fracos, que venderam muito pouco, e levaram a banda a sair de cena, hibernar por uns tempos, e dar lugar a carreiras solo de seus integrantes.

Mas como nem os trabalhos solo de Gregg Allman, e nem os de Richard Betts, conseguiram decolar, a Allman Brothers não teve outra alternativa senão voltar ao batente no final dos anos 80.

Em princípio, para pagar as dívidas contraídas ao longo de quase uma década.



E então, a Allman Brothers Band voltou.

E voltou renovada, com um vigor surpreendente, promovendo um LP extremamente bom intitulado “Seven Turns”, com o reforço do então jovem e talentoso guitarrista Warren Haynes, que vinha da banda do cantor country David Allan Coe.

Daí em diante, os Allmans nunca mais perderam o rumo artístico.

Nunca mais gravaram discos irrelevantes como aqueles dos Anos 80.

Resgataram pouco a pouco todo o prestígio que tinham nos anos 70.

E não se deixaram abalar quando tiveram que demitir o guitarrista Richard Betts, membro fundador da banda, por atitudes pouco ou nada profissionais, e o substituíram pelo jovem (18 anos) guitarrista Derek Trucks, sobrinho do baterista Butch Trucks.

Era como se a banda tivesse o corpo fechado depois de tantas adversidades, e nada mais conseguisse abalar seus alicerces.



Da virada dos Anos 2000 para cá, os Allmans viraram a jam-band definitiva.

O gosto da banda pelos palcos e a habilidade em reinventar os mesmos números do repertório de uma apresentação para outra, mais o inegável fato de que se tornaram grandes anfitriões para amigos músicos que eram convidados para jam-sessions, fez deles a banda mais querida da América, arrebatando diversas gerações diferentes para ver seus shows -- algo que, até então, só o Grateful Dead conseguia viabilizar.

Daí, quando a Allman Brothers Band encerrarou atividades em 2014 devido à saúde frágil de Gregg Allman, que impedia a banda de excursionar, os guitarristas Warren Haynes e Derek Trucks agradeceram a todos os fãs por todo o apoio ao longo de todos esses anos, e deixaram claro que o espírito da Allman Brothers Band permaneceria vivo em suas bandas paralelas: Gov't Mule (power-trio de Haynes) e Tedeschi-Trucks Band (superbanda de Trucks com seu mulherão, a guitarrista de blues Susan Tedeschi).



Desde então, como não poderia deixar de ser, todo ano surge no mercado algum novo álbum duplo ou triplo ao vivo resgatando algum momento glorioso do passado dos Allmans.

Mas dessa vez, a Peach Records, selo do qual os ex-integrantes da banda são sócios, resolveu chutar o balde.  

Acaba de lançar "The Fox Box”, uma caixa com 8 cds apresentando a íntegra dos 3 shows que a banda fez no Fox Theatre em Atlanta, em 2004, para celebrar o lançamento do ótimo "Hittin' The Note", o disco de estúdio derradeiro deles. 



Desnecessário dizer que o astral das performances em "The Fox Box" é altíssimo, que todos estão cantando e tocando extremamente bem, que o vasto repertório da banda se espalha de forma deliciosa por quase 10 anos de música, e que mesmo aqueles números que se repetem nos setlists de uma noite para outra, reaparecem sempre com roupagens bem diferentes. "Dreams", por exemplo, apresenta cada noite solos de um membro diferente da banda. Mas é assim mesmo: quando uma banda tem tesão pelo palco, esse tipo de coisa acontece naturalmente.

"The Fox Box" é uma excelente pedida para quem quiser guardar uma recordação bem legal da Allman Brothers Band ao vivo em seus últimos anos de vida, compondo com os excelentes álbuns clássicos "Live At The Fillmore East" (1971), "Wipe The Windows, Check The Oil, Dollar Gas" (1977), "Live At Great Woods" e os dois volumes de "An Evening With The Allman Brothers Band" (1994-1995).

Sem contar que é bem superior em termos de qualidade de performance aos festejados shows realizados no Beacon Theatre em Nova York.

Por mais que eles gostassem da Big Apple, aqui a velha banda está tocando em Atlanta, Georgia -- ponto de partida de toda a longa aventura que viveram juntos por quase 50 anos.

E, convenhamos: mesmo para uma banda dura na queda como os Allmans, não há lugar como o lar.




WEBSITE OFICIAL

AMOSTRAS GRÁTIS











CHICO MARQUES
é comentarista,
produtor musical
e radialista
há mais de 30 anos,
e edita a revista cultural
LEVA UM CASAQUINHO
e o blog musical
ALTO & CLARO 


segunda-feira, junho 06, 2011

MANZAREK-ROGERS E TEDESCHI-TRUCKS: CAMARADAGENS MUSICAIS A TODA PROVA (por Chico Marques)


Uma teoria pessoal minha: o rock and roll só conseguiu sobreviver ao egocentrismo megalomaníaco que quase matou o gênero nos anos 1970 graças ao espírito de camaradagem herdado do pessoal do blues.

Ego de roqueiro é complicado. Sempre inflado demais e de difícil trato. O extremo oposto do ego do bluesman, que não está nem aí se alguém vai tentar roubar a cena dele no palco. Bluesman que é bluesman só quer saber de tocar, beber, se divertir, arrastar para casa alguma gostosona da platéia e, com um pouco de sorte, conseguir receber seu cachê depois do show.

Todos os grandes artistas de blues nunca negaram fogo para jovens músicos brancos. Muddy Waters, por exemplo, sempre deu acesso ao palco em seus shows aos então jovens e curiosos Paul Butterfield, Mike Bloomfield e Nick Gravenites. Existem fotos muito reveladoras -- e muito engraçadas -- de B B King chamando para o palco os então muito jovens guitarristas Eric Clapton e Jimi Hendrix -- ambos visivelmente acanhados com a honraria. É assim mesmo: músicos de rock and roll se assustam na hora de subir num palco de blues. Conhecem o poder de fogo musical dos negões e a facilidade com que improvisam em jams que podem durar 10, 15 minutos.

(cá entre nós: é altamente improvável que uma estrela de rock com o ego nas alturas e milhões no banco se disponha a correr o risco de fazer papel de bobo num palco onde jamais será figura principal, apenas um convidado)

Mas, mesmo assim, aos poucos o vírus do espírito colaborativo começou a se espalhar pela cena musical roqueira. Primeiro com as visitas à Inglaterra dos grandes mestres do blues americano, que adoravam contracenar com os músicos ingleses aficcionados no gênero, lá pelo final dos anos 1960. Depois, com o surgimento das primeiras jam bands americanas, como a Allman Brothers Band e o Grateful Dead. De repente, o medo de dividir o palco com músicos convidados em situações improvisadas se dissipou. Dos anos 1990 para cá, a camaradagem musical radicalizou, virando uma tendência irreversível -- quase uma regra -- na cena do rock and roll angloamericano.

A Allman Brothers Band, por exemplo, faz todo ano uma série de concertos no Beacon Theater, em Nova York, sempre no início de Maio, e tradicionalmente recebe todas as noites convidados especiais no palco. O Grateful Dead – agora simplesmente The Dead – é outro que vive constantemente em tournées sempre abrilhantadas por músicos de outras bandas que não resistem à tentação de passar bons momentos musicais ao lado deles. E tem ainda o Phish, a Dave Matthews Band, o My Morning Jacket, o Gov't Mule e dezenas de jam bands que nunca perdem uma oportunidade de encher seus palcos de amigos talentosos. Virou mania nacional.

Este é um momento curioso na cena musical americana, em que artistas antes avessos a jam sessions embarcam em projetos de colaboração meio que empurrados por uma tendência de mercado, e assim descobrem o prazer de improvisar em boa companhia.


É o caso de Ray Manzarek. Organista, pianista, compositor, arranjador e comandante dos Doors entre 1966 e 1973, ele esboçou um estilo musical calcado no blues e na música barroca que fornecia o tom de elevação que a poesia do frontman Jim Morrison pedia. Foi um sucesso estrondoso, como todos sabem. Quando Morrison morreu, Manzarek tentou seguir adiante com trabalhos solo muito autocentrados, que infelizmente não deram muito certo -- tanto que ele acabou optando por trabalhar apenas como produtor e arranjador.

Daí em diante, passou a separar seu trabalho como compositor -- fornecendo molduras musicais para poetas como Michael McGlure -- de seu trabalho como instrumentista -- sempre arrojado e dinâmico, mas invariavelmente vinculado a seu passado com os Doors. Convidado pelo exímio guitarrista (também) californiano Roy Rogers para se juntar à sua banda, Manzarek viu alí sua chance de fugir de uma armadilha – muito rentável, diga-se passagem -- que amordaçou sua carreira durante anos: a de ser o curador do espólio musical dos Doors. Não pensou duas vezes. Jogou os Doors para escanteio por uns tempos, desceu do pedestal e topou a brincadeira.


Não podia ter tomado uma decisão melhor. “Translucent Blues”, segundo LP que os dois gravam juntos, é tão bom e tão vigoroso que faz com que a colaboração anterior gravada 3 anos atrás pareça um simples aperitivo. Não é um disco de blues, como o título sugere, e sim um passeio musical por diversas vertentes do rock californiano, onde o passado de Manzarek nos Doors e a experiência de Rogers como comandante da banda de John Lee Hooker por quase 20 anos se unem numa alquimia musical perfeita. Não se assustem se “Game Of Skill” e “New Dodge City Blues” lembrarem números clássicos dos Doors, ou se “Hurricane” lembrar certas investidas de John Lee Hooker em “The Healer”. É tudo intencional mesmo. Mas o contexto é totalmente brincalhão e inusitado.

O espírito aventuresco impera em “Translucent Blues”. É no mínimo curioso ver os dois imitando George Benson e Brother Jack McDuff na faixa instrumental “Na Organ, a Guitar And A Chicken Wing”, ou reinventando padrões musicais que Lowell George e Bill Payne desenvolveram para o Little Feat em números funky como “Tension” e “Those Hits Just Keep On Coming”. Agora, que está desobrigado de comandar uma banda, Manzarek, aos 72 anos de idade, se diverte conspirando contra a seriedade e a sisudez de Rogers, que, aos 61 anos, tenta colocar um pouco de método na loucura musical de Manzarek. E os dois se divertem um bocado fazendo isso. E quem está escutando, também!


Já a associação musical entre Derek Trucks e Susan Tedeschi não é novidade para quem acompanha há alguns anos as carreiras desses dois craques da guitarra. Casados na vida real, era apenas uma questão de tempo até que decidissem unir também suas carreiras e bandas numa coisa só, já que um vinha integrando a banda do outro há algumas tournées.

Pois foi assim que surgiu a enorme Tedeschi Trucks Band, com nada menos que 11 integrantes, dentro do espírito de camaradagem musical da lendária banda americana Delaney & Bonnie & Friends -- uma empreitada que já estava em gestação nos últimos LPs solos de Derek Trucks, e que agora se consolida definitivamente.


Confinar Derek Trucks em um segmento musical sempre foi uma tarefa árdua. Dono de um estilo que desafia definições, esse jovem guitarrista de Jacksonville, Florida, com apenas 32 anos de idade já é responsável por uma discografia bastante sólida, com nove discos impressionantes lançados de 1997 para cá, além de dividir a cena com o veterano guitarrista Warren Haynes na linha de frente da lendária Allman Brothers Band -- banda da qual seu tio, Butch Trucks, fez parte na década de 1970.

Sua música é uma combinação demolidora de fogo, improvisação e delicadeza num blend musical único de rock, blues e jazz. E o que é mais impressionante -- para mim, pelo menos -- é que, em seus LPs solo, Derek parece estar sempre fugindo de fórmulas que tornem sua música mais simples de ser absorvida pelos fãs de seu trabalho na Allman Brothers Band -- que, diga-se de passagem, não reclamam dele jamais.

Susan Tedeschi é um caso tão interessante quanto o dele. Exímia guitarrista e compositora, essa bostoniana de 41 anos de idade foi, por muito tempo, prejudicada por possuir um timbre vocal muito semelhante ao de Bonnie Raitt. Só recentemente, quando gravou “Angel From Montgomery”, de autoria de John Prine, que havia sido um grande sucesso na voz de Bonnie Raitt, é que essa má impressão começou a se dissipar, e suas habilidades passaram a ser consideradas com menos ranhetice pela crítica.

E então, de LP em LP, e de tournée em tournée, Susan foi conseguindo forjar um público só seu, deixando claro que não está na cena musical a passeio. Em 1995, gravou seu primeiro trabalho para um selo não-independente – no caso, a Verve Records --, e desde então segue em alta tanto na cena do blues quanto na cena roqueira – eclipsando inclusive sua própria mentora, Bonnie Raitt.


“Revelator”, esse primeiro trabalho da Tedeschi Trucks Band, funciona como um mix entre o Soul de Memphis e o Blues do Delta do Mississipi, mas é também uma prova de fogo para esse casal de jovens músicos, que iniciaram suas carreiras bem cedo, aos 13 anos de idade. Cantar diante de uma banda tão grande, e com tantos metais, é novidade para Susan -- e ela se sai muito bem nessa empreitada. Conseguir encaixar seus dramáticos solos de guitarra slide em arranjos feitos para uma banda tão grande também é novidade para Derek -- e ele tira isso de letra com uma destreza comparável à de seu “tio” Duane Allman nas guitarradas hoje clássicas que promovia nos estúdios Muscle Schoals, sempre que era requisitado por artistas de soul music nos anos 1960.

Quanto à banda... bem, a banda é simplesmente impecável. Todos brilham por igual na enorme Tedeschi Trucks Band, o que é surprendente. E as canções são perfeitas. Enquanto "Don't Let Me Slide", "Simple Things" e "Shelter" passeiam com certa ternura pela vida cotidiana do casal, números mais perigosos como "Midnight In Harlem" e "Ball & Chain" revelam a barra pesada de se viver na estrada dois terços de cada ano. Se bem que, no final das contas, o que predomina são as canções de amor, como "Until You Remember", "Love Has Something To Say" e "Learn How To Love", todas com a delicadeza que é marca registrada do trabalho de Susan Tedeschi.

Acreditem, "Revelator" é um trabalho de colaboração precioso, que resgata em grande estilo o som atemporal da clássica banda do casal Delaney & Bonnie Bramlett. Definitivamente, um time de músicos que vale o quanto pesa.

Diante de todos os argumentos apresentados, eu diria que temos aqui dois perfis bem distintos de camaradagem musical.

A dobradinha de Ray Manzarek com Roy Rogers funciona como uma provovação musical entre dois músicos de backgrounds extremamente diferentes, que se divertem tentando achar um meio termo possível entre eles.

Já a dobradinha de Susan Tedeschi e Derek Trucks é um "labor of love" genuíno -- algo muito difícil de definir em palavras, mas com uma grandeza musical indiscutível.

Se camaradagem é sinônimo de troca, e troca sempre soma, o que podemos concluir é que todos os envolvidos -- Ray Manzarek, Roy Rogers, Susan Tedeschi e Derek Trucks, e nós também -- saem no lucro com esses dois LPs superlativos, muito inspirados, extremamente bem resolvidos, que deitam e rolam no espírito alegre e sempre colaborativo do blues.

Benvindos à festa.



PORTA-RETRATOS


“Um dos chaves para a música dos Doors ser tão boa é que nós tocávamos muito bem juntos, e ouvíamos uns aos outros extremamente bem. Nunca funcionamos na base do 'Cada um por si, aumente o volume, 1, 2 , 3, já!' Não, nós ouvíamos carinhosamente o que o outro estava tocando.” (Ray Manzarek)


"Quando estou tocando, a última coisa que passa na minha cabeça é se estou satisfazendo o público ou não. É um lance totalmente egoísta. E quanto mais perto você chega de se satisfazer plenamente com o que está tocando, mais universal é a sua maneira que você encontrou de se comunicar através da música.” (Roy Rogers)


“Nesses dois últimos anos, devo ter tocado perto de 300 noites – algumas com os Allmans, outras com Phil Lesh e muitas com a Tedeschi Trucks Band. A banda estava tinindo quando estávamos chegando a Chicago para uma série de shows. Daí, conseguimos reservar um bom estúdio e gravamos todo esse disco praticamente ao vivo no estúdio em poucos dias. Odeio quando a gravadora chega com um estúdio agendado e diz que temos que começar a gravar daqui a 10 dias. Nunca funciona direito. O certo é gravar quando a banda está realmente pronta para isso. Como fizemos nesse disco.” (Derek Trucks)


“Esse disco é como se fosse a aventura recente de nossas vidas. As canções foram quase todas compostas na estrada e falam de amor, proteção, esperança e até de descanso. Aliás, esse disco parece para mim uma seqüência de canções com temas correlacionados. É como se estivéssemos contando uma longa história em pequenos episódios aconchegantes de 4 ou 5 minutos cada. É assim que vejo esse disco, Revelator. Estou muito feliz por ter participado dele.” (Susan Tedeschi)


Paul Rothchild gostava de me irritar dizendo que o órgão de Riders On The Storm parecia cocktail jazz. Hoje, muitos anos mais tarde, trabalhando com Roy Rogers, penso naquilo e acho que ele até estava certo. Curiosamente, foi justamente essa levada cocktail lounge de alguns números dos Doors que ajudaram a banda a não ficar datada, e permanecer sempre atual.” (Ray Manzarek)


Ray Manzarek acha engraçado eu tê-lo chamado para trabalhar comigo sem nunca ter sido admirador do trabalho dos Doors, mas é a pura verdade. Nos anos 1960, eu estava completamente focado no blues, só ouvia Howlin' Wolf, Muddy Waters, John Lee Hooker, Bobby Blue Bland... Mas hoje eu ouço a música dos Doors com muita atenção e muito carinho.” (Roy Rogers)


“Cair na estrada dividindo a mesma banda com Susan Tedeschi é perfeito. Ia ser muito difícil para nós, individualmente, conseguir programar nossas tournées a ponto de conseguir fazer com que as paradas para descansar coincidissem. Agora isso está resolvido, e da melhor maneira possível. Ela é uma artista magnífica. É um privilégio estar ao lado dela em mais essa empreitada.” (Derek Trucks)


“Sinto que estou cantando cada vez melhor, até porque estou menos pressionada a desempenhar na guitarra agora que tenho na minha banda meu marido, Derek Trucks, que é simplesmente o melhor guitarrista deste mundo. Aliás, é uma honra fazer parte dessa banda maravilhosa.” (Susan Tedeschi)


DISCOGRAFIAS


















LPS RAY MANZAREK


The Doors (com The Doors 1967)
Strange Days (com The Doors 1968)
Waiting For The Sun (com The Doors 1968)
The Soft Parade (com The Doors 1969)
Morrison Hotel (com The Doors 1970)
L A Woman (com The Doors 1971)
Absolutely Live (com The Doors 1972)
Other Voices (com The Doors 1972)
Full Circle (com The Doors 1973)
The Golden Scarab (1974)
The Whole Thing Started With Rock & Roll (1975)
Nite City (com Nite City 1977)
An American Prayer (com The Doors 1978)
Alive She Cried (com The Doors 1979)
Carmina Burana (1983)
Love Lion (com Michael McClure 1993)
Atonal Head (2006)
Love Her Madly (OST 2006)
Ballads Before The Rain (com Roy Rogers 2008)
Live In Vancouver, 1970 (com The Doors 2010)
Translucent Blues (com Roy Rogers 2011)
http://www.raymanzarek.us/


















LPS ROY ROGERS


Chops Not Chaps (1986)
Slidewinder (1988)
Blues On The Range (1989)
Roy Rogers & Norton Buffalo (com Norton Buffalo 1991)
Traveling Tracks (com Norton Buffalo 1992)
Slide Of Hand (1993)
Slide Zone (1994)
Rhythm & Groove (1996)
Pleasure + Pain (1998)
Everybody´s Angel (1999)
Roy Rogers & Shana Morrison (2001)
Slideways (2002)
Roots Of Our Nature (com Norton Buffalo 2002)
Live At The Sierra Nevada Big Room (2004)
Ballads Before The Rain (com Ray Manzarek 2008)
Split Decision (2009)
Translucent Blues (com Ray Manzarek 2011)
http://www.roy-rogers.com/


















LPS DEREK TRUCKS


The Derek Trucks Band (1997)
Out Of The Madness (1998)
Peakin´ At The Beacon (com Allman Bros. 2000)
Joyful Noise (2002)
Hittin´ The Note (com Allman Bros. 2003)
Soul Serenade (2003)
Live At Georgia Theatre (2004)
One Way Out (com Allman Bros. 2004)
Songlines (2006)
Already Free (2009)
Roadsongs (2010)
Revelator (com Tedeschi Trucks Band 2011)
http://www.derektrucks.com/


















LPS SUSAN TEDESCHI


Just Won't Burn (1998)
Better Days (1998)
Wait For Me (2002)
Live From Austin TX (2004)
Hope & Desire (2005)
Back To The River (2008)
Revelator (com Tedeschi Trucks Band 2011)
http://www.susantedeschi.com/





AMOSTRAS GRÁTIS