Um dos maiores desafios para qualquer artista popular é, e sempre será, permanecer relevante depois de se estabelecer no mercado.
Neil Young abordou esse dilema em canções como “Thrasher”, talvez a mais contundente delas, falando de amigos perdidos em canyons de cristal, absorvidos pela vaidade e encastelados no estrelato, incapazes de perceber que seu métier só faz sentido enquanto eles conseguirem se reinventar a cada nova estação.
Billy Bragg sabe disso melhor do que ninguém.
Desde que surgiu, 30 anos atrás, em meio à efervecência pós-punk, em discos contundentes como “Talking With The Taxman About Poetry” e “Workers Playtime” ele personifica uma versão pós-moderna de Woody Guthrie. Isso em plena Era Margareth Thatcher, No início, foi acusado de ser apenas um "poser" curioso. Mas, com os anos, foi-se revelando um ótimo compositor, extremamente hábil tanto com letras quanto com melodias, e um artista muito peculiar.
De lá para cá já se reinventou algumas vezes, unindo forças aos americanos do Wilco e, mais recentemente, integrando a banda The Blokes, sempre alternando seu discurso político com um discurso amoroso denso e intenso, trafegando pelos mais diversos gêneros musicais com sua guitarra na mão e uma atitude nunca menos que contundente.
E não é que em seu mais novo trabalho, “Tooth & Nail”, ele se reinventa mais uma vez?
Gravado em Santa Mônica, Califórnia, com o suporte precioso do produtor Joe Henry e dos amigos The Blokes, Bragg deixa seus temas politizados um pouco de lado e investe numa mensagem mais universal, expandindo sua retórica -- sempre incisiva, diga-se de passagem -- a assuntos ainda não devidamente explorados em seu trabalho -- às vezes num tom de crônica, outras vezes num tom mais confessional..
O resultado disso são canções desconcertantes como “Your Name On My Tongue”, ‘Swallow My Pride” e “No One Knows Nothing Anymore”. Ou então canções delicadas e assováveis, como “January Song” e “Tomorrow’s Gonna Be A Better Day”, que abrem e fecham o disco, respectivamente.
Em meio a tudo isso, temos como termômetro do "estado de coisas atual de Billy Bragg" uma bela e sintomática releitura de “I Ain’t Got No Home Anymore”, de Woody Guthrie. Que, de certa forma, indica que nosso herói está nos dias de hoje mais propenso a conjugar seu ativismo político com sua condição de cidadão do mundo do que ficar restrito à cena trabalhista inglesa que sempre defendeu.
(não vou me espantar se, a essa altura do campeonato, já tiver alguns velhos colegas folkies esquerdofrênicos acusando Bragg de seu um traidor da causa. Bob "Judas" Dylan conhece bem os métodos dessa gente.)
Enfim, Billy Bragg esá comemorando 30 anos de carreira questionando se seu trabalho ainda faz sentido no mundo de hoje.
30 anos que não pesam na bagagem, e que, de quebra, fornecem um diferencial artístico que poucos artistas mais jovens conseguem ostentar.
Além, é claro, de mais perplexidade do que conforto, mais angústia que alívio, e as habituais doses cavalares de som e fúria -- como ele demonstra em “No One Knows Nothing Anymore”, a canção mais truculenta deste disco:
"Let's stop pretending / We can manage our way out of here / Let's stop defending the indefensible / Let's stop relying on / The lecturing of the experts / Whose spin just makes our plight incomprehensible/ High up on a mountain top, somebody with a skinhead crop / Is thinking deep thoughts for us all / Serenity is all around, but if you listen /You can hear the sound / Of one head being banged against the wall"
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