por Chico Marques
Quando um dos artistas mais prolíficos e descolados da cena americana decide gravar um disco de covers, quem em sã consciência esperaria por um álbum convencional?
Ninguém, com certeza.
Ainda mais quando esse artista é o incansável Ryan Adams, que aos 40 anos de idade e mais de duas dezenas de LPs pelas costas, ainda tem fôlego para lançar de dois a três discos novos por ano.
Por outro lado, ninguém jamais poderia imaginar que algum artista estabelecido iria um dia decidir regravar uma a uma as canções de um LP como "1989" de Taylor Swift.
Nem mesmo Ryan Adams.
Não, não se assustem, Ryan Adams não voltou a beber, nem teve uma recaída na cocaína.
Ele simplesmente tem uma relação de afeto e aversão muito curiosa em relação a esse álbum.
Quando ouviu ano passado o ambicioso disco de Taylor Swift na ocasião de seu lançamento, ele, que nunca foi admirador da cantora, ficou perplexo com a necessidade quase atávica dela em se desvinvular da cena country para se afirmar como uma artista pop.
O que havia de tão errado com a Taylor Swift country-pop, afinal? Porque isso a incomodava tanto?
As perguntas permaneceram sem resposta.
Ryan ficou intrigado com o repertório do disco, e também com o esforço de Taylor Swift em resgatar sonoridades datadas, que remetem a artistas perdidos no tempo como George Michael e Debbie Gibson, mescladas com toques de new wave e outras idiossincrasias musicais da época.
Foi mais ou menos aí que, meio sem querer, de tanto ouvir o disco, começou a imaginar, descompromissadamente, possíveis releituras para aquelas canções.
E então, movido por uma obsessão muito curiosa, acabou embarcando nesse projeto, que acabou se revelando uma espécie de "guilty pleasure" irresistível para ele.
Eu, no início, achei que seria uma tarefa complicada comentar esse disco.
Até ontem à noite, não conhecia o tal disco original de Taylor Swift que tanto fascina Ryan Adams.
Fui conhecer o disco dela só depois de ouvir as releituras feitas por ele.
Mas agora, depois de ouvir os dois discos algumas vezes, acho que começo a entender mais ou menos de onde vem todo esse fascínio.
"1989" de Taylor Swift é um disco simpático, mas um tanto quanto opaco.
Seu repertório é composto por canções eficazes, mas não muito expressivas, que funcionam como um desafio para um compositor e arranjador compulsivo como Adams.
É um disco pop revivalista que remete ao ano em que a cantora nasceu e que pretende apresentar as sonoridades daquela época a pessoas que não estavam vivas -- ou então ainda eram muito pequenas -- naquele ano.
"1989", de Taylor Swift, está bem longe de ser um grande disco.
Mas, por algum motivo obscuro, foi um dos LPs mais premiados do ano passado na noite dos Grammies.
O que Ryan Adams na releitura completa que fez de "1989" (um lançamento PAX-AM, sem previsão para o Brasil) foi virar as canções de ponta cabeça, tentando -- e nem sempre conseguindo -- não ser desrespeitoso com o trabalho dela.
A primeira coisa que ele descartou em suas releituras foi se sentir obrigado a adotar sonoridades que remetessem a 1989, transformando as canções do disco original em rocks, baladas pop e até números alt-country bem atemporais.
A segunda coisa que fez questão de descartar foi o tom épico do disco de Taylor Swift, e tratou de reduzir as canções ao que cada uma delas poderia ser individualmente, deixando de lado todas as pretensões conceituais do projeto dela.
E o que restou disso tudo é surpreendente: uma coleção de 13 canções extremamente simpáticas, todas com a personalidade musical de Ryan Adams, num tom que lembra bastante seu excelente disco do final do ano passado, "Ryan Adams", lançado pela Blue Note Records.
Ou seja: bastou Ryan desatrelar as canções de Taylor Swift de seus arranjos fofos e e das molduras certinhas impostas pelo produtor que elas melhoraram sensivelmente.
Ryan é um artista moderno, não é um revivalista. Sua visão de pop e de country music é engenhosa demais para ficar atrelada ao passado.
Confesso que acho meio cruel ele fazer o que fez com Taylor Swift. "1989" era o momento de afirmação dela como artista adulta. Mas, pensando bem, foi necessário. Ela, com certeza, vai desenvolver um trabalho bem mais orgânico e bem menos pomposo daqui para a frente.
Nunca consegui entender essa tendência inaugurada por Madonna vinte e poucos anos atrás de superproduzir canções muito básicas para fazer com que elas ganhem relevo como produto final. Uma tendência que, diga-se de passagem, fez escola entre a maioria das cantoras pop, brancas ou negras, surgidas de 2000 para cá.
Ryan apenas colocou os pingos nos is e promoveu um "back to basics", apostando que havia algo muito saboroso escondido em meio a todo aquele glacê meio insosso de "1989" de Taylor Swift, e era só questão de procurar direito.
Se Taylor Swift gostou ou não gostou do que ouviu, ninguém sabe ao certo. Ela, de qualquer maneira, achou por bem publicar uma declaração dizendo sentir-se honrada com a homenagem de Ryan Adams.
Bom, agora que conseguiu provar sua tese, que tal voltar logo com um LP todo seu de verdade, hein Mr. Adams?
Estamos saudosos.
AMOSTRAS GRÁTIS
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