quinta-feira, abril 14, 2011

O ETERNO RETORNO DOS ALLMAN BROTHERS NAS NOVAS AVENTURAS MUSICAIS DE GREGG ALLMAN E WARREN HAYNES (por Chico Marques)

Lembro bem da primeira vez que ouvi (e vi) a Allman Brothers Band. Foi em 1973, numa performance ao vivo para o programa da TV americana “Don Kirshner’s Rock Concert” -- que aqui no Brasil era apresentado como ‘Sábado Som” por Nelsinho Motta na TV Globo. Era uma banda enorme, com dois bateristas, algo que eu nunca tinha visto antes, e tocavam “One Way Out”, um bluesaço de Sonny Boy Williamson, de quem eu nunca tinha ouvido falar. Gregg Allman cantava e tocava piano e harmonica. Lembrava uma pouco Ray Charles no jeito de cantar. Já aquele lance de dobrar o som de sua harmonica com o da guitarra slide de seu parceiro Richard Betts era totalmente novo para mim -- que até então só ouvia bandas de hard rock como Led Zeppelin, Deep Purple e Grand Funk Railroad. Foi ali que rolou o meu batismo com o blues. Não sabia direito o que era aquilo, mas era intenso, arrebatador e irresistível. Naquele fim de semana mesmo, descobri na casa da minha prima Silvana o álbum duplo “The Allman Brothers Band Live At The Fillmore East”, e o gravei numa saudosa fita cassete BASF C-90. E na segunda feira seguinte ao programa, comprei o álbum (também duplo) “Eat A Peach“, que acabara de chegar na loja de discos que ficava no térreo do prédio de apartamentos onde eu morava. Nunca mais os Allmans saíram da minha vida.

Conforme fui conhecendo melhor o trabalho da Allman Brothers Band, pude entender o que fazia deles uma banda única dentro da cena musical americana da época. Primeiro, eles eram da Geórgia, um Estado meio fora das rotas principais do blues negro e da country music branca, mas que tinha uma tradição em combinar de forma muito peculiar todas essas tradições musicais quase seculares. Segundo, eles estavam na ativa desde meados dos anos 60, chegaram a fazer algum sucesso na cena da Califórnia com o nome Hourglass -- em dois LPs muito bons, que resistiram bem ao teste do tempo --, e estavam habituados a fazer jams prolongadas em shows de abertura para medalhões do rock psicodélico como The Doors e Quicksilver Messenger Service. Por último, a sintonia fina entre Gregg Allman – ótimo compositor e arranjador – e seu irmão Duane – o guitarrista branco mais requisitado nos estúdios do Sul dos Estados Unidos naqueles tempos – abriam horizontes musicais ilimitados para a banda, que sempre contou com excelentes músicos. Eram atrevidos a ponto de flertar abertamente com temas de jazz ao mesmo tempo em que mesclavam todos os elementos country, folk e blues que pegavam pela frente. Sem dúvida, uma banda inigualável —apesar de seu formato ter sido copiado sem muito sucesso por inúmeras outras bandas que gravavam para a mesma Capricorn Records da qual eram contratados.

Tragédias pessoais – como as mortes de Duane Allman e do baixista Berry Oakley em acidentes de motocicleta em 1971 e 1972 – ajudaram a situar a Allman Brothers Band naquele mesmo cenário sulista mítico e trágico dos romances de Williams Faulkner, e, se por um lado, essas “baixas” dificultaram as coisas para eles em termos musicais, por outro resultaram na melhor promoção que poderiam conquistar perante a opinião pública – ainda mais naquele momento histórico, em que o saldo de jovens americanos mortos no Vietnam beirava o intolerável e a continuidade da Guerra era quase insustentável. A capa do LP ‘Brothers and Sisters” (1973) -- o melhor de todos os álbuns de estúdio da banda --, com fotos de crianças brincando diante de lápides num cemitério gramado e arborizado num belo dia de sol, reflete bem esse sentimento que era comum a muitas famílias americanas.

Incrivelmente popular ao longo dos anos 70, a Allman Brothers Band entrou nos anos 80 com o pé esquerdo. A falência inesperada da Capricorn Records – da qual eram mais do que contratados, quase sócios – coincidiu com a saturação do chamado “rock sulista”. O grande público estava cansado de tantos Lynyrd Skynyrds e Marshall Tucker Bands, e daí acabou sobrando também para a Allman Brothers Band. Tentaram se adequar às novas regras do mercado, quebraram a cara em dois discos muito ruins, e então acharam por bem colocar a banda para hibernar por uns tempos. Mas, como as carreiras solo de Gregg Allman e Richard Betts não decolaram, a Allman Brothers voltou ao batente no final dos anos 80 com um LP muito bom – “Seven Turns” – e o reforço de um jovem e talentoso guitarrista chamado Warren Haynes, que era o braço direito do cantor country David Allan Coe. Daí em diante, eles nunca mais perderam o rumo artístico, resgatando todo o prestígio que tinham nos anos 70. Prestígio que se consolidou ainda mais no final dos anos 90, quando Gregg demitiu o encrenqueiro guitarrista veterano Richard Betts e o substituiu pelo jovem Derek Trucks -- sobrinho do baterista Butch Trucks – que, assim como Warren Haynes -- que comanda o power trio Gov´t Mule --, mantém uma carreira paralela extremamente bem sucedida.

Consolidada nos palcos, e agora sem a obrigação de lançar álbuns de estúdio com material inédito a cada dois anos, a Allman Brothers Band pode enfim permitir a seus integrantes dedicarem-se a projetos solo segmentados e independentes, sem a velha preocupação de ter que emplacar no Top 50 da Billboard, ou coisa que o valha. Gregg Allman e Warren Haynes já vem fazendo isso há alguns anos, e acabam de fazer novamente. E em grande estilo.



Gregg está simplesmente sensacional em “Low Country Blues”, seu primeiro LP assumidamente de blues, repleto de clássicos do gênero em releituras muito inspiradas. Aos 64 anos de idade, ele acaba de sobreviver a uma cirurgia de transplante de fígado, e está com a voz um pouco mais fraca do que antes, mas, segundo seu produtor T-Bone Burnett, perfeita para cantar esse repertório. Com uma banda de apoio que inclui Dr. John no piano e Doyle Bramhall II na guitarra, além do baixista Dennis Crouch e do baterista Jay Bellerose, Gregg não nega fogo em momento algum e nos brinda com clássicos de Sleepy John Estes, Muddy Waters, Bobby Bland, B B King, Otis Rush e outros artistas que ajudaram a forjar sua persona musical. A única canção original do disco – “Just Another Rider”, parceria dele com Warren Haynes – não só serve para justificar sua profissão de fé e a razão de ser desse trabalho, como certamente deverá constar do repertório da próxima tournée tournée americana da Allman Brothers Band. Aliás, a Allman Brothers Band volta no próximo dia 10 de Maio ao Beacon Theater, em Nova York, para mais uma maratona anual de shows seqüenciais em seu palco favorito. Ano passado, eles tiveram que quebrar a tradição e cancelar a temporada, por conta da hepatite C e do transplante de fígado de nosso herói Gregory Lanoir Allman. Mas, neste ano, nada impede nossos rapazes sulistas de pisar naquele palco novamente.



Já Warren Haynes, aos 50 anos de idade, resolveu dar uma sacodida em sua carreira. “Man In Motion” é seu quinto LP solo, mas soa como se fosse seu trabalho de estréia, de tão coeso que é em termos musicais. Para surpresa geral, ele seguiu na contramão de tudo o que ele produziu à frente do Gov´t Mule nesses anos todos. Fugiu das jams intermináveis e se afirmou como cantor, compositor, arranjador e também produtor, alternando ótimos números de rhythm & blues com baladas soul muito inspiradas, todas de sua autoria – com exceção de “Everyday Will Be Like Holiday”, de William Bell. A banda que o acompanha nesse projeto é um estouro: George Porter Jr. (The Meters) no baixo, Ivan Neville (Neville Brothers) nos teclados, Raymond Webber na bateria, Ian McLagan ao piano, Don Hathaway no sax tenor, e ainda a cantora Ruthie Foster. Os fãs mais radicais do Gov´t Mule talvez torçam o nariz para a leveza e o swing implacáveis de “Man In Motion”. Paciência, não se pode agradar a todos. Mas os fãs da Allman Brothers Band com certeza vão aprovar sua nova aventura musical. O fato é que Warren Haynes passou toda a infância ouvindo Lps da Stax Volt Records e da Hi Records, e sempre teve como meta um dia poder gravar um LP de soul music bem pedestre, como os que vinham de Memphis, Tennessee nas décadas de 60 e 70. O trabalho que ele realizou aqui, em ‘Man In Motion”, vai direto nessa veia, e é nada menos que primoroso.

Enfim, esses são mais dois capítulos vitais na longa e rica história da Allman Brothers Band, uma grande banda americana que já passou por muitas e boas, e que, com um pouco de sorte, ainda há de ter combustível para queimar por mais uns bons anos.

Que a estrada seja sempre leve e gloriosa para eles.




HIGHLIGHTS
GREGG ALLMAN- "LOW COUNTRY BLUES"









ENTREVISTA
GREGG ALLMAN





HIGHLIGHTS
WARREN HAYNES - "MAN IN MOTION"




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