sexta-feira, agosto 10, 2012

CAT POWER SE REINVENTA DE FORMA INUSITADA EM SEU NOVO LP: "SUN"


Difícil acreditar que Cat Power já seja uma veterana da cena independente americana...

Mas é verdade. O tempo passa para todos. O mais curioso é tentar reconhecer no trabalho que Chan Marshall -- o nome verdadeiro dessa novaiorquina louquinha de pedra -- desenvolve hoje a mesma anarquista folk-punk arrogante e desgovernada de seus primeiros discos "Dear Sir" e "Myra Lee", ambos gravados no mesmo dia, em 1995.

Ela começou sua carreira já enfiando o pé na jaca, abrindo shows para a desbocada Liz Phair numa tournée completamente perdulária. Foi quando conheceu Steve Shelley, baterista do Sonic Youth, e o guitarrista Tim Foljahn, do grupo Two Dollar Guitar, e transformou o conceito Cat Power numa banda de verdade.

Iniciou uma longa associação com a Matador Records que persiste até hoje, a partir de "What Would the Community Think?", de 1996, extremamente bem recebido pela crítica na época, que ficou impressionada com suas canções sempre derramadas de emoção e seus vocais catárticos.


Faltava ganhar o público.

E isso Cat Power conseguiu em mais dois discos de material original extremamente bem resolvidos: "Moon Pix", de 1998 e "You Are Free", de 2003, com participações especialíssimas de Dave Grohl e Eddie Vedder.

Foi mais ou menos por aí que ela decidiu flertar abertamente com a música produzida em Memphis, Tennessee, e mergulhou de cabeça no blue-eyed soul em discos como "The Greatest" e as coleções de covers "The Covers Record" e "Jukebox". Com resultados surpreedentemente positivos, diga-se passagem.

Era difícil acreditar, mas a irrascível Cat Power havia finalmente sido absorvida pelo mercado musical.

E o que é melhor: sem ter que vender a alma para nenhuma gravadora, nem ter que se submeter a algum produtor metido a gênio da raça empenhado em facilitar sua entrada no mainstream.


Pois a julgar por "Sun", o mais recente trabalho de Cat Power, tudo o que ela quer agora é justamente não ser aceita facilmente pelo mainstream.

Que se dane se o seu time está ganhando ou não. Ela insiste no seu apreço pelo incerto e segue topando qualquer parada para não virar escrava do pessoal de marketing de sua gravadora.

"Sun" é um disco muito agradável e, ao mesmo tempo, muito estranho também.

É consequência direta de suas recentes andanças pelo mundo afora, e vem repleto de loops musicais que lembram tanto o pop francês dos anos 70 quanto a bossa nova brasileira e o minimalismo de seu amigo Philip Glass.

Aqui ela está cantando bem melhor, sobrepondo sua própria voz em diversas camadas diferentes, e os arranjos trazem um instrumental cru e ao mesmo tempo sofisticado, repleto de surpresas e ousadias.

Para completar, é sua estréia, vitoriosa, como produtora.

Eu não ousaria destacar nenhuma faixa do disco. São todas muito envolventes. Acabo de ouvir o disco três vezes seguidas. É primoroso. Denso, suave, climático e cheio de atitude.

Convenhamos: não é pouca coisa.



"Sun" rompe com quase tudo que Cat Power vinha fazendo nos últimos anos.

A obsessão com o som de Memphis dos últimos discos foi por água abaixo, assim como qualquer resquício folk ou punk que ainda restasse no trabalho dela.

Permanece apenas a truculência melódica habitual, dentro de uma nova moldura sonora extremamente arrojada, inquieta e complexa.

Francamente, não acho que valha a pena ficar tentando definir com palavras o que Cat Power realizou aqui. Melhor ouvir "Sun" e tirar suas próprias conclusões. Só não espere nada fácil.

Ou seja: prepare-se para se deixar arrebatar mais uma vez pelo talento de Chan Marshall.

 BIO-DISCOGRAFIA
 http://www.allmusic.com/artist/cat-power-mn0000803009

WEBSITE PESSOAL
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quinta-feira, agosto 09, 2012

AIMEE MANN VOLTA MESCLANDO DENSIDADE EXISTENCIAL E CHARME NUM LP MAGNÍFICO


Quem acompanhou a passagem do grupo Til Tuesday pela cena pop americana em meados dos anos 80, jamais poderia suspeitar que aquela loira bonitinha que cantava quase sussurrado no grupo iria um dia se transformar numa das maiores compositoras pop americanas, produzindo canções de uma grandeza muito próxima à de Joni Mitchell e Rickie Lee Jones, suas mentoras.

Aimee Mann começou sua carreira ganhando as pessoas pela simpatia e pela delicadeza, mas aos poucos foi revelando uma habilidade literária na composição de suas canções -- quase sempre baseadas em vivências pessoais, mas jamais confessionais.

Os dois primeiros discos do Til Tuesday são apenas trabalhos medianos e sem grandes atrativos artísticos. Mas o terceiro e último disco da banda, "Everything´s Different Now" (1988), mostra um salto qualitativo considerável nas canções de Aimee Mann, e traz uma parceria dela com Elvis Costello que já nasceu clássica: "The Other End Of The Telescope".


Daí por diante, ficou claro que o talento de Aimee não cabia mais na banda, e não teve jeito: o Til Tuesday debandou.

Mas não sem antes arrumar uma confusão do tamanho de um bonde com a Epic, que, por brigas contratuais, impediu que Aimee se lançasse solo antes de 1993 -- quando finalmente brilhou com "Whatever", uma estréia magistral, e "I´m With Stupid", uma sequência brilhante, que emplacou dois singles arrebatadores: "That´s Just What You Are" e "You Could Make A Killing".

Então, veio "Bachelor #2" e o filme "Magnólia", criado pelo grande diretor e roteirista Paul Thomas Anderson a partir de algumas canções extremamente contundentes de Aimee, e o resultado foi que, na cerimònia dos Oscars de 2001, Aimee Mann foi revelada para o mundo inteiro.

Ao contrário do esperado, Aimee Mann não optou pelo big business e preferiu resguardar seu trabalho,   para manter sua autonomia criativa. Nos últimos dez anos, gravou cinco discos, quase todos conceituais ou, ao menos, temáticos.

E um muito diferente do outro.


"Charmer", seu mais recente trabalho, é uma deliciosa coleção de canções na mesma linha de "Bachelor #2" (2000), que circulam em torno de um mesmo tema: o aprendizado do uso cotidiano do Charme como meio de sobrevivência num mundo cada vez mais apegado a aparências.

As canções falam de desilusões, ilusões, descaminhos e revelações íntimas por meio de epifanias poéticas que mais parecem uma longa sessão de terapia. A maneira como Aimee promove a alternância desses temas faz com que o encadeamento das canções no disco soe perfeito.

Ela está em excelente forma artística. O tom de suas canções segue um padrão de serenidade muito interessante. Pelo visto, está vivendo um momento muito especial de sua vida. E isso, para quem a conhece de vários romances anteriores, acaba se refletindo no tom das suas novas canções.

Mas jamais espere otimismo em demasia na produção poética de Aimee Mann. A barra pesada está sempre logo alí na esquina, à espreita, em números contundentes como 'Living A Lie" e "Disappeared". 

A maneira como ela aborda esse universo, no entanto, é sempre feita com o devido distanciamento.
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E não há muito mais o que dizer, exceto que "Charmer" engana o ouvinte desavisado, pois é muito mais profundo do que aparenta à primeira vista, e também muito menos leve do que sua sonoridade indica.


Se bem que, para quem está familiarizado com o trabalho de Aimee Mann, isso não vai ser exatamente novidade. Aliás, para quem conhece e gosta do trabalho de Aimee Mann, "Charmer" tem tudo para ser um dos melhores discos desse ano.

Não sei quanto a vocês, mas eu adoro essa garota-enxaqueca encantadora, que acaba de completar 52 anos de idade insuspeitos.

Agradeçam por Aimee Mann continuar assim como sempre foi, complicada e perfeitinha.

Da minha parte, é um grande prazer poder saudar a sua volta.



BIO-DISCOGRAFIA
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quarta-feira, agosto 08, 2012

OMAR AND THE HOWLERS ESTÃO DE VOLTA NUM DISCO FULMINANTE: "I´M GONE"


Se tem uma coisa que Omar Kent Dykes apreendeu ao longo de seus quase 40 anos de carreira à frente do grupo texano Omar and the Howlers foi justamente não complicar o blues.

Não vale a pena, nem faz sentido, pois o blues é um formato de música simples e básico, que recebe facilmente coloridos externos vindos de outros gêneros musicais adicionados a ele, mas que também deteriora facilmente dependendo dos adititivos que recebe.

Uns podem até achar que isso é conservadorismo musical, mas não é não.

É preciso tomar certos cuidados para que essas cores, ao se misturarem com o blues, resultem numa combinação harmoniosa.

Caso contrário, corre-se o risco de perder o contato com a essência do gênero -- que é o grande mal que aflige artisticamente a imensa maioria das bandas de blues-rock que circulam por aí.



Desde que estreou em disco em 1980 no rastro de outra banda de Austin, The Fabulous Thunderbirds, Omar and the Howlers passou a ser considerado a segunda referência máxima em boogie, rhythm & blues e rock and roll e a party band favorita dos frequentadores da noite da cidade.

Começaram no formato power-trio, mas pouco a pouco passaram a receber um sua formação muitos músicos amigos como integrantes eventuais.
 
Resultado: num levantamento recente, descobriram que mais de 30 integrantes passaram por Omar and the Howlers de 1973 para cá -- entre eles, craques como os saudosos Gary Primich e Stevie Ray Vaughan.

Por conta disso, a banda foi pouco a pouco virando um veículo para o talento de Omar Kent Dykes, dono de um vozeirão privilegiado, um carisma fortíssimo no palco e um jeito festivo de misturar todos aqueles ingredientes que fazem parte da música do Texas no eclético repertório da banda, hoje espalhado por uma vasta discografia.


"I´m Gone" é o décimo-oitavo disco do Omar and the Howlers, e o primeiro trabalho de estúdio da banda em 9 anos -- período em que Omar andou trabalhando em projetos diferenciados ao lado de artistas amigos, ainda que mantendo a banda viva e ativa em tournées pela Europa e Japão.

Não se pode dizer que seja um LP que traga novidades ao som da banda. Pelo contrário: não há nenhum experimento novo em "I´m Gone". Apenas a reafirmação de que Omar and the Howlers permanecem imbatíveis no seu jogo, mesmo depois de tanto tempo sem lançar discos.

No entanto, pode-se dizer que eles nunca tocaram com tanta maestria quanto aqui, Funcionam como uma unidade perfeita, mais ou menos no formato de seus quatro primeiros discos, até hoje saudados como clássicos imbatíveis do blues-rock texano.

É como se a herança musical do boogie man Lightning Hopkins fosse mesclada com a herança musical do band leader tex-mex Doug Sahm, e tudo fervesse num mesmo caldeirão musical: o resultado é sempre delicioso.

Se for o caso de destacar algum número musical em particular, "All About The Money" e "Down At The Station" estão entre as mais marcantes canções de Dykes desde sempre, e a balada bêbada "Drunkard´s Paradise" soa como uma homenagem a outra grande banda texana atemporal: The Sir Douglas Quintet. Isso para não falar em "Take Me Back", que encerra o disco de forma fulminante, com a banda cuspindo fogo num número aceleradíssimo que se estende por mais de 6 minutos de duração.



Omar and the Howlers foi uma das bandas que, nos anos 70, ajudou a firmar a cidade de Austin, no Texas, como a Mecca da country-music alternativa, recebendo todos os artistas descontentes com o status quo de Nashville.

Merecidamente, a banda ganhou fama como uma das grandes instituições musicais da cidade, mas, de certa forma, deitou na cama, e se acomodou demais.Faltava talvez um desafio musical para dar uma nova motivação para seguir adiante indo além da mera repetição de tudo o que eles já fizeram. E "I´m Gone" parece ter vindo cobrir essa lacuna, além de restaurar a dignidade criativa dessa grande banda.

Sendo assim, coloque seu chapéu de cowboy, pouse o revolver na mesa, prepare umas doses de bourbon e ponha para tocar o novo disco de Omar and the Howlers.

E seja benvindo ao coração do Estado da Estrela Solitária.




BIO-DISCOGRAFIA
 http://www.allmusic.com/artist/omar-the-howlers-mn0000474865

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http://www.omarandthehowlers.com/

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segunda-feira, agosto 06, 2012

O LENDÁRIO JAZZMAN CURTIS FULLER TROUXE O TROMBONE, E O PRAZER É TODO NOSSO.


Trombonistas são as criaturas mais subestimadas do jazz.

Sempre eclipsados por saxofonistas e trumpetistas exuberantes, eles são constantemente subjulgados a um papel secundário ou terciário em qualquer arranjo musical que envolva um sexteto, septeto ou octeto de jazz -- sim, porque só se lembram de incluir um trombone na formação de um grupo de jazz depois de escalar ao menos um trumpetista e um ou dois saxofonistas.

Pois é uma pena que isso ocorra com tão pouca frequência. Sempre que um combo de jazz recebe um trombone em sua formação, todos os demais instrumentos crescem de forma graciosa e intensa.

Até por isso, ao longo de todo o Século XX, poucos trombonistas como J J Johnson, Kai Winding e Frank Rosolino conseguiram ser protagonistas na história do jazz, gravando com praticamente todos as grandes feras do gênero, e muito eventualmente comandando grupos por trás de suas gigantescas armações de metal brilhante que exigem um fôlego assombroso de quem se aventura a soprá-las.

Por essas e outras, é comum ver trombonistas se aposentando cedo.

Dos trombonistas clássicos da era do bebop, apenas um permanece vivo e ativo: Curtis Fuller.


Curtis Fuller está com 78 anos de idade e em plena atividade, comandando um grupo talentoso de jovens jazzistas meio século mais jovens que ele.

Fuller começou a tocar profissionalmente numa banda que Cannonball Adderley montou pouco antes de servirem o exército. Se alistaram juntos e acabaram integrando a Banda do Exército durante um ano.

Depois trabalhou com Kenny Burrell, Yusef Lateef, Benny Golson, Dizzy Gillespie, Coleman Hawkins, Art Blakey, Count Basie, Miles Davis... pode escolher qualquer artista de jazz: com certeza Curtis Fuller terá em seu curriculum alguma sessão clássica gravada ao lado dele.

Desde 1957, alterna discos como band-leader com experiências como sideman, e criou um estilo único no trombone, sustentando as oitavas em fraseados longos que acomodam muito bem qualquer improviso de qualquer solista por ele convidado, e também fazem dele um sideman muito requisitado.

Ao longo dos anos 90, comandou a Timeless All-Stars numa tournée contínua pelo mundo afora e praticamente abandonou sua carreira fonográfica -- até retornar de forma triunfal em 2004 num disco sensacional para a Delmark chamado "Up Jumped Spring".

De lá para cá, Curtis Fuller passou a trabalhar com os all-stars do Jazztet e vem gravando um LP a cada dois anos, além de seguir em tournée com um sexteto brilhante de Denver, Colorado, composto por Keith Oxman (sax tenor), Al Hood (trumpete, flugelhorn), Chip Stephens (piano), Ken Walker (contrabaixo) e Todd Reid (bateria).


É justamente esse pessoal de Denver que o acompanha nesse suingadíssimo "Down Home".

Aqui, Curtis Fuller esbanja delicadeza em blues e baladas, esboçando um bebop que nunca é rasgado e que jamais flerta com atonalidades. E que, mesmo assim, soa sempre extremamente jovial, moderno e melodioso.

Combinando metade do repertório com números originais de autoria de Fuller com a outra metade composta por clássicos do gênero nos anos 50 e 60, temos aqui jazz classudo, dançante, atemporal, extremamente bem executado e nada cerebral.

Portanto, quem presumir que o título "Down Home" é indicativo de "Nostalgia", vai se enganar.

Não é nada disso. Felizmente.



Curtis Fuller está vivendo um momento muito especial de sua carreira.

Ano passado ele gravou um dos discos mais bonitos da história recente do jazz, "The Story Of Cathy And Me", em homenagem a sua companheira de toda a vida -- que acabara de falecer --, repleto de canções que marcaram seu longo casamento, e algumas novas.

Um pouco antes, com esse mesmo sexteto de "Down Home", gravou outra pequena obra-prima, "I Will Tell Her", só com composições dele próprio, ao vivo em tournée.

É um dos renascimentos musicais mais festejados pela cena jazzística dos últimos anos, e é a reafirmação desse gênero musical incomparável e de primeira grandeza.

Se você gosta de jazz, tente conhecer toda a produção recente de Curtis Fuller. É magnífica. Vale a pena.

Aliás, vale o prazer.



BIO-DISCOGRAFIA
http://www.allmusic.com/artist/curtis-fuller-mn0000139566

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quinta-feira, agosto 02, 2012

O LONGO CAMINHO DE VOLTA DE KEVIN ROWLAND E OS DEXYS MIDNIGHT RUNNERS


Em meio à efervescência pós-punk do final dos anos 70, havia uma banda de Birmingham com um cantor irlandês que reciclava o folk celta com o soul americano com uma receita ligeiramente diferente da que Van Morrison e o grupo Them haviam usado nos anos sessenta -- só que com resultados tão explosivos e expressivos quanto.

Essa banda era o Dexys Midnight Runners do guitarrista Al Archer e do tecladista Mick Talbot, mas principalmente do cantor, compositor e gênio pop Kevin Rowland, que idealizou o conceito da banda, mantendo-a funcionando de forma brilhante por três discos magníficos gravados num período de 5 anos extremamente turbulentos

O Dexys começou com dez integrantes e uma série de compactos poderosos para a EMI que emplacaram mundialmente nas paradas -- "Geno, "Burn It Down" --, além de um LP absurdamente vigoroso chamado "Searching for the Young Soul Rebels" (1980), que saudava de forma eloquente a herança soul americana nas Ilhas Britânicas.

Para o segundo disco, já na Mercury Records, Kevin Rowland aproximou o Dexys ainda mais de seu mentor Van Morrison injetando uma dose cavalar de folk celta no som da banda e um toque pop que refinou o som bruto dos Dexys, sem jamais deixar o suingue de lado -- e isso gerou "Too Rye-Aye" (1982), um dos discos fundamentais daquele período.


Mas a essa altura do campeonato, a fama de perfeccionista temperamental de Rowland já tinha chegado à diretoria da gravadora, que não se conformava com o fato dele gastar tanto tempo e tanto dinheiro em estúdios de gravação, além das quedas de braço constantes entre ele e executivos de empresas financiadoras deixaram um histórico de desavenças e contas a pagar que por pouco não arruinaram o terceiro disco da banda, "Don´t Stand Me Down" (1985), que, apesar de tudo, conseguiu ser ainda mais refinado e denso que os trabalhos anteriores -- em parte pelo apoio luxuoso do ex-pianista do Atomic Rooster, Vincent Crane, convocado para substituir Mick Talbot, que saiu do Dexys para se juntar a Paul Weller no igualmente genial Style Council.

Mas, infelizmente, o Dexys estava tão desgastado a essa altura do campeonato que todos os integrantes abandonaram o barco em meio a uma tournée desastrada, pois não suportavam mais conviver com Kevin Rowland.

Paralelo a isso, a Mercury tentou impor um método de trabalho menos dispendioso para Rowland -- uma criatura totalmente perdulária, diga-se de passagem -- e levou um não pela cara.

Um não que acabou custando muito caro para Kevin Rowland.

Nesses últimos anos, Rowland permaneceu atrelado a um contrato leonino com a gravadora, que lançou mais dois discos solo -- "The Wanderer" (1988) e "My Beauty" (1999) --, que, apesar de ótimos, não vingaram e o afundaram ainda mais em dívidas e em drogas.

Por tudo isso, em 2005, quando começou a correr por aí a notícia de que Rowland estaria reformando o Dexys Midnight Runners com vários integrantes originais para gravar um novo disco, todos os admiradores da banda, habituados com o processo criativo demorado de Kevin Rowland, acharam por bem esperar sentados.




Pois agora, finalmente, "One Day I´m Going To Soar", o disco de retorno do Dexys Midnight Runners vê a luz do dia, e a sensação que isso desperta é bastante estranha.

Primeiro por conta da leveza do projeto e da pegada suave e envolvente das novas canções, que oscilam entre o smooth soul de Marvin Gaye e um jeitão pop dance hall bem distante do despojamento dos dois primeiros discos da banda.

(detalhe: esse conceito light da banda original se estende ao nome, que agora está reduzido a Dexys)

E segundo porque o resultado é ótimo.

Eu confesso que fiquei relutante a princípio, achando que Rowland havia diluído o som dos Dexys a um nível perigoso, afastando-o demais de sua proposta original e desprezando elementos que talvez fossem o que a banda tinha de melhor. Mas não. A essência dos Dexys permanece intacta. Só a moldura do quadro está meio diferente.

Kevin Rowland está cantando melhor do que nunca. Mick Talbot está de volta ao piano com um toque que lembra mais o Style Council do que propriamente seu trabalho prévio com o Dexys. A nova cantora Madeleine Hyland é simplesmente espetacular. As canções são todas excelentes, costuradas pelo tema recorrente "Now", que resgata a velha combinação da sessão de metais soul com violinos celtas que é a marca registrada do som do Dexys, deixando que nuances musicais variadas tragam um recheio diferente para o disco.

Não é o caso de destacar um número ou outro. "One Day I´m Going To Soar" é admirável, e estranhamente perfeito. Tanto quanto os 3 trabalhos anteriores dos Dexys.


O Dexys pretende sair em tournée mês que vem pela Inglaterra para promover "One Day I´m Going To Soar", dessa vez sem o stress que marcou as relações pessoais deles nos anos 80..

Quem conhece o histórico deles sabe o quanto o dia a dia de uma tournée pode ser temeroso, e que as chances da banda não conseguir sobreviver a uma tournée são altíssimas.

Resta torcer para que Kevin Rowland esteja mais tranquilo com a idade, agora distante do álcool, da cocaína e da trip de popstar que diversas vezes fez com que ele não sentisse mais o chão, passando anos e anos privando a todos de seu enorme talento.

"One Day I´m Going To Soar" é o resgate à cena principal de um dos maiores artistas musicais que a Grã-Bretanha já produziu, e havia se perdido.

Tomara que, dessa vez, o retorno de Kevin Rowland seja para valer.

  
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domingo, julho 29, 2012

PITTY & MARTIN E SEU FOLK FOFO E AGRIDOCE


Taí uma baianinha prá lá de arretada.

Desde bem pequena, quando ainda era Priscilla Novaes Leone e imitava Kurt Cobain cantando "Smells Like Teen Spirit" no karaokê do bar de seu pai, em Porto Seguro.

Criada num ambiente bem rock and roll à beira-mar, ela nunca se desgarrou de suas origens -- daí, quando seguiu para Salvador para estudar Música na Universidade Federal da Bahia, ninguém estranhou quando ela se envolveu com várias bandas de rock até finalmente conseguir formar sua própria, que ela batizou com seu apelido de infância: Pitty.

Pitty foi descoberta rapidamente por gente de A&R da Universal que procurava urgentemente alguém que tivesse gabarito para se candidatar a ocupar a vaga deixada por Cassia Eller no cenário musical brasileiro.



Então, em 2003, aos 25 anos de idade, Pitty estreou com um disco de rock poderoso: "Admirável Chip Novo", esbanjando atitude e um sotaque baiano bem carregado.

No ano seguinte, ela e a banda repetiram a dose em "Anacrônico", ainda mais cru e truculento que o disco anterior.

Enquanto isso, Pitty destruía corações por aí, sendo eleita pelo público a mais bela cantora de rock da América Latina, e flertar com o mercado internacional através de DVDs ao vivo poderosíssimos, que pouco a pouco abriram as portas da cena independente americana para ela.

Mas então, depois de "Chiarossauro"(2009), um terceiro disco meio esquisitão, e de uma tournée milionária, Pitty decidiu dar um tempo. E deu.

E não deu maiores explicações.



Foi aí que ela e o guitarrista Martin Mendonça decidiram apostar num projeto paralelo chamado Agridoce, só com canções folk.

Que, para surpresa geral, deu certíssimo: gravaram um belo disco do final de 2011, fizeram uma tournée internacional bem rápida e até se apresentaram no badaladíssimo Festival South By Southwest, em Austin, Texas.

Criado a partir de horas ociosas e descompromissadas ao piano e violão em uma casa nudo começou a Serra da Cantareira, o Agridoce traz sonoridade leve, letras densas e melodias que evidenciam o amadurecimento e auto conhecimento dos músicos.

São canções que recriam a imagem de rock da dupla e expressam a busca por novos desafios musicais, além de deixar transparecer a forte influência poética e musical de artistas como The Smiths, Eddie Vedder e Sean Lennon, inspirações assumidas do casal.

Curiosamente, a Agridoce começou como uma brincadeira, que acabou ficando séria quando Pitty e Martin publicaram no MySpace uma gravação preliminar de "Dançando". Foi o suficiente para que a brincadeira ganhasse o status de projeto, e a partir daí os dois começaram a acalentar a idéia de gravar um disco nesse formato.

A coisa cresceu tanto que o Agridoce agora está em tournée pelo Brasil, seguindo pelos circuitos alternativos. E, para dar um gás adicional à empreitada, Pitty & Martin acabam de lançar um EP com quatro faixas que ficaram de fora do disco de estréia -- que não acrescentam muito às 12 que compõem o disco original, mas servem para fazer algum barulho na Imprensa.



Enfim, às vésperas de comemorar dez anos de carreira e já poder ser considerada uma veterana da cena roqueira brasileira, essa adorável baianinha segue trazendo surpresas muito bem vindas.

Mesmo no formato folk, a postura de Pitty permanece essencialmente roqueira, e sua música, inquieta.

Já Martin parece relutante: “Quando fomos gravar, deixamos as músicas seguirem seus próprios caminhos. Ainda estou meio confuso para tentar entender em que o nosso som se transformou”

Seja lá o que for, é intenso, é honesto, e é surpreendente.

E é também estranhamente... agridoce.

  
BIO-DISCOGRAFIA
 http://pt.wikipedia.org/wiki/Pitty

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http://agridoce.net/ 

LPS JÁ À VENDA NA DISQUERIA-SANTOS:
 

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THE PHANTOM BLUES BAND REAFIRMA SUA ALMA AMERICANA EM "INSIDE OUT"


Quando Henry Saint Clair Fredericks Jr. -- ele mesmo, o fabuloso bluesman do Harlem, Nova York, conhecido por Taj Mahal -- montou uma banda só com craques para acompanhá-lo no disco e na tournée "Dancing The Blues" (1993), num momento particularmente incerto de sua longa carreira, mal ele sabia que estava apadrinhando o surgimento do melhor, mais criativo e mais eclético grupo de blues atualmente em atividade.

Desde então, a Phantom Blues Band tem sido uma combinação curiosa de talentos de vários músicos de estúdio muito tarimbados da região de Memphis, Tennessee, requisitadíssima por artistas como Bonnie Raitt, Joe Cocker e até B B King.

Comandada pelo organista Mike Finnigan -- que participou das bandas de Stephen Stills e Dave Mason nos anos 70 -- e pelo guitarrista Johnny Lee Schell -- colaborador de longa data de artistas como Bonnie Raitt e John Hiatt --, a Phantom Blues Band conta com uma cozinha impecável -- Larry Fulcher no contrabaixo e Tony Braunagel na bateria -- e ainda o sopro suingado do trumpetista Darrell Leonard e do saxofonista Joe Sublett, ambos texanos de Austin.

Juntos, eles trabalham um repertório que usa o blues e o rhythm & blues como ponto de partida para aventuras musicais as mais diversas pelo gospel, pelo jazz, por ritmos latinos, pela country music e, claro, também pelo rock and roll. Detalhe importante: sempre alternando 3 vozes diferentes na linha de frente do repertório  do grupo.

Se esse tipo de formação lembra um certo qunteto canadense que ficou famoso depois de ter sido banda de apoio de Bob Dylan no final dos anos 60, acredite: a semelhança com The Band não é mera coincidência.



Ninguém pode acusar o pessoal da Phantom Blues Band de imediatismo.

Seu primeiro disco, "Out In The Shadows" (2006), foi gravado quando a banda completou 13 anos de atividades, depois de participar de vários discos e tournées de Taj Mahal, e foi concebido com muita cautela, trazendo apenas duas composições dos integrantes e muitos covers de clássicos do rhythm & blues.

O segundo disco, "Footsteps", gravado no ano seguinte, já traz metade do repertório de autoria da banda, revelando o alto gabarito das composições de Finnigan e Schell e a pluralidade musical que torna o som da Phantom Blues band absolutamente inclassificável, mas completamente cativante.

Mas então, cinco anos se passaram sem nenhum disco novo da Phantom Blues Band, deixando no ar a pergunta: o que terá sido feito daquela banda espetacular, que estava indo tão bem?



Pois bem, a resposta a essa e outras perguntas está em "Inside Out", o muito aguardado terceiro disco ds Phantom Blues Band.

São 13 números -- metade de autoria deles próprios -- tão envolventes e tão agradáveis que fazem com que os 52 minutos de duração do disco passem voando.

Não é para menos: a combinação Hammond B3 mais uma guitarra limpa na linha de frente, com uma cozinha bem suingada e dois hornmen cuspindo fogo logo atrás, raras vezes funcionou tão bem quanto com esses experientes rapazes, e, particularmente, no contexto desse disco.

Entre as saídas musicais mais inusitadas estão alguns números soul rasgados como "So Far From Heaven", que conta com Joe Sample, dos Cruzaders, no piano, e "Change", um upbeat irresistível que lembra os áureos tempos da Muscle Shoals Rhythm Section.

Tem também uma releitura contagiante de "Shame, Shame", de Jimmy McCracklin, que resgata em grande estilo a essência do beat pedestre de Memphis, uma das instituições musicais americanas mais relevantes dos Século XX.

E, claro, não podemos esquecer da belíssima valsinha "It´s All Right", que lembra algumas das melhores contribuições de Robbie Robertson para o repertório de The Band.

Acreditem, não é pouca coisa o que temos aqui. É música de primeira grandeza.





A Phantom Blues Band pode não ser ainda uma grande instituição musical americana, mas caminha a passos largos para chegar lá em breve.

Basta mais um ou dois discos ousados e no mesmo padrão de excelência de "Inside Out", e pronto.

Quer um conselho? Não deixe para descobrir isso daqui a 4 ou 5 anos o que você pode descobrir hoje.

Siga a trilha gloriosa da Phantom Blues Band rumo à alma musical da América.



BIO-DISCOGRAFIA
http://www.allmusic.com/artist/phantom-blues-band-mn0000844831

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