sexta-feira, fevereiro 13, 2015

DR. JOHN VIAJA "DE VOLTA PARA O FUTURO" COM LOUIS ARMSTRONG NUMA BRINCADEIRA GENIAL


Desde que iniciou sua carreira solo no final dos Anos 60 com o estranhíssimo LP "Gris-Gris", em que misturava sonoridades primitivas de New Orleans com rock psicodélico, Dr. John nunca gravou um disco semelhante ao anterior e sempre fez de suas apostas no incerto uma espécie de profissão de fé.

Avesso a revisionismos -- e, ao mesmo tempo, um defensor feroz das tradições musicais de New Orleans --, esse pianista, arranjador, guitarrista, produtor, compositor e dublê de cantor de 73 anos de idade conseguiu criar uma obra musical extensa e completamente multifacetada, sempre desafiando classificações de qualquer espécie.


De uns anos para cá, Dr. John passou a homenagear de tempos em tempos grandes figuras do passado do jazz com discos temáticos onde temas clássicos ganham roupagens inusitadas.

Fez isso em 1999 em 'Duke Elegant", uma abordagem modernosa e eloquente ao universo musical de Duke Ellington. 

Repetiu a dose em 2006 com o grande compositor Johnny Mercer num passeio nada convencional por algumas de suas canções em 'Mercenary".

E agora, eis que Dr. John decide homenagear Louis Armstrong, ressaltando tudo o que sua música tem de moderno e atual.

O resultado é simplesmente magnífico.


"Ske Dat De Dat: The Spirit Of Satch" (um lançamento Concord Records) é exatamente isso que diz o subtítulo: fiel ao espírito sempre inovador e popular da música de Louis Armstrong.

Partindo desse enfoque, Dr. John mergulha de cabeça no repertório clássico de Satchmo prestando reverência apenas ao que ele tem de grandioso, sempre buscando para essas velhas canções roupagens atemporais em abordagens musicais de extremo bom gosto.

Parte do sucesso dessa empreitada artística pode ser creditada à maneira absolutamente criativa com que ele combinou músicos de jazz da Cidade de New Orleans com artistas de gospel, blues e pop.

Logo na abertura levamos um tapa na cara com uma versão uptempo suingadíssima para "What A Wonderful World" em que ele divide a cena com o grupo vocal The Blind Boys Of Alabama. 

Daí em diante, é uma surpresa atrás da outra.

"Mack The Knife" vira um groove espetacular, lembrando um pouco as gravações clássicas dos Meters, mas incluindo no pacote elementos díspares como o saxofone de Terence Blanchard e um rap de Mike Ladd que fala sobre a "Opera dos Três Vinténs" de Bertold Brecht e Kurt Weill, da qual ela faz parte -- e o mais impressionante é que Dr. John consegue fazer com que essas peças todas se encaixem com perfeição.

"Tight Like This", que vem logo a seguir, está quase irreconhecível: ganhou elementos musicais Afro-Cuban deliciosos,  contrapondo de forma brilhante o trumpete de Arturo Sandoval com as intervenções da rapper cubana Telmary Diaz.

Mas então, entra "I've Got The World On A String" numa levada bem bluesy, com ele e Bonnie Raitt dividindo os vocais -- e partir daí não há mais estranhamento nenhum: pode vir o que vier, pois já estamos completamente rendidos e embalados pelo pluralismo musical irresistível desse grande Mestre da Música do Deep South americano.


Dr. John fez questão de chamar para participar desse LP alguns dos maiores trumpetistas da cena atual: James Andrews, Nicholas Payton, Wendell Brunious, além dos já mencionados Terrence Blanchard e Arturo Sandoval. 

Fez isso na esperança de que eles conseguissem imprimir no disco meio que pela contramão, um pouco da influência que Louis Armstrong possa ter exercido no desenvolvimento de seus estilos -- e acertou na mosca.

"Ske Dat De Dat: The Spirit Of Satch" é um trabalho superlativo em todos os sentidos, prova inquestionável da grandeza musical avassaladora de Dr. John Mac Rebbaneck.

Eu confesso que nunca imaginei ouvir uma releitura tão ousada e tão contagiante para "Sometimes I Feel Like A Motherless Child" quanto a que o cantor Anthony Hamilton preparou para esse disco.

E que maneira deliciosa de encerrar com 'When You're Smiling", reunindo todos os trumpetistas convidados para soprar forte, todos juntos. 

Dá até para imaginar o velho Satchmo com seu sorrido largo em algum canto do estúdio se deliciando com tanta farra e tanto carinho.

Doutor, parabéns mais uma vez. 

Você é demais!




AMOSTRAS GRÁTIS

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