De todos os herdeiros musicais do pop impressionista de Scott Walker nos anos 60, Bryan Ferry é disparado o melhor e o mais original.
Desde seu início de carreira à frente do Roxy Music, sua presença sempre foi intensa e marcante, e se destacava em meio àqueles músicos tarimbadíssimos com uma postura andrógina e trajando decadentistas.
Era uma banda complicada. A orientação musical de Brian Eno e Phil Manzanera nos arranjos e nas composições deixou marcas muito fortes nos primeiros álbuns deles. Bryan, ao invés de confrontá-los para conquistar mais espaço no processo criativo da banda, optou por guardar a maioria das idéias que tinha para usar em seus trabalhos solo. Trabalhos que pareciam mais apêndices aos discos do Roxy, já que eram compostos por covers de suas canções preferidas. Só que, na verdade, não eram apenas covers, e sim ensaios para um projeto artístico que ainda estava em gestação, aguardando o momento certo para vir à público.
Mas então, em meio a muita tensão, o Roxy Music fez uma pausa de quase 4 anos depois do LP "Siren", e quase todos os integrantes da banda embarcaram em carreiras solo ou projetos paralelos.
Foi quando Bryan sentiu que estava na hora de dar um tempo com os LPs de covers -- já tinha gravado 3 até então -- para apostar num projeto mais consistente, todo autoral.
E surpreendeu a todos -- crítica e público -- com dois álbuns solo muito fortes, "In Your Mind" e "The Bride Stripped Bare", onde aqueles estranhamento musical cultivado pelo Roxy Music era trocado por texturas eletrônicas mescladas a guitarras e teclados modernosos e de um bom gosto implacável.
O sucesso desses dois discos solo trouxe a Bryan Ferry um status diferenciado assim que o Roxy Music voltou em 1979 -- até porque foi o único integrante da banda que se deu bem nas suas empreitadas solo.
E Bryan começou a ganhar cada vez mais espaço dentro do Roxy.
Nas sessões de gravação de "Flesh + Blood", sua liderança ficou tão evidente que o guitarrista Phil Manzarena não hesitou em entregar os pontos e permitir que a banda se transformasse numa espécie de veículo para as -- ótimas -- idéias musicais de Bryan Ferry.
Até que em "Avalon" (1982), Bryan finalmente engoliu o Roxy.
E fez isso num padrão de excelência tão inquestionável que levou os integrantes da banda à terrível conclusão de que a banda não tinha mais onde ir dali em diante -- e encerrou atividades, voltando aos palcos apenas para tournées comemorativas.
É nesse momento que a carreira solo de Bryan Ferry começa pra valer.
E ele passa a apostar em discos caríssimos e extremamente bem produzidos como "Boys And Girls" (1985), " La Bète Noire" (1987), "Mamouna" (1994) e "Olympia" (2010), todos com composições próprias e arranjos altamente sofisticados, envolvendo dezenas de músicos de primeiro time em contrapontos de guitarras com bases eletrônicas que quase sempre resultavam em pequenas peças pop de uma sensualidade à toda prova.
Agora, aos 69 anos de idade, logo depois de gravar um disco instrumental onde, para surpresa geral, rege uma orquestra à moda dos Anos 30, Bryan Ferry surpreende com um novo álbum de inéditas chamado "Avonmore" (um lançamento BMG), onde propõe um resgate pleno daquela sonoridade atemporal do Roxy Music em "Avalon".
"Loop De Li", faixa que abre o disco, é linda, dramática, dançante, absolutamente envolvente, um clássico instantâneo.
Vem seguida de "Midnight Train", uma canção de amor perdido completamente arrebatadora, composta há mais de 20 anos, e que, estranhamente havia ficado de fora de seus álbuns anteriores.
E então, "Soldier Of Fortune", outra canção intensa, composta em parceria com Johnny Marr, vem emoldurada por um trabalho de guitarra delicadíssimo, simplesmente magnífico.
E por aí vai. Bryan não deixa o ritmo de "Avonmore" cair em momento algum nos cinco números autorais que seguem -- todos de altíssimo gabarito.
Eu só lamento pelos dois covers que encerram o disco.
Confesso que me pareceu um equívoco o tratamento blasé que ele deu para "Send In The Clowns", de Stephen Sondheim. Por mais audacioso que possa parecer despir uma canção dessas de toda a sua dramaticidade para fazer dela algo pedestre e climático, o caso é que não funcionou.
Já a releitura intimista que ele fez para "Johnny and Mary", de Robert Palmer, sem a urgência obsessiva da versão original, até pode soar simpática à primeira audição, mas infelizmente acentua todas as fragilidades estruturais da canção.
"Avonmore" seria um disco excelente se esses dois covers tivessem sido
eliminados do final cut, mas a empreitada é vitoriosa, apesar desses pequenos deslizes.
E que time de músicos ele reuniu dessa vez: Nile Rodgers, Mark Knopfler, Fonzi Thornton, Marcus Miller, Neil Hubbard, Chris Spedding, Flea, Guy Pratt, Andy Newmark, James Moody e muitos, muitos outros.
A produção, sempre perfeita, é de Bryan com seu velho parceiro Rhett Davies.
Aos 69 anos de idade, Bryan Ferry continua com sua voz intacta e sua presença de palco tão marcante quanto era nos anos 1980.
"Avonmore" tenta vender a idéia de o tempo passou mas nada mudou.
A delicadeza e o refinamento musical de outras décadas podem perdurar indefinidamente, e que não há nada mais moderno do que um projeto artístico atemporal.
A começar pela foto da capa do disco, com nosso galante crooner pop aos 30 e poucos anos de idade.
Se algum de vocês um dia precisar definir em uma imagem a palavra "chic", garanto que uma foto 3x4 de Bryan Ferry resolve a parada.
WEBSITE OFICIAL
http://www.bryanferry.com/
DISCOGRAFIA
http://www.allmusic.com/artist/bryan-ferry-mn0000524050/discography
AMOSTRAS GRÁTIS
Nenhum comentário:
Postar um comentário