por Chico Marques
Poucos meses atrás, numa entrevista para a BBC-Brasil, o publicitário Washington Olivetto declarou que termos como "empoderamento feminino", "pensar fora da caixa" e "quebrar paradigmas" não passam de clichês constrangedores criados de forma irresponsável por publicitários, que, por algum motivo, acabam sendo absorvidos pela sociedade sem o menor questionamento.
"São todos primos-irmãos de um baixo nível intelectual do 'beijo no coração'. A gente tem que fugir desses clichês a qualquer custo", afirmou Olivetto.
Muita gente -- publicitários, principalmente -- reclamou do que Olivetto disse, mas poucos tiveram coragem de assumir que o termo "empoderamento feminino", por exemplo, não passa de uma série de posicionamentos feministas clássicos requentados no forno de microondas das redes sociais por alguma ONG.
O que isso tem a ver com os 5 discos que vamos comentar hoje?
Tudo a ver.
São discos de 5 mulheres naturalmente poderosas, mulheres de muito talento, que nunca precisaram se amparar em clichês criados por publicitários para exercitar qualquer modalidade de auto-afirmação.
Todas as cinco podem ser consideradas veteranas, mas nenhuma delas está acomodada em sua carreira.
Todas elas continuam matando um leão por dia para manter seus lugares ao sol duramente conquistados no meio fonográfico
Nenhuma delas tem menos de 25 anos de carreira.
A mais jovem tem 44 anos de idade.
A mais velha, 57.
Vamos a elas:
FILME
(Trattore)
Acompanhar a carreira da cantora, compositora e guitarrista mezzo-gaúcha, mezzo-carioca (e agora alagoana honorária) Cris Braun nos últimos 25 anos tem sido uma aventura e tanto. Este “Filme” é seu 6º disco (se contarmos os 2 gravados no início dos Anos 90 com os Sex Beatles, ao lado de Alvin L), e é, disparado, o trabalho mais arrojado e inclassificável elaborado por uma artista surgida na retomada do rock brasileiro dos Anos 80 e 90. Conforme o mercado fonográfico foi estreitando, impondo limites e enquadrando quem quisesse permanecer nele, Cris não hesitou em sair na contramão e virar artista independente. Gravou belos discos como “Atemporal” (2004) e “Fábula” (2010), que encantaram setores da crítica, mas, por não fazerem concessões ao grande público, acabaram sendo apreciados apenas por iniciados em seu trabalho. Dessa vez, Cris uniu forças com o tecladista, arranjador e produtor musical alagoano Dinho Zampier, e deu a luz a essa curiosa e envolvente sequência de vinhetas musicais e canções breves que funcionam mais ou menos como a trilha sonora de um road-movie bem brasileiro --que nunca foi rodado, mas que passa o tempo todo na cabeça deles dois. São 11 temas musicais num disco curto, com apenas 23 minutos de duração, mas com um foco muito claro na diversidade musical que, cada vez mais, faz parte do dia a dia de Cris, onde cabe tanto um forró eletrônico como “A Louca Chama” (onde Zampier age como um Gary Numan do Agreste) quanto um poema musical denso e arrebatador como “Cheio” (que remete tanto a Caetano Veloso quanto a Patti Smith). Não é um disco fácil. Nem vai tocar no rádio. Mas é a cara de uma artista irrequieta de 55 anos de idade que é incapaz de repetir num novo trabalho o mesmo “mood” do disco anterior, e que não cansa de se reinventar. “Filme” chega às lojas em formato físico em meados de Setembro. Aguardem. Vale a pena.
MENTAL ILLNESS
(SuperEgo)
(SuperEgo)
Não sei quanto a vocês, mas eu acho uma puta sacanagem que, mesmo depois da obra densa e extensa que desenvolveu nos últimos 25 anos, Aimee Mann continue sendo lembrada pela sonolenta balada ”Voices Carry”, gravada em 1985, quanto ainda fazia parte do insípido grupo pop Til Tuesday. O fato é que, aos 57 anos de idade, Aimee é, juntamente com Tori Amos, a compositora americana mais de sua geração, e desde que ganhou projeção mundial com as canções que compôs para a trilha do filme “Magnolia” (2000), de Paul Thomas Anderson, vem gravando discos inusitados e brilhantes, sempre com canções arrebatadoras. “Mental Illness” é seu nono trabalho solo, e tem um jeitão bem atemporal. Parece ter sido gravado nos anos 70. Ecos de canções do Bread e da dupla Loggins & Messina estão por toda parte, em canções delicadas que falam sobre inadequações existenciais e dificuldades de viver nos tempos atuais. Se por um lado “Mental Illness” não destoa de seus trabalhos anteriores, por outro acentua ainda mais a já tradicional melancolia agridoce de seu repertório, graças ao formato 100% acústico que ela adotou, com violões, percussão básica e arranjos de cordas bem suaves. É como se ela tivesse conseguido finalmente equilibrar sua produção musical num formato aconchegante, que a mantém equidistante tanto da depressão quanto da euforia, flertando de longe com os silêncios e abismos existenciais que permanecem como seu tema principal. É um disco muito triste, muito bonito, e sob medida para este finalzinho de Inverno. Mas que deve seguir para seu cantinho na estante assim que o sol voltar e a Primavera começar.
NATIVE INVADER
(Decca)
(Decca)
Quem diria que aquele ruivinha turbulenta, filha de um pastor metodista, que surgiu no meio musical no início dos Anos 90 em discos desconcertantes como “Little Earthquakes” e “Under The Pink”, que chocaram até mesmo putas velhas como Iggy Pop e Kim Fowley, iria chegar aos 54 anos de idade com 15 discos na bagagem? Pois Tori Amos não só conseguiu, como se reinventou diversas vezes ao longo deste processo. Seu novo disco, “Native Invader”, é talvez o disco mais engajado politicamente que já gravou. Apesar de não fazer menção a Donald Trump em momento algum, fica claro desde o início que o alvo da maioria das canções não é outro senão ele, e também suas políticas retrógradas para agradar sua base eleitoral conservadora e saudosista da América pujante dos Anos 50. Mas Tori não é imediatista como Neil Young. Ao contrário dele, não deixa que essas suas canções inconformadas fiquem datadas e acabem tendo vida curta. É sempre bom lembrar da grandeza artística de outros projetos conceituais desenvolvidos por Tori Amos, como “Scarlett’s Walk” (2002) e particularmente “Strange Little Girls”, uma coleção de canções clássicas escritas por homens e reinventadas por uma ótica feminina. Ela definitivamente não tem (nunca teve) simpatia por projetos imediatistas, por mais urgentes que suas canções às vezes possam parecer. Merece um destaque especial “Up The Creek”, onde o tema é aquecimento global e ela divide a cena com sua linda filha, Natashya Hawley, dona de uma voz pequenininha, mas que casa maravilhosamente bem com a de sua mãe. “Native Invader” é um disco contundente. Não poderia ser outra coisa, vindo de quem vem.
SHANNON MCNALLY
BLACK IRISH
(Compass)
Shannon McNally nasceu em Nova York há 44 anos, mas gosta de afirmar que sua alma musical está no Texas. Desde seus primeiros discos, ao lado do guitarrista Doyle Bramhall II, ela passeia por um repertório que mescla blues, rock e country como se nada separasse um gênero do outro, e isso, de certa forma, dificultou um pouco sua entrada em muitas rádios mais específicas, além de torná-la pouco atraente para algumas gravadoras. Mas Shannon nunca se importou de ter que seguir os caminhos mais difíceis para chegar onde ela queria. Agora, com esse “Black irish”, não há a menor dúvida de que ela chegou a algum lugar bem interessante. Alternando ótimas canções próprias com releituras brilhantes para números como “It Makes No Difference”, (de Robbie Robertson, gravado por The Band), “I Ain’t Gonna Stand For It” (de Stevie Wonder,) “Low Rider” (de J J Cale), “Stuff You Gotta Watch” (de Muddy Waters) e “Let’s Go Home” (de Pops Staples, gravado pelos Staple Singers), Shannon mostra que não tem medo de encarar canções que, até então, pareciam já ter gravações definitivas. Sem contar que “Black Irish” é o primeiro disco de Shannon em 5 anos, depois de encarar um divórcio confuso e largar tudo para virar enfermeira de sua mãe por 4 longos anos, até sua morte no ano passado. O disco doi concebido lentamente em trocas de e-mails com seu amigo e produtor Rodney Crowell, parceiro musical de Emmylou Harris por muitos e muitos anos. Na hora de gravá-lo, saiu rapidinho. E os dois já tem um segundo disco praticamente finalizado para lançamento no ano que vem. Eu sou suspeito para falar de Shannon McNally. Sou fã do trabalho dela desde o começo e a acho talentosíssima e sub-avaliada pela crítica. Quem sabe a partir de “Black Irish” isso começa a mudar de figura.
JOAN OSBORNE
SONGS OF BOB DYLAN
(Womanly Hips)
Assim como Shannon McNally, Joan Osborne também vem desafiando classificações mercadológicas ao longo dos últimos 25 anos. Mas é tão talentosa e dona de um trabalho tão consistente em termos artísticos que nada parece conseguir derrubá-la. Todos com certeza lembram de seu sucesso estrondoso de 1995, “One Of Us”, que emplacou nas paradas do mundo todo (Brasil, inclusive), fazendo dela uma estrela aos 33 anos de idade. Desde então, ela vive sendo cobrada para compor uma nova ”One Of Us”, sempre diz que vai tentar, e depois desconversa. E então, sem aviso prévio, pega umas rotas musicais curiosas e sai gravando discos de country, soul, jazz e blues (e também produzindo discos de artistas clássicos de blues). Resultado: devem tê-la achado uma louca, e desistiram de cobrar dela outra “One Of Us”. Nesses passeios por praticamente todas as vertentes da música americana, Joan Osborne revelou-se uma intérprete do tipo que reinventa como compositora o repertório alheio. Seu novo disco só com canções clássicas de Bob Dylan está arrebatando a todos -- até ao próprio Dylan, que enviou a ela uma mensagem muito carinhosa um dia desses. É um trabalho magnífico, onde ela cria com novas roupagens musicais canções que estão incluídas, principalmente, nos discos “Blonde On Blonde” e “Blood On the Tracks”, aparentemente seus favoritos na longa discografia de Dylan. A ideia veio depois que Joan foi convidada para fazer uma temporada no lendário Café Carlyle, em Nova York, dentro de um projeto com shows temáticos, onde cada performer convidado homenagearia um compositor clássico. No início, Joan pensou no glorioso histórico do Carlyle e ficou na dúvida entre os repertórios de Harold Arlen ou de Irving Berlin. Mas então, Bob Dylan ganhou o Nobel, e ela pensou: “Bom, agora Dylan é um clássico, gostem disso ou não, e sendo assim meu show no Café Carlyle vai ser só com canções dele.”
SHANNON MCNALLY
BLACK IRISH
(Compass)
Shannon McNally nasceu em Nova York há 44 anos, mas gosta de afirmar que sua alma musical está no Texas. Desde seus primeiros discos, ao lado do guitarrista Doyle Bramhall II, ela passeia por um repertório que mescla blues, rock e country como se nada separasse um gênero do outro, e isso, de certa forma, dificultou um pouco sua entrada em muitas rádios mais específicas, além de torná-la pouco atraente para algumas gravadoras. Mas Shannon nunca se importou de ter que seguir os caminhos mais difíceis para chegar onde ela queria. Agora, com esse “Black irish”, não há a menor dúvida de que ela chegou a algum lugar bem interessante. Alternando ótimas canções próprias com releituras brilhantes para números como “It Makes No Difference”, (de Robbie Robertson, gravado por The Band), “I Ain’t Gonna Stand For It” (de Stevie Wonder,) “Low Rider” (de J J Cale), “Stuff You Gotta Watch” (de Muddy Waters) e “Let’s Go Home” (de Pops Staples, gravado pelos Staple Singers), Shannon mostra que não tem medo de encarar canções que, até então, pareciam já ter gravações definitivas. Sem contar que “Black Irish” é o primeiro disco de Shannon em 5 anos, depois de encarar um divórcio confuso e largar tudo para virar enfermeira de sua mãe por 4 longos anos, até sua morte no ano passado. O disco doi concebido lentamente em trocas de e-mails com seu amigo e produtor Rodney Crowell, parceiro musical de Emmylou Harris por muitos e muitos anos. Na hora de gravá-lo, saiu rapidinho. E os dois já tem um segundo disco praticamente finalizado para lançamento no ano que vem. Eu sou suspeito para falar de Shannon McNally. Sou fã do trabalho dela desde o começo e a acho talentosíssima e sub-avaliada pela crítica. Quem sabe a partir de “Black Irish” isso começa a mudar de figura.
JOAN OSBORNE
SONGS OF BOB DYLAN
(Womanly Hips)
Assim como Shannon McNally, Joan Osborne também vem desafiando classificações mercadológicas ao longo dos últimos 25 anos. Mas é tão talentosa e dona de um trabalho tão consistente em termos artísticos que nada parece conseguir derrubá-la. Todos com certeza lembram de seu sucesso estrondoso de 1995, “One Of Us”, que emplacou nas paradas do mundo todo (Brasil, inclusive), fazendo dela uma estrela aos 33 anos de idade. Desde então, ela vive sendo cobrada para compor uma nova ”One Of Us”, sempre diz que vai tentar, e depois desconversa. E então, sem aviso prévio, pega umas rotas musicais curiosas e sai gravando discos de country, soul, jazz e blues (e também produzindo discos de artistas clássicos de blues). Resultado: devem tê-la achado uma louca, e desistiram de cobrar dela outra “One Of Us”. Nesses passeios por praticamente todas as vertentes da música americana, Joan Osborne revelou-se uma intérprete do tipo que reinventa como compositora o repertório alheio. Seu novo disco só com canções clássicas de Bob Dylan está arrebatando a todos -- até ao próprio Dylan, que enviou a ela uma mensagem muito carinhosa um dia desses. É um trabalho magnífico, onde ela cria com novas roupagens musicais canções que estão incluídas, principalmente, nos discos “Blonde On Blonde” e “Blood On the Tracks”, aparentemente seus favoritos na longa discografia de Dylan. A ideia veio depois que Joan foi convidada para fazer uma temporada no lendário Café Carlyle, em Nova York, dentro de um projeto com shows temáticos, onde cada performer convidado homenagearia um compositor clássico. No início, Joan pensou no glorioso histórico do Carlyle e ficou na dúvida entre os repertórios de Harold Arlen ou de Irving Berlin. Mas então, Bob Dylan ganhou o Nobel, e ela pensou: “Bom, agora Dylan é um clássico, gostem disso ou não, e sendo assim meu show no Café Carlyle vai ser só com canções dele.”
CHICO MARQUES
é comentarista,
produtor musical
e radialista
há mais de 30 anos,
e edita a revista cultural
LEVA UM CASAQUINHO
e o blog musical
ALTO & CLARO
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