por Chico Marques
De um ano para cá, a Rolling Stone Magazine, que sempre esnobou solenemente a cena musical de Nashville, se rendeu finalmente e abriu seu website e sua revista quinzenal para a country music.
O motivo principal?
Tanto lá quanto cá, a cena country sempre atravessa crises sem grandes dificuldades, ao contrário do que acontece com as cenas pop e rock, tradicionalmente mais vulneráveis a tempos difíceis.
Mas não é só isso.
Hoje, em Nashville, as velhas distinções de gênero estão cada vez mais misturadas. Tudo aquilo que nos Anos 1980 ganhou o rótulo genérico Americana, se mesclou de tempos para cá com os conceitos de alt country e alt rock, e agora segue rumo a novas saídas musicais que insistem em desafiar definições.
Os quatro discos comentados hoje em ALTOeCLARO trazem artistas de gerações e background musicais distintos, cujos trabalhos não só revelam as muitas facetas da country music atual como também mostram como o gênero ficou vasto e inusitado.
EMMYLOU HARRIS & RODNEY CROWELL
The Traveling Kind
(Nonesuch Records)
Dois anos atrás, quando Emmylou Harris e Rodney Crowell uniram forças novamente em "Old Yellow Moon", um álbum de duetos que retomava a velha parceria entre os dois depois de 35 anos distantes um do outro nos palcos, tudo indicava estarmos diante de um disco de ocasião -- mais ou menos como "All That Roadrunning", que ela gravou com Mark Knopfler em 2006. Mas, na verdade, era bem mais do que isso. E agora. Emmylou e Rodney estão de volta com um segundo disco juntos chamado 'The Traveling Kind". Aqui, ao contrário do disco anterior, 9 das 11 canções do disco são assinadas por Rodney, sendo que 6 delas também levam a assinatura de Emmylou, o que indica um envolvimento bem maior entre os dois do que parecia estar rolando dois anos atrás. Daí, se havia alguma dúvida de que, depois de tantas aventuras musicais ousadas, Emmylou está voltando aos poucos à persona country-rock de seu início de carreira, agora não há mais. As vozes dos dois combinam perfeitamente, o repertório é perfeito, os dois covers escolhidos -- "I Just Wanted to See You So Bad" de Lucinda Williams e "Her Hair Was Red" de Amy Allison -- receberam um tratamento adequadíssimo e o astral da empreitada é ótimo. Ou seja: são dois grandes amigos numa parceria perfeita que tem tudo para perdurar indefinidamente. Isso se Emmylou não chutar o balde lá pelas tantas e reaparecer de repente com uma banda de rock and roll. Todos nós sabemos que ela é quase tão imprevisível quanto Neil Young.
DWIGHT YOAKAM
Second Hand Heart
(Warner Bros Records)
Dwight Yoakam está comemorando 30 anos de carreira com sua musicalidade completamente revitalizada, alternando seus clássicos honky-tonk hillbillies com rocks rasgados e bem melodiosos. Nesse retorno à velha forma, que coincide com seu retorno à Warner Bros Records, onde passou os primeiros 20 anos de sua carreira, Dwight mostra que continua muito influente para toda a nova cena musical de Nashville, que deve muito a ele em termos estilísticos e nem sempre tem consciência disso. Neste "Second Hand Heart" ele dá voz a dez canções -- oito originais de Dwight Yoakam, mais dois covers -- que soam atemporais e ao mesmo tempo urgentes, sempre com um ar levemente nostálgico e empacotadas de forma a agradar a vários públicos. Tudo aqui é tão bom e soa tão bem que dá para imaginar Elvis Presley cantando algumas dessas canções em suas clássicas gravações do finalzinho dos Anos 60 em Memphis. É um disco que já nasce clássico. E que é desde já, sem sombra de dúvida, o grande disco de Americana deste ano.
THE ASTRAL SWANS
All My Favorite Singers Are Willie Nelson
(Madic Records)
Matthew Swan é uma figuraça. Depois de participar de algumas bandas bandas maluquinhas que deram em nada, com nomes bacanas como Extra Happy Ghost e Hot Little Rocket, ele decidiu sair solo, só que escondido por trás do nome de uma banda. Daí nasceu The Astral Swans, que assina esse disco de estréia deliciosamente intitulado "All My Favorite Singers Are Willie Nelson". Tudo é muito simples: basicamente voz e guitarra com bateria eletrônica e efeitos de sintetizador quase risíveis, que parecem saídos daqueles sintetizadores de primeiríssima geração da década de 60. E, claro, sempre com um mínimo de produção. Mas tudo é muito denso também. As canções são ótimas, divertidas, agradáveis, espirituosas, e funcionam como um recital demo cuja sonoridade lembra desde Lou Reed até o Timbuk Three e o White Stripes. Vale a pena conhecer o trabalho de The Astral Swans. Willie Nelson deve ter adorado a homenagem, mesmo sem entender o motivo.
DYLAN SNEED
Texodus
(Dylan Sneed Records)
Gravado num estúdio da Carolina do Sul com sidemen bem integrados e familiarizados com o repertório, "Taxodus" é uma coleção de ótimas canções de estrada, registradas numa única tarde da forma mais descomplicada possível, como nos velhos tempos. Os temas de Dylan Sneed são recorrentes: fugir da vida corporativa, cair fora da cidade grande e descobrir onde fica o coração a América. E se por um lado não há nada de muito original em seu jeito de cantar -- que lembra às vezes um John Prine menos sonhador, às vezes um Townes Van Zandt sóbrio --, não se pode acusá-lo de não desenvolver um trabalho bem estruturado e envolvente. Se você procura por sonoridades modernosas, veio ao lugar errado. O que temos aqui é country e folk urbanos à moda clássica dos anos 70. Dylan Sneed é do Brooklyn, Nova York. Tem talento. Um crítico amigo o definiu como "Van Morrison montado numa Harley Davidson". Exageros è parte, é por aí. Vale uma boa conferida.
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