DE
INSTALADOR DE AQUECEDORES A ESTRELA DO ROCK, CONHEÇA A VIDA EXCÊNTRICA DE JOE
COCKER
por
Ian Youngs para BBC-NEWS
Além
da icônica versão que fez para “With A Little Help From My Friends”, que todos conhecem,
a lista de grandes sucessos de Joe Cocker inclui "Delta Lady" (escrita
por Leon Russell), "The Letter" (dos Box Tops), "Cry Me a
River" (de Julie London), "You Are So Beautiful” (de Billy Preston”, “Guilty”
(de Randy Newman), “Jamaica Say You Will” (de Jackson Browne) e "It's a
Sin When You Love Somebody" (de Jimmy Webb) – além, é claro, da xaroposa "Up
Where We Belong", um dueto de 1982 com Jennifer Warnes, da trilha sonora
de "An Officer And A Gentleman".
Cocker
começou sua vida profissional trabalhando como instalador de aquecedores de gás
durante o dia e tocando em bandas de rock na cidade inglesa de Sheffield
durante a noite. Usando o nome artístico Vance Arnold, ele chegou a abrir shows
de bandas como The Rolling Stones e The Hollies na cidade.
Anos
depois, ele disse ter aprendido o estilo com Ray Charles, por quem tinha
"absoluta admiração". Seu primeiro single, uma versão de "I'll
Cry Instead", dos Beatles, não o levou a lugar nenhum. Ele perdeu o
contrato com a gravadora e voltou a instalar aquecedores. Continuou se
apresentando ao vivo, até que conseguiu um novo contrato, com a A&M
Records, e escolheu gravar "With A Little Help From My Friends" com
uma pegada soul, acompanhadopelo então guitarrista dos Yardbirds Jimmy Page.
Após
se tornar uma estrela no Reino Unido, foi para os Estados Unidos e ganhou fãs
ao aparecer no famoso programa de TV "The Ed Sullivan Show" - mesmo
com os produtores aparentemente tentando esconder seus movimentos atrás de um
grupo de dançarinas.
Em
1970, junto a 34 outros músicos, Cocker protagonizou a épica turnê "Mad
Dogs and Englishmen", cujos frutos renderam um disco ao vivo e um filme. A
turnê, entretanto, significou um enorme problema. Cocker faliu e ficou devendo
uma fortuna para os credores – sem contar seus abusos com álcool e drogas, que
às vezes o levavam a vomitar em pleno palco.
"As
pessoas me diziam que eu tinha feito shows terríveis e eu me recusava a
acreditar", disse o astro mais tarde. "Então alguém colocava uma
gravação minha e eu dizia: 'você só pode ter alterado esta música para me fazer
soar dessa maneira. Eu não canto mal assim'. Depois, então, percebi que aquilo
era eu mesmo." Em outra entrevista, ele explicou: "Se eu tivesse sido
mais forte mentalmente, não teria caído na tentação. Mas não havia clínicas de
reabilitação naquela época. Drogas eram superdisponíveis e eu mergulhei de
cabeça."
O
fundo do poço veio quando ele foi deportado das Austrália durante uma turnê, em
1972. Cocker havia sido preso por porte de drogas e por envolvimento em uma
briga no hotel em que se hospedava na cidade de Adelaide. Comenta-se que quando
a polícia entrou em seu quarto e perguntou se ele tinha maconha, ele
educadamente respondeu: "Tem um pouco em algum lugar por aqui".
As
coisas mudaram quando ele conheceu a esposa, a norte-americana Pam, em 1978. "No
começo dos anos 1980, eu reencontrei o foco - ou era isso ou eu ia acabar me
matando com tantas drogas", disse.
O
retorno às paradas musicais veio graças a seu dueto com Jennifer Warnes, que
virou um hit por todo o mundo entre 1982 e 1983. Depois disso, Cocker continuou
gravando e fazendo shows, lançando um total de 40 álbuns. Sua última aparição
entre as 40 músicas mais tocadas do Reino Unido aconteceu há 20 anos, com
"Let The Healing Begin".
Fora
dos palcos, Cocker viveu seus últimos anos num rancho no Colorado, onde ele e
Pam tinham uma lanchonete com o nome de um de seus principais sucessos -
"Mad Dog Cafe". Morreu em 21 de Dezembro de 2014.
Não
existe – e nunca existiu, e talvez nunca mais venha a existir – nada na música
popular americana que se compare a Bob Dylan. Em grandeza poética, existencial,
musical…não adianta, qualquer comparação com qualquer outro artista se revela
inútil nesse caso.
Nasceu
em Hibbing, Minnessota, em 24 de Maio de 1941, há 65 anos. Desde criança já era
bem diferente de seus colegas de escola. Na adolescência, gostava de motos,
Marlon Brando, literatura, rock and roll, e virava as madrugadas cometendo um
pecado mortal para um judeu caipira americano: ouvindo estações de rádio negras
de Chicago especializadas em blues, cujas ondas alcançavam a distante região de
Minnessota graças ao fabuloso espelho d’água dos Grandes Lagos do Meio-Oeste
americano.
Não
demorou muito até ele perceber que Hibbing não era grande o suficiente para
ele, e zarpou para Nova York, onde começou a cantar em bares no Greenwich
Village ao lado de alguns grandes heróis musicais seus – mestres do blues como
Lonnie Johnson, Sonny Terry, Little Junior Parker e Jimmy Reed, e do folk
moderno como Fred Neil e Dave Van Ronk.
Enquanto
seus dotes como músico floresciam, sua poesia ganhava força, e esses dois
fatores unidos acabaram chamando a atenção de John Hammond, o grande
descobridor de talentos da Columbia Records, que não sossegou enquanto não
arrumou um contrato para ele gravar um disco.
Seu
primeiro disco, de 1961, apresentava canções de vários artistas, principalmente
de Woody Guthrie, com certeza a influência mais forte naquele momento de sua
carreira, e foi um sucesso estrondoso nos círculos folk. De um momento para
outro, Dylan virou uma estrela no gênero, Isso aconteceu de forma mais intensa
logo após o lançamento de seu segundo disco, “The Freewheelin’ Bob Dylan”, só
com canções próprias, e ficou mais forte ainda após o lançamento do terceiro,
“The Times They-re A-Changin’”.
Por
volta de 1964, não havia na América um cantor folk mais sintonizado com sua
época e com uma poesia tão forte e imagética quanto ele. Daí em diante, sua
fama passou a seguir bem além dos círculos folk. Aos poucos os limites
estreitíssimos desse gênero começaram a virar uma prisão.
Foi
quando que Bob Dylan ensaiou a grande virada musical na sua carreira – a mais
contundente de toda a a história da música popular americana. É um pouco
difícil para as novas gerações entender a importância desse ato naquele momento
histórico, mas Dylan resolveu que estava na hora de deixar o violão e os palcos
do Village de lado, e pegar uma guitarra elétrica para se comunicar com o
público do rock and roll, que crescia absurdamente na América por conta da
explosão da contracultura em meados dos anos 60.
Ao
contrário das platéias folk, que abominavam o rock and roll, Dylan adorava –
cresceu ouvindo Elvis, Chuck Berry e Little Richard. E, à revelia das
expectativas das platéias folk, resolveu de uma hora para outra virar um
artista de rock and roll.
A
reação dos velhos fãs foi extremamente truculenta. Dylan entrou empunhando uma
guitarra Fender e acompanhado pela Paul Butterfield Blues Band no Newport Folk
Music Festival, em 65, e levou as primeiras grandes vaias da sua vida. Vaias
intermináveis, seguidas de uma debandada geral na platéia, inconformada com a
transformação radical de seu grande herói.
Mas,
na medida em que as platéias folk o abandonavam, as platéias roqueiras ganhavam
o porta-voz dos anseios de toda uma geração e de toda uma época. Ele
rapidamente se transformou no artista de rock and roll número um da América,
com discos magníficos como “Bringin’ It All Back Home”, “Highway 61 Revisited”
e principalmente “Blonde On Blonde”, que traziam canções poderosíssimas como
“Subterran Homesick Blues”, “Like A Rolling Stone”, “Rainy Day Women” e “Just
Like A Woman”.De repente, Dylan some da cena novamente. Motivo: um acidente de
motocicleta, bastante grave. Sua recuperação foi muito lenta. Por conta disso,
ele seguiu para a cidade de Woodstock, no estado de Nova York, alugando uma
casa cor de rosa com um porão enorme onde montou um estúdio de gravação. Que
acabou virando um hotel para músicos amigos que passavam os dias tocando com
ele.
Como
o engenheiro de som e produtor Rob Fraboni havia se mudado para lá, e gravava
tudo o que rolava, o resultado dessas sessões foi selecionado e enviado à
Columbia Records, que recusou os tapes alegando que eles eram pouco
comerciáveis e rústicos demais.
Curiosamente,
essas gravações vieram à tona no início dos anos 70 em discos piratas
disputadíssimos, que venderam um milhão de cópias, o que deve ter matado os
executivos da Columbia de ódio. Dylan não se importou com isso. Achou ótimo.
Até porquê daí em diante a Columbia nunca mais iria recusar nenhum disco dele,
fosse o que fosse.
Depois
desse período de reclusão, gravou uma sequência genial de LPs -- “John Wesley
Harding”, “Nashville Skyline” e “New Morning --, onde flerta abertamente com a
country music, e, de quebra, com várias outras modalidades musicais americanas
tradicionais. E então fez questão de embarcar num projeto do cineasta Sam
Peckinpah, o filme “Pat Garrett & Billy The Kid”, onde estreou como ator e
como compositor de trilhas sonoras.
Por
volta de 1973, ele, que não fazia uma tournée há cinco anos, caiu na estrada
novamente. E o melhor de tudo: conseguiu convencer seus velhos companheiros das
sessões de gravação na casa cor de rosa em Woodstock a ser novamente sua banda
de apoio numa longa tournée. Detalhe: esses velhos companheiros, ilustres
desconhecidos em 1968, eram agora The Band, a banda mais prestigiada da
América, e eles toparam a brincadeira.
Primeiro
gravaram um disco belíssimo de estúdio juntos – “Planet Waves”—e depois
brilharam nos palcos da América – e essa tournée vitoriosa está registrada no
magnífico album ao vivo “Before The Flood”. Com isso, Dylan fez mais uma grande
reentrada na cena musical americana. Gravou discos belíssimos como “Blood On
The Tracks”, “Desire” e “Street Legal”, e passou a engatar uma tournée na
outra, levando uma vida nômade.
Essas
tournées eram louquíssimas. A “Rolling Thunder Revue”, por exemplo, correu a
América toda em 1976 com um elenco de grandes estrelas passando só por cidades
pequenas, com shows mambembes montados em cinemas e praças públicas.
Já
na tournée seguinte, Dylan veio acompanhado por uma pequena orquestra de soul
music, para trazer aos palcos o clima carregado do belíssimo disco "Street
Legal".
E
depois disso teve ainda o flerte de Dylan ao cristianismo, que deixou a
comunidade judaica americana perplexa por dois anos e 3 discos de temática
gospel, decorrente de um perído extremamente sombrio em sua vida pessoal.
O
mundo inteiro aplaudiu o retorno de Dylan ao ceticismo judaísmo habitual em
discos brilhantes como “Infidels”, Ëmpire Burlesque” e “Oh Mercy”, e novas
tournées acompanhado pelo Grateful Dead e por Tom Petty & The
Heartbreakers. Sem contar a belíssima sequência de discos que vieram a seguir:“Time
Out Of Mind”, “Love And Theft”, "Modern Times" e “Tempest”. Enquanto
isso, ele segue em frente com sua “The Never Ending Tour”, em cartaz há dez
anos pelo mundo todo, sempre alternando apresentações em casas de porte médio
em grandes cidades com apresentações em clubes no interior, como já havia feito
na lendária "Rolling Thunder Revue", em 1976. No melhor estilo
cigano. No melhor momento de sua longa carreira. Aos 77 anos de idade.
Isso
é Bob Dylan. Dele, esperem sempre o inesperado. (Chico Marques)