Assim como nunca houve uma mulher como Gilda, nunca houve uma banda como os Replacements.
Nunca, antes deles, uma banda teve a cara de pau de tentar combinar o punch infernal dos Sex Pistols, do Damned e dos Tuff Darts com as harmonias vocais dos Byrds.
Nunca, antes deles, uma banda punk ousou incluir no repertório de seus shows números tão duvidosos quanto bem humorados, como “She‘s A Lady”, de Tom Jones, e “Tie A Yellow Ribbon Round The Ole Oak Tree”, de Tony Orlando.
O que para muitos parecia inviável e até inconcebível, para esses rapazes desaforados de Minneapolis era algo perfeitamente natural.
Que outra banda teria a desfaçatez de estrear com um disco entitulado “Desculpa, mãe, esqueci de por o lixo para fora”?
Só eles, The Replacements, banda seminal comandada pelo excelente compositor, guitarrista e cantor Paul Westerberg, e que contava com o suporte tenso e truculento do baixista Tommy Stinson, do baterista Chris Mars e do guitarrista solo Slim Dunlap.
De 1979 a 1991, eles praticamente redefiniram a cena do rock independente americano, buscando saídas estilísticas nada fáceis, e muito menos óbvias, para suas propostas musicais e, de quebra, abrindo alas para o surgimento da cena grunge que iria dominar toda a década de 90 nos EUA.
O legado musical dos Replacements está espalhado por apenas sete albuns – entre eles, dois (“Let It Be” e “Tim”) que viraram referência obrigatória para toda uma geração, e outros dois (“Don’t Tell A Soul” e “All Shook Down”) que praticamente redefiniram o rock-pop praticado na época, revelando o dom melódico de Paul Westerberg e o afirmando como um grande artesão pop.
De lá para cá já se passaram 22 anos, e os Replacements nunca mais se reuniram. Receberam inúmeras propostas para discos e tournées de retorno, mas nunca cogitaram olhar para trás e ceder ao apelo do dinheiro fácil. Westerberg estabeleceu uma sólida carreira solo, mas está muito longe de ser um homem rico. Slim Dunlap partiu para um trabalho solo bem interessante, mas que nunca conseguiu o reconhecimento merecido fora dos limites das cidades gêmeas Minneapolis e Saint Paul. E Tommy Stinson e Chris Mars participaram de inúmeras bandas, todas com pouca projeção.
Até que, ano passado, Slim Dunlap sofreu um derrame, ficou seriamente debilitado e sem condições financeiras para bancar sua recuperação. Diante disso, Westerberg, Stinson & Mars não pensaram duas vezes e reuniram finalmente os Replacements para gravar um disco juntos, e assim levantar uma grana para ajudar seu velho companheiro de banda.
Esse disco é um EP, com apenas cinco canções – nenhuma de autoria deles --, se chama simplesmente “Songs For Slim” e acaba de chegar às lojas através da New West Records.
Mas havia um problema a ser resolvido. Por conta de velhas picuinhas mal resolvidas, Mars se negou a dividir a cena com seus dois ex-parceiros e só aceitou participar da empreitada com um número solo, de autoria de Slim Dunlap, chamado “Radio Hook Word Hit”, acompanhado de um grupo de músicos de seu círculo.
Westerberg não só aceitou as condições como ainda incorporou os mesmos músicos usados por Mars aos outros quatro números em que divide a cena com Stinson.
E o resultado dessa empreitada é extremamente satisfatório, apesar da coisa toda não poder ser considerada uma reunião plena dos Replacements.
Os velhos fãs da banda talvez estranhem o número de abertura, “Busted Up”, um rock suingado à moda de Bo Diddley, só que sem guitarras, com Westerberg martelando um piano e contando uma história de azar extremamente bem humorada, composta justamente pelo homenageado Slim Dunlap.
O número seguinte já é a cara dos Replacements: uma genial versão upbeat para “I’m Not Sayin’”, balada folk de Gordon Lightfoot, que ganhou um tratamento power-pop deliciosamente truculento e a urgência clássica das gravações dos Replacements.
Na seqüência, vem uma versão bem roqueira (e igualmente truculenta) para “Lost Highway”, de Hank Williams, que acaba lembrando mais bandas como Jason and The Scorchers do que propriamente os Replacements. Mas funciona muito bem.
E por fim, uma surpresa extremamente inusitada: “Everything’s Coming Up Roses”, clássico da Broadway, do grande Stephen Sondheim, numa versão roqueira surpreendentemente bem resolvida, sem guitarras distorcidas demais, só para variar.
Ao final de “Songs For Slim”, fica a constatação de que, para os Replacements, só fazia sentido voltar a tocar juntos resgatando esse espírito selvagem e palhaço da banda. Nada de resgatar o passado glorioso, nem de buscar alternativas para o futuro. A idéia aqui, além de ajudar Slim Dunlap, é apesar brincar novamente com o repertório alheio, algo que eles sempre fizeram tão bem, só que não da maneira autodestrutiva de antes.
Sendo assim, considerem "Songs For Slim" não um retorno, mas um posfácio para a história turbulenta e visceral dos quatro rapazes de Minneapolis.
Os Replacements estão mortos. Vida longa aos Replacements.
AMOSTRAS GRÁTIS
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