por Chico Marques
Muita gente acha que é fácil para filhos de artistas populares famosos seguir a mesma carreira dos pais.
Isso é um engano.
Se por um lado, um sobrenome famoso ajuda numa primeira investida no mercado, por outro lado a cobrança do público é sempre muito mais intensa sobre artistas que vem na esteira dos pais.
São raros os que conseguem virar figuras relevantes na cena artística, e mais raros ainda os que conseguem terminar ainda mais respeitados que seus próprios pais.
Nesta semana, escolhemos discos de pais muito conhecidos e filhos muito talentosos que seguem em busca de um lugar ao sol na cena musical.
De quebra, trazemos também um álbum solo e acústico de um band-leader famoso que trabalha frequentemente com seu filho -- que no momento prepara sua estreia solo --, mas que dessa vez optou por dispensá-lo.
Vamos a eles:
WILLIE NELSON
GOD'S PROBLEM CHILD(Sony Legacy)
Willie Nelson é um homem de 84 anos de idade que insiste em seguir desafiando as limitações que a idade e o tempo imprimem na vida da gente. Permanece na estrada por todos os cantos da América com sua road-band The Family, segue gravando dois ou três discos por ano, continua fumando maconha constantemente e faz questão de não negar fogo sempre que é assediado por alguma fã bonitona e carinhosa -- afinal, estar com 84 anos não é sinônimo de estar morto. Mas Willie também flerta constantemente com sua própria mortalidade, e embarca neste flerte sempre com uma ironia fina e um senso de humor implacável. É bem isso que rola nas sete canções assinadas por ele nesse seu estupendo novo trabalho "God's Problem Child", certamente seu melhor LP desde "Heartland" (1993). Tem jeitão de disco de despedida, como se fosse morrer amanhã, pois além de passar a limpo uma vida inteira de aventuras errantes e malcriações eventuais, ainda tenta negociar uma prorrogação para o jogo que ainda segue rolando. Mas o astral da empreitada está longe de ser baixo. As canções de terceiros escolhidas por Willie para completar o repertório do disco se encaixam perfeitamente no tema principal e ainda recebe participações-surpresa de amigos de uma vida inteira como o roqueiro dos pântanos Tony Joe White e o já saudoso Duque de Oklahoma Leon Russell em sua derradeira gravação. Com mais de 60 anos de carreira pelas costas, Willie Nelson continua o mesmo "cowboy fora da lei". Sua cabeleira ruiva ficou completamente branca, sua voz está um pouco mais cansada que nos anos anteriores e sua agenda de estrada está menos tumultuada e mais confortável do que era antes. Fora isso, Willie segue fazendo o que quer, do jeito que quer e quando quer, sempre guiado por sua até agora infalível "sabedoria cósmica". É um verdadeiro original americano. Merecia um cantinho só para ele, Bob Dylan, John Lee Hooker e Muddy Waters no Monte Rushmore.
LUKAS NELSON AND PROMISE OF THE REAL
(Fantasy)
(Fantasy)
Lukas Nelson tem muito mais a ver com seu pai Willie Nelson do que aparenta à primeira vista e à primeira audição. As vozes dos dois são parecidas, as canções despachadas de Lukas lembram alguns clássicos de seu pai, e o jeito de vida cigano dois dois é muito semelhante. E mesmo não sendo um intérprete e um compositor com personalidade musical tão bem definida e tão marcante quanto seu pai, Lukas está longe de fazer feio. Sem contar que é um anfitrião musical impecável à frente do Promise Of The Real, uma banda preguiçosa e cativante que passeia por vários gêneros musicais ignorando fronteiras musicais. Não é à toa que qualquer músico, de qualquer gênero, fica rapidamente à vontade no palco ao lado deles. Com mais de 10 LPs lançados -- contando com os dois gravados com Neil Young --, este aqui é o primeiro disco de Lukas Nelson & Promise Of the Real com um padrão de produção superior. Pode parecer bobagem, mas para uma banda com o perfil musical deles seria muito fácil naufragar nas mãos de um produtor inadequado. Felizmente, eles se saem bem nessa prova de fogo, deitando e rolando em 12 canções deliciosas e muito divertidas, numa levada musical descompromissada que alguns chamam de "psychedelic americana". Seja como for, é um disco delicioso, papai está orgulhoso -- ele toca guitarra na balada "Just Outside of Austin" -- e, no final das contas, é isso o que realmente importa. Em outras palavras: divirtam-se!
SO YOU WANNABE AN OUTLAW
(Warner Bros)
(Warner Bros)
Quando Steve Earle estreou em 1986 com "Guitar Town", o movimento “outlaw” criado por insatisfeitos de Nashville -- Waylon Jennings, Willie Nelson, Jessie Colter, Billy Joe Shaver, e ainda Johnny Cash e Kris Kristofferson -- que foram buscar base em Austin, no Texas, já estava em declínio, até porque Nashville havia se rendido a seu anti-conservadorismo. Mas seu legado híbrido, iconoclasta e inortodoxo está presente em praticamente todas as faixas de "Guitar Town". Pois bem: agora chegou a vez de Steve Earle prestar uma homenagem ainda mais explícita a eles. Reativou sua velha banda de country-rock The Dukes e preparou 12 números originais deliciosos, que remetem diretamente aos ideais dos "Insurgentes de Nashville" e também ao som urgente e rasgado de seu início de carreira. O resultado é simplesmente. Traz Steve Earle devidamente rejuvenecido, rapaginado e com o vigor de um menino. Vista seu chapéu de cowboy, xingue seu vizinho e divirta-se com "So You Wannabe An Outlaw" como trilha sonora.
JUSTIN TOWNES EARLE
KIDS IN THE STREET
(New West)
O tempo passa, o tempo voa, e Justin Townes Earle, filho do grande Steve Earle, já está completando 10 anos de carreira e talvez já possa ser considerado um veterano. "Kids In The Street" é seu 8º Lp e forma uma espécie de trilogia com "Single Mothers" (2014) e "Absent Fathers" (2015). Numa parceria musical com Mike Mogis, do excelente grupo Bright Eyes, Justin segue por uma trilha cada vez mais distante do alt-folk e do country-rock praticados por seu pai, explorando as mais diversas sonoridades americanas sem se preocupar em ficar inserido em algum gênero que facilite sua classificação perante os classificadores da Billboard. É um belo disco sobre o início da vida adulta, que chega no momento certo de sua vida e com o distanciamento necessário para gerar um tom levemente nostalgico. Um belo trabalho. Se você ainda não conhece o trabalho de Justin Townes Earle, "Kids In The Street" é uma excelente porta de entrada. Sejam bem-vindos.
JEFF TWEEDY
TOGETHER AT LAST
(BbPM)
Lá se vão 30 anos desde que Jeff Tweedy estreou no grupo Uncle Tupelo ao lado do grande Jay Farrar. Nos 7 anos em que permaneceram juntos, os dois criaram um vasto repertório de rocks com um leve sotaque country que levaram a banda a ser comparada a grupos clássicos como The Flying Burrito Brothers e Poco. Mas então, em 1994, o Uncle Tupelo debandou: Farrar montou o grupo alt-country Son Volt enquanto Tweedy criou o grupo alt-rock Wilco -- e, mesmo separados, os seguiram escrevendo páginas importantes da música popular americana moderna. Pois bem: Tweedy vive ameaçando engatar uma carreira solo há tempos, mas esses "discos solo" acabam sendo sempre projetos caseiros e despretensiosos gravados em seu estúdio pessoal nas férias do Wilco. Esse "Together At Last" é mais um desses discos. Traz versões solo-acústicas para canções que se encontram espalhadas pelos álbuns do Uncle Tupelo e do Wilco, e também de duas bandas de quais ele participa como convidado: Loose Fur e Golden Smog. Para os fãs de Tweedy, algumas dessas regravações são surpreendentes. Resgatam uma delicadeza que havia se perdido nas investidas mais pesadas nas gravações originais. Mas para quem não é fã de Tweedy, "Together At Last" pode soar meio sonolento. Não é um bom ponto de partida para esses recém-chegados conhecerem sua obra. Para eles, recomendo os discos originais do Uncle Tupelo e do Wilco, e também os do Loose Fur e do Golden Smog.
JUSTIN TOWNES EARLE
KIDS IN THE STREET
(New West)
O tempo passa, o tempo voa, e Justin Townes Earle, filho do grande Steve Earle, já está completando 10 anos de carreira e talvez já possa ser considerado um veterano. "Kids In The Street" é seu 8º Lp e forma uma espécie de trilogia com "Single Mothers" (2014) e "Absent Fathers" (2015). Numa parceria musical com Mike Mogis, do excelente grupo Bright Eyes, Justin segue por uma trilha cada vez mais distante do alt-folk e do country-rock praticados por seu pai, explorando as mais diversas sonoridades americanas sem se preocupar em ficar inserido em algum gênero que facilite sua classificação perante os classificadores da Billboard. É um belo disco sobre o início da vida adulta, que chega no momento certo de sua vida e com o distanciamento necessário para gerar um tom levemente nostalgico. Um belo trabalho. Se você ainda não conhece o trabalho de Justin Townes Earle, "Kids In The Street" é uma excelente porta de entrada. Sejam bem-vindos.
JEFF TWEEDY
TOGETHER AT LAST
(BbPM)
Lá se vão 30 anos desde que Jeff Tweedy estreou no grupo Uncle Tupelo ao lado do grande Jay Farrar. Nos 7 anos em que permaneceram juntos, os dois criaram um vasto repertório de rocks com um leve sotaque country que levaram a banda a ser comparada a grupos clássicos como The Flying Burrito Brothers e Poco. Mas então, em 1994, o Uncle Tupelo debandou: Farrar montou o grupo alt-country Son Volt enquanto Tweedy criou o grupo alt-rock Wilco -- e, mesmo separados, os seguiram escrevendo páginas importantes da música popular americana moderna. Pois bem: Tweedy vive ameaçando engatar uma carreira solo há tempos, mas esses "discos solo" acabam sendo sempre projetos caseiros e despretensiosos gravados em seu estúdio pessoal nas férias do Wilco. Esse "Together At Last" é mais um desses discos. Traz versões solo-acústicas para canções que se encontram espalhadas pelos álbuns do Uncle Tupelo e do Wilco, e também de duas bandas de quais ele participa como convidado: Loose Fur e Golden Smog. Para os fãs de Tweedy, algumas dessas regravações são surpreendentes. Resgatam uma delicadeza que havia se perdido nas investidas mais pesadas nas gravações originais. Mas para quem não é fã de Tweedy, "Together At Last" pode soar meio sonolento. Não é um bom ponto de partida para esses recém-chegados conhecerem sua obra. Para eles, recomendo os discos originais do Uncle Tupelo e do Wilco, e também os do Loose Fur e do Golden Smog.
CHICO MARQUES
é comentarista,
produtor musical
e radialista
há mais de 30 anos,
e edita a revista cultural
LEVA UM CASAQUINHO
e o blog musical
ALTO & CLARO
é comentarista,
produtor musical
e radialista
há mais de 30 anos,
e edita a revista cultural
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