O
FAMOSO QUEM: A POLÊMICA BIOGRAFIA DE PETE TOWNSHEND
por
Michiko Kakutani para The New York Times
“Ninguém
sabe o que é ser o homem mau”, escreveu Pete Townshend numa famosa música do
The Who. “Ser o homem triste por trás dos olhos azuis/Ninguém sabe o que é/ ser
odiado, predestinado a contar apenas mentiras”. Bem, em seu novo livro de
memórias, Pete Townshend nos diz exatamente, em outra canção, o que é ser “o
homem triste” e o músico que sorri e sorri abertamente “com todas as mudanças”
em sua vida. Ele responde à famosa pergunta da banda, “quem é você?”. E
possivelmente com mais detalhes que os fãs sempre quiseram conhecer.
Who
I Am é um livro sincero, sofrido, voltado para uma busca interior – às vezes
eloquente e prolixo, revelador e curiosamente conciso. Nele, Townshend,
guitarrista e compositor das músicas do The Who, faz um relato íntimo e doloroso
da sua vida como se numa sessão de terapia, e, ao mesmo tempo, narra a história
da banda desde quando ela surgiu no cenário musical de Londres nos anos 60 e se
tornou o símbolo da rebelião juvenil e do rock-and-roll ruidoso, anárquico.
O
autorretrato de Townshend é rude e inclemente. Ele conta como sofreu abusos na
infância e os sentimentos de vergonha, raiva e inquietação. Fala do uso de
drogas, da luta contra o álcool, da prisão por suspeita de manter consigo fotos
tiradas de um website de pornografia infantil.
Os
muitos conflitos internos do artista são exaustivamente delineados. Ele conta
como ficou dividido entre os anseios espirituais e a “vida rastejante” de uma
estrela do rock, entre as pretensões intelectuais e “uma autoestima
desesperadamente baixa”, entre seus compromissos com a família e as demandas do
“artista infantil, diabólico, o maldito egoísta, que vive na profundeza do seu
ser”, que “não deu a mínima importância para a paternidade”.
Seus
relatos da angústia mental que sofreu quando criança são terríveis: quando
tinha 6 anos foi enviado inexplicavelmente pelos pais para a casa da avó cruel
e mentalmente instável, que “acolhia homens da garagem de ônibus e da estação
de trem em frente do seu apartamento o tempo todo”; um desses homens, ele
sugere, o molestou. (As descrições de Townshend sobre este assunto são vagas.
“Consegui manter os detalhes longe do alcance da memória”, diz ele.)
Estas
passagens do livro não oferecem somente uma perspectiva da ira mordaz e da
violência que animaram as performances de Pete no palco, mas também são temas
autobiográficos destacados na ópera-rock da sua banda, Tommy, que relata a
história de um menino abusado e traumatizado que se torna uma espécie de
messias pop.
Talvez
porque o autor adote um enfoque mais voltado para o seu interior, Who I Am não
oferece um sentido visceral ou particularmente vívido, como Keith Richards em
seu livro Life de 2010, do que foi estar na estrada com uma banda de rock
famosa, do que era o tumulto dos anos 60 e 70 visto de dentro, quando o rock
and roll estava revolucionando o mundo.
Por
respeito à privacidade dos seus colegas de banda ou o desejo de se concentrar
na própria história de vida, Pete também se recusa a fazer retratos de Roger
Daltrey (que ele chama de “líder inquestionável da banda”, o que é
questionável), de Keith Moon ou John Entwistle, que deem muito mais a conhecer
as suas personalidades, seu talento musical ou as interações explosivas.
Jimi
Hendrix é um dos poucos músicos que realmente adquire vida nestas páginas. Ele
é descrito como um “xamã”, que parecia ter “uma luz colorida cintilante”
emanando “das pontas dos seus longos e elegantes dedos quando tocava”. Sob
certos aspectos, Townshend escreve, “as performances de Hendrix foram
emprestadas das minhas – o feedback, a distorção, a encenação teatral da
guitarra”, mas seu “gênio artístico reside na maneira como ele criou um som
todo próprio: a alma psicodélica, ou o que eu chamo de ‘impressionismo do
blues’”.
Sobre
Mick Jagger, Pete Townshend faz esta observação pessoal: “Ele é o único homem
com quem desejei seriamente fazer sexo e parecia ser muito bem dotado”. Quanto
a Keith Richards, Townshend diz que se lembra de vê-lo se aquecendo nos
bastidores em 1963 girando os braços como a hélice de um moinho; quando notou
que Richards não usou aquele movimento no show que fizeram juntos mais tarde,
“decidiu adotá-lo” – e naturalmente isso se tornou uma das suas marcas
registradas no palco, como a detonação de guitarras, que era sempre aguardada
pelos fãs do grupo.
Em
Who I Am, Pete descreve as proezas mais conhecidas do The Who: suas brigas com
Hendrix para saber quem se apresentaria em primeiro lugar no Monterey Pop
Festival de 1967; seus confrontos com Abbie Hoffman em Woodstock; e as famosas
destruições de quartos de hotel pela banda – incluindo uma comemoração de
aniversário de Keith Moon particularmente escandalosa que acabou com um Lincoln
Continental meio submerso numa piscina. O grupo foi proibido de se hospedar nos
hotéis da cadeia Holiday Inn para sempre.
Infelizmente,
tais descrições tendem a parecer uma repetição de histórias que o autor já
contou centenas de vezes antes; há alguma coisa truncada e vagamente
superficial nelas. Na verdade, a edição do livro todo às vezes parece peculiar:
embora o leitor obtenha muita informação sobre as lutas de Townshend com a
infidelidade conjugal e a bebida, outros trechos do livro estão repletos de
“cortes que quebram a continuidade da narrativa”, que a tornam irregular e
imprevisível e diminuem o ritmo do livro.
O
que Townshend consegue fazer com insight, verve e às vezes grandiosidade é
descrever como o The Who e sua música evoluíram; como o grupo “se dispôs a
expressar a alegria e a raiva” da geração que chegava à maturidade no “deserto
adolescente” que era a Grã-Bretanha após a Segunda Guerra Mundial, sob a sombra
da bomba atômica e profundamente distanciada do sistema de classes
estabelecido. É por isso que o som original do The Who – com toda a gritaria e
distorção, guitarras destroçadas e a bateria frenética de Moon, era tão
agressivo e explosivo.
Este
é o Pete Townshend teórico do rock – familiar para os fãs, que leram seus
ensaios e críticas de música, ouviram suas entrevistas repletas de reflexão.
Pete conta com toda sinceridade, nestas páginas, da influência que artistas
como Kinks e Bob Dylan exerceram sobre ele, lembrando que quando se sentou pela
primeira vez para escrever músicas para o The Who, ele se isolou na cozinha do
seu flat em Ealing e ouviu inúmeras vezes músicas como The Freewheeling’ Bob
Dylan; Better Git It in Your Soul, de Charles Mingus, do Mingus Ah Um; Devil’
Jump, de John Lee Hooker; e Green Onions, do Booker T and The MG’s.
Aqui
ele prova também ser uma espécie de historiador do rock, ao descrever o
ambiente musical na Grã-Bretanha dos anos 60, quando o rock explodiu. Descreve
como isso mudou drasticamente a velha ordem representada pelo swing que seu
pai, clarinetista e saxofonista, tocava numa banda chamada Squadronaires. E
explica como o The Who ampliou as fronteiras do rock, criando um dos primeiros
álbuns mais aclamados, como (The Who Sell Out de 1967) e foi pioneiro na
criação de uma ópera-rock, Tommy, em 1969.
Com
diz o autor, o predomínio do Who começou a ser corroído com a ascensão do rock
punk nos anos 70. “Embora músicas como My Generation e Won’t Get Fooled Again
tenham se tornado hinos de uma época particular”, ele escreve, em 1981 “um
abismo se abriu entre a banda e a nova geração”. Muitos leitores, contudo,
podem alegar que o movimento punk na verdade deve muito ao Who, em termos de
atitude de desafio e o som propulsivo, intrépido.
Numa
entrevista para a Rolling Stone em 1970, Pete afirmou com grandiloquência que o
rock era “o veículo primordial para tudo. É o veículo primordial para dizer
alguma coisa, para reprimir alguma coisa, para criar alguma coisa, para matar e
criar”. Ele defende com veemência este argumento – e a contribuição do Who para
a causa – nas páginas deste livro profundamente sentido, e muitas vezes pesado.
(TRADUÇÃO
DE TEREZINHA MARTINO)
ÁLBUNS DE ESTÚDIO
Who Came First (1972)
Rough Mix (com Ronnie Lane) (1977)
Empty Glass (1980)
All The Best Cowboys Have Chinese Eyes (1982)
Scoop (1983)
White City: A Novel (1985)
Another Scoop (1987)
The Iron Man: A Musical (1989)
Psychoderelict (1993)
Lifehouse Chronicles (box set de 6 CDs) (2000)
Lifehouse Elements (2000)
Scoop 3 (2001)
Scooped (2002)
ÁLBUNS AO VIVO
Deep End Live! (1986)
A Benefit For Maryville Academy (1999)
The Oceanic Concerts (com Raphael Rudd) (2001)
Magic Bus - Live From Chicago (2004)
Live Sadler's Wells 2000 (2000)
Live The Empire 1998 (2000)
Live The Fillmore 1996 (2000)
Live La Jolla Playhouse 22/06/01 (2001)
Live La Jolla Playhouse 23/06/01 (2001)
Live Bam 1993 (2003)
Live Brixton Academy '85 (2004)
plus...
Nenhum comentário:
Postar um comentário