Desde que surgiu na cena musical, no início dos anos 70, no Harlem, Nova York, bem distante do Mississipi, ele vem se revelando não só um gaitista extraordinariamente intenso e criativo, como também um intérprete poderoso, capaz de trafegar por todas as nuances musicais que compõem a música negra das ruas de Nova York.
Dono de um vozeirão e de um sopro implacáveis, Sugar Blue foi constantemente comparado a Junior Wells e James Cotton, por conseguir trafegar tranquilo e com muita desenvoltura entre o blues e a soul music.
Essa atitude eclética acabou dando o norte a sua carreira emergente. E com isso, ele logo passou a ser chamado com frequência para gravar tanto com artistas de rock e soul quanto com grandes mestres do blues de passagem pelos estúdios da cidade -- como os saudosos Johnny Shines, Brownie McGhee e Louisiana Red.
Essas gravações foram parar em discos excelentes desses veteranos do blues, mas infelizmente foram ouvidos por poucos.
Por sorte, entre esses poucos estavam Mick Jagger e Keith Richards, que já conheciam a reputação de Sugar Blue quando foram apresentados pessoalmente a ele num clube de blues em Paris, em 1977.
Desse dia em diante, começou uma longa associação entre ele e os Rolling Stones, que dura até os dias de hoje, em participações memoráveis em quase todos os discos da banda gravados desde então.
É engraçado como a carreira fonográfica solo de Sugar Blue segue num rumo inversamente proporcional ao impacto fulminante de seu jeito de cantar e tocar. Ele gravou apenas 6 discos solo de estúdio de 1980 para cá -- muito pouco para alguém que nunca esteve distante dos palcos.
São discos muito consistentes e de alto gabarito, baseados no blues e no rhythm and blues, com influoências musicais bem urbanas e bem diversas sempre pipocando entre um número e outro.
Seus dois trabalhos gravados para a Alligator nos anos 90 -- "Blue Blazes" e "In Your Eyes" -- são multifacetados e surpreendentes em termos artísticos.
"Code Blue", de 2007, gravado para o selo Beeble, chuta para todos os lados com grande maestria e é considerado uma pequena obra prima do blues moderno.
Já "Threshold", seu mais recente trabalho, também para a Beeble, lançado ano passado, é bem menos bluesy que o habitual, e mais roqueiro e funkeado. Mesmo assim, é praticamente tão intenso quanto seus trabalhos anteriores.
Curiosamente, em contraponto a esses poucos discos de estúdio, Sugar Blue tem pelo menos outros 6 discos ao vivo lançados por aí pelos mais diversos selos, atestando o quanto ele tem sido presente e constante nos palcos do mundo inteiro ao longo desses anos todos.
"Raw Sugar Blue Live!" é mais um desses registros ao vivo excepcionais.
Comandando uma banda que traz o grande guitarrista Rico McFarland, seu colaborador contumaz, e uma cozinha excepcional composta por músicos bem jovens, Sugar Blue mostra todo o seu poder de fogo num repertório bem variado nesse álbum duplo contagiante.
Impossível ficar indiferente a "Red Hot Mama", uma shuffle aceleradíssimo, que vem seguido de verdadeiras aulas de swing em números como "One More Mile" e a quase jazzística "Swing Chicken". E tem ainda clássicos como "Hoochie Cootchie Man", de Muddy Waters, e "Messin´ With The Kid", de seu mestre Junior Wells, revistos de forma pouco reverente e sempre muito vigorosa.
E, para completar, como não podia deixar de ser, "Raw Sugar Blue Live!" traz uma surpreendente releitura de "Miss You", clássico dos Stones, que tem Sugar Blue na gaita em sua versão original. Ele se apropriou devidamente da canção e fez dela o número mais aguardado em em seus shows, e também em seus discos ao vivo.
Conversando com Sugar Blue alguns anos atrás numa mesa de bar, depois de um show demolidor no SESC-Santos -- e assombrado com a quantidade impressionante de doses de Velho Barreiro que ele estava bebendo desde antes de começar o show --, perguntei a ele se tinha viajado muito pelas rotas do blues do sul dos Estados Unidos.
A resposta foi não. Sempre tocou blues em Nova York mesmo, onde vive praticamente desde sempre.
Não satisfeito, tentei puxar dele, completamente bêbado, como e onde ele teve seu primeiro contato com o blues.
Ele respondeu: "foi no Vietnam".
Não perguntei mais nada depois disso.
Toda a urgência e a truculência da música de Sugar Blue passaram a fazer todo o sentido do mundo para mim depois dessa declaração.
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