por Chico Marques para BLUESTIME
Nos início dos Anos 60, quando Otis Rush, Magic Sam, Buddy Guy e Albert King reinventaram o blues, abrindo novas fronteiras musicais para o gênero, que dava sinais claros de esgotamento, todos os artistas que tinham carreiras estabelecidas perceberam que tinham apenas duas saídas pela frente: dançar conforme a música para sobreviver no mercado, ou então migrar para a cena do folk-blues acústico.
Então, em meados dos anos 60, quando os brancos descobriram o blues e o incorporaram a novos formatos musicais bem sucedidos comercialmente, muitos artistas negros entraram mais uma vez em xeque, e desistiram de tentar se adequar aos novos tempos, preferindo deixar de gravar discos e concentrando suas atividades na Europa, onde havia um interesse grande pelos formatos mais clássicos do blues. E assim, entre revoluções e contra-revoluções musicais, o blues foi sobrevivendo, sempre aos trancos e barrancos.
Os três discos que vamos comentar hoje são de três grandes guitarristas de linhagens bem distintas, mas com uma atitude em comum: a fidelidade pela alma do blues, e não necessariamente pelos formatos tradicionais do blues.
O que prova que se o blues permanece vivo até hoje é graças à atitude pouco ortodoxa, mas sempre fiel, de artistas como esses.
BUDDY GUY
BORN TO PLAY GUITAR
Silvertone RCA
A apenas um ano de virar octagenário, o endiabrado cantor e guitarrista Buddy Guy não sossega o rabo e volta com a corda toda em "Born To Play Guitar", onde -- a exemplo de seu trabalho anterior, o álbum duplo "Rhythm & Blues" (2013) -- ele alterna blues com uma levada mais clássica com números de rhythm & blues mais acelerados e bem eletrificados, num flerte aberto com o rock and roll e com a soul music. Mas cuidado com as expectativas: "Born To Play Guitar" não é um grande disco, e também não traz novidades substanciais em relação à sua produção nos últimos 25 anos. Confesso que achei meio pegajosos os tributos a Muddy Waters e a B B King inseridos no disco, e prefiri mil vezes as dobradinhas dele com o fantástico gaitista Kim Wilson, que remetem diretamente ao trabalho que Buddy desenvolveu ao lado de seu velho e saudoso parceiro Junior Wells por mais de 3 décadas. Mas, por outro lado, também não faz sentido ser rigoroso demais com "Born To Play Guitar", pois o simples fato de Buddy Guy permanecer na ativa a essa altura da vida já é motivo de muita admiração e muito respeito. E pela vitalidade que ele esbanja nas faixas desse disco, não há a menor indicação de que pretenda se aposentar tão cedo.
ROBBEN FORD
INTO THE SUN
(Provogue)
Robben Ford é um músico tão gabaritado e múltiplo que classificá-lo como um artista de blues chega a ser uma heresia. Tudo bem que seu background musical principal origine do blues -- de sua longa associação com a Ford Blues Band, de seus irmãos, e do cantor Jimmy Witherspoon, para quem foi band-leader por muitos anos, antes de sair em carreira solo nos anos 1970. "Into The Sun" dá sequência ao trabalho desencanado e inclassificável que Robben Ford vem desenvolvendo nos últimos anos. Há espaço para tudo aqui, desde rock sulista a jazz funkeado, passando por blues e soul music em doses sempre bem equilibradas. E as participações especiais são realmente especiais, e nada burocráticas: tem desde Warren Haynes e Sonny Landreth até Robert Randolph e Keb Mo, todos quebrando tudo e se divertindo um bocado. Se você não tem uma atitude ortodoxa em relação ao blues, esse disco é para você.
SONNY LANDRETH
BOUND BY THE BLUES
(Provogue)
Desde que o Furacão Katrina assolou o Deep South americano, Sonny Landreth tem trafegado pelos diversos gêneros musicais que compoem a música da região e negligenciado um pouco o blues. Mas agora isso acabou. "Bound By The Blues", seu novo trabalho, traz canções de vários bluesmen que foram importantíssimos em sua formação musical -- como Robert Johnson, Elmore James, Big Bill Broonzy e Skip James -- em releituras modernosas e não muito ortodoxas, o que pode irritar alguns puristas do gênero. Landreth mescla esses números clássicos com composições instrumentais onde se revela masi uma vez um guitarrista absolutamente original, como "Simcoe Blues" e "Firebird" -- esta última dedicada a seu amigo e herói musical Johnny Winter, falecido ano passado. "Bound By The Blues" é uma viagem musical pelo universo do blues sem fronteiras e sem preconceitos musicais. É graças a artistas criativos e corajosos como Sonny Landreth que o blues permanece vivo e testando novas possibilidades. Na minha opinião, o melhor disco de blues deste ano até agora.
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