terça-feira, julho 22, 2014

CHRISSIE HYNDE ESTRÉIA SOLO E ESCANTEIA OS PRETENDERS POR TEMPO INDETERMINADO


Todo mundo adora falar mal dos anos 80.

É compreensível.

Foi uma época terrível, onde qualquer manifestação artística pop tinha que virar blockbuster obrigatoriamente e as gravadoras não apostavam mais em qualquer coisa que não flertasse abertamente com o mercadão.

Mas o fato é que quem não estava no mainstream na ocasião e conseguiu ter jogo de cintura para se virar na recém-surgida cena alternativa, buscando apoio promocional nas college radios, bem ou mal conseguiu se virar, e pouco a pouco conseguiu um lugar ao sol na nova cena musical que foi surgir forte mais para o final da década.


Quando a americana Chrissie Hynde surgiu à frente dos Pretenders na Londres do início dos anos 80, bem na fase derradeira da efervescência punk londrina -- ou seja, dois anos depois do desmantelamento dos Sex Pistols e um ano depois do marco "London Calling" do Clash -- a morte do rock and roll foi adiada mais uma vez, e a cena musical anglo-americana suspirou aliviada.

Chrissie era boa demais para ser verdade: bonita, sensual, carismática, ótima cantora e band-leader com uma atitude feroz.

Os Pretenders, por sua vez, eram o veículo perfeito para ela, graças principalmente à bateria truculenta e estranhamente sofisticada de Martin Chambers, e forneciam a muralha sonora perfeita para os manifestos políticos e sentimentais de Chrissie.



A partir do terceiro disco, "Learning To Crawl", as composições dela -- que eram o único quesito de qualidade discutível nos dois primeiros discos da banda -- ganharam um toque de excelência que surpreendeu a todos, elevando os Pretenders da condição de promessa para a de grupo bem estabelecido.

E foi assim por 30 anos e 11 álbuns muito bons.

Mas então, em 2010, Chrissie deu sinais de que os Pretenders talvez já pertencessem ao passado.

Participou do LP "Fidelity!" ao lado do singer-songwriter e namorado JP Welsh, com quem compôs todas as canções e dividiu todos os vocais.



E agora, com esse "Stockholm", as evidências do fim dos Pretenders ficam mais claras ainda. Se "Fidelity!" já era um flerte com o pop, 'Stockholm" -- composto integralmente em parceria com o Björn Yttling, da banda pop sueca Peter Bjorn and John -- reafirma essa tendência, mesclando melodias fortes com números bem roqueiros, à moda dos Pretenders, só que mais estilizados musicalmente e menos musculares.

O resultado é muito positivo, uma bela coleção de novas canções, sendo que duas delas já nascem clássicas: "You Or No One" e "Dark Sunglasses".

Nas faixas que encerram "Stockholm", Chrissie se autoquestiona sobre a real necessidade de gravar um disco solo, mas não conclui coisa alguma, provavelmente de propósito, deixando entender que talvez esteja apenas tirando férias tanto de sua velha banda quanto do rock and roll acelerado que sempre pontuou seu trabalho como cantora e compositora.

Parece sincera, mas... vai saber?

O caso é que não dá para negar que ela está muito bem posicionada artisticamente nesse novo contexto.

Tanto que não consegue -- e nem quer --  esconder o prazer de estar recomeçando novamente sua carreira de forma mais leve, só com bagagem de mão, num trabalho tão bacana quanto esse "Stockholm".

Fico feliz por Chrissie.

Mas triste pelos Pretenders.



WEBSITE OFICIAL
http://chrissiehynde.com/

DISCOGRAFIA
http://www.allmusic.com/artist/pretenders-mn0000492331/discography

AMOSTRAS GRÁTIS

quarta-feira, julho 02, 2014

PHISH UNE FORÇAS A BOB EZRIN E JÁ NÃO É MAIS UM PEIXE FORA D'ÁGUA NOS DISCOS DE ESTÚDIO.


Toda jam-band que se preze padece da mesma sina.

Seus discos de estúdio, por melhores que sejam, empalidecem sempre que equiparados a suas performances ao vivo.

Essa regra implacável vale tanto para bandas clássicas dos anos 60, como o Grateful Dead e a Allman Brothers Band quanto para jam-bands mais jovens, como o Phish, na estrada há "apenas" 31 anos.

Composto por músicos de altíssimo gabarito -- o guitarrista Trey Anastasio, o baterista John Fishman, o baixista Mike Gordon e o tecladista Page McConnell --, o Phish se afirmou rapidamente entre o público universitário desafiando definições musicais e fazendo nos palcos uma brincadeira na qual se revelaram imbatíveis:

Vira e mexe, sem aviso prévio, tocam discos clássicos de outros artistas na íntegra, seguindo a sequência original das faixas -- só que reinventando os arranjos à moda deles.






Pequenas legiões de fãs seguem p Phish em suas tournées na esperança de serem surpreendidos por setlists com a íntegra dos álbuns favoritos dos integrantes da banda -- como o "White Album" dos Beatles, "Remain In Light" dos Talking Heads, 'The Dark Side Of The Moon" do Pink Floyd ou "Quadrophenia" do Who.

Mas, independente disso, os 11 álbuns de estúdio da banda, apesar de muito bons, continuam sendo considerados tanto pela crítica quanto pelo público -- além, é claro, das mulheres e dos familiares mais próximos dos integrantes da banda -- como meros apêndices para suas performances ao vivo -- essas sim,  registradas em mais de 30 cds não menos que sensacionais.

Desanimados com essa situação, os rapazes do Phish passaram a direcionar as canções novas que compunham para seus álbuns solo, e com isso o Phish passou a entrar em estúdio para gravar discos com material inédito apenas de cinco em cinco anos, cumprindo sua cota de lançamentos anuais com álbuns gravados ao vivo.


Mas então, ano passado, numa conversa com o veterano produtor musical Bob Ezrin, veio a idéia de utilizar no próximo disco do Phish um processo inusitado de gravação bem diferente do "live in the studio" praticado por eles desde sempre.

E o resultado é esse "Fuego", que acaba de chegar às lojas.

É o disco de estúdio mais "vivo" de toda a história do Phish. E também o mais trabalhoso de todos eles, já que todos os instrumentos gravados separadamente por Ezrin, que conduziu o processo utilizando recursos comuns nos estúdios nos anos 70, mas que a maioria dos produtores e músicos mais jovens desconhecem por completo, ou então desistiram de usar por existirem soluções mais práticas e descomplicadas.

O resultado é uma vigorosa viagem musical do Phish, explorando combinações musicais sempre difíceis de definir em palavras, mas deliciosas de se ouvir.


Dizer mais o que desse grande LP?

Que a jam de 10 minutos que abre o disco é genial?

Que a homenagem que eles fazem ao Grateful Dead em "Devotion To A Dream" é emocionante?

Que "Halfway To The Moon" é uma das melhores canções que Lennon e McCartney não compuseram?

Que o Phish nunca gravou um repertório tão variado e ao mesmo tempo tão forte e coeso?

Ouçam "Fuego" e vocês vão entender o que eu estou tentando não dizer.


WEBSITE OFICIAL
http://phish.com/

DISCOGRAFIA
http://www.allmusic.com/artist/phish-mn0000333464/discography

AMOSTRA GRÁTIS 
PERFORMANCE ESPECIALÍSSIMA NO LIVE ON LETTERMAN 
CBS-TV 24 DE JUNHO DE 2014


sexta-feira, junho 20, 2014

ARTO LINDSAY NÃO CABERIA JAMAIS NUM "THE BEST OF", DAÍ ESSA "ENCYCLOPEDIA OF ARTO"


Arto Lindsay nasceu em Pernambuco, e cresceu ouvindo frevo, tropicalistas e rock and roll.

Quando se mudou para Nova York e começou a trabalhar como guitarrista, compositor e arranjador, levou toda essa bagagem com ele em várias das bandas por onde passou.

Algumas delas muito pouco conhecidas, como o DNA e o Mars.

Outras, muito badaladas, como o Golden Palominos, os Lounge Lizards e seu projeto mais querido, The Ambitious Lovers -- duo pop avant-garde que ele formou com Peter Scherer no ínício dos Anos 80, gravando 3 LPs que resistem bravamente ao passar dos anos.

De 1984 para cá, Arto vem se dedicando a projetos conceituais totalmente independentes e um tanto quanto idiossincrpáticos que concederam a ele "cult status", mas passaram desapercebidos por muitos dos seus velhos admiradores dos tempos dos Ambitious Lovers.


Essa antologia recém-lançada, estranhamente entitulada "Encyclopedia Of Arto", tenta corrigir essa rota reagrupando sua obra e contextualizado as diversas fases de sua carreira sob um novo prisma.

São dois discos bem distintos.

O primeiro focaliza as bandas por onde passou e oscila pelo avant-garde e pelo pop dançante dos tempos do No Wave.

Já o segundo coloca em perspectiva sua carreira solo, onde mescla suas raízes musicais brasileiras com música eletrônica, e resgata em gravações de estúdio e ao vivo números que se encontravam semi-esquecidos, que agora podem ser apreciados por um público mais amplo e mais atento.

A sequência das faixas não oferece uma combinação temática.

O caos predomina, para o bem ou para o mal,

Mas o conjunto funciona bem.



Arto Lindsay é um completo estranho no ninho tanto na cena musical novaiorquina quanto na brasileira há mais de 30 anos.

É tido como estrangeiro tanto no país onde nasceu quanto no país onde vive.

Deve ter sido difícil para ele no começo, mas hoje, pelo visto, ele já deve estar habituado com essa condição.

"Encyclopedia Of Arto" pode ser tanto um excelente ponto de partida para mergulhar de cabeça na obra
desse artista pop inclassificável quanto um ponto de chegada.

Até porque Arto Lindsay não faz concessões, e nunca pretendeu ser consensual.

Artistas de verdade são assim.


WEBSITE PESSOAL
http://artolindsay.com/

DISCOGRAFIA AMBITIOUS LOVERS
http://www.allmusic.com/artist/ambitious-lovers-mn0000019362/discography

DISCOGRAFIA SOLO
http://www.allmusic.com/artist/arto-lindsay-mn0000793623/discography

AMOSTRAS GRÁTIS

JOHN LURIE CONVIDA VOCÊ A PESCAR SURPRESAS MUSICAIS INUSITADAS E SABOROSAS


Quem não queria ser John Lurie nos Anos 80?
Verdade seja dita: não havia ninguém mais cool do que ele no meio do showbiz novaiorquino. 
Como ator, ele arrasava em performances inesquecíveis nos primeiros filmes de Jim Jarmush, "Stranger Than Paradise" e "Down By Law", que fizeram dele um "instant darling" do cinema independente da época.
Como pintor, é altamente gabaritado, e seus quadros estão presentes em museus e galerias do mundo inteiro. Já lançou dois livros com suas obras: "Learn To Draw" (2006), que reúne seus desenhos em preto e branco, e "A Fine Example Of Art" (2008), com 80 pinturas a óleo de sua produção recente. 
Já como personalidade de TV, Lurie criou, produziu e estrelou o talk-show mais insólito de todos os tempos: "Fishing With John", onde pescava e conversava fiado com amigos como Dennis Hopper, Tom Waits e Willem Dafoe. Num dos episódios -- foram produzidos apenas 6 deles -- ele ensina como pescar tubarões com uma pistola automática.
E como saxofonista do grupo The Lounge Lizards, John Lurie sempre desafiou classificações. A mais certeira delas talvez tenha vindo de Robert Palmer, do The New York Times, que escreveu certa vez que "Lurie explora novos territórios musicais à Oeste de Charles Mingus e à leste de Bernard Herrman".

The Lounge Lizards era uma banda muitíssimo especial.
Sempre ao lado de seu irmão, o talentoso pianista e band-leader, John desenvolveu conceitos musicais incomuns, que irritavam tanto os jazzistas mais ortodoxos quanto o pessoal do jazz fusion mais cerebral. Incomodados com o sucesso do grupo, diziam por aí que a música dos Luries era inconsequente e pouco séria. Para John e Ethan, no entanto, isso soava quase como um elogio.
Na falta de um rótulo melhor, The Lounge Lizards acabaram sendo abençoados pela Imprensa especializada sob o rótulo "punk-jazz" -- uma tolice, sem dúvida, mas uma tolice inofensiva, que acabou fazendo bem à banda, ampliando seu público e evitando que ficasse restrita ao meio do jazz que a hostilizava com um sorriso nos lábios.
Durante exatos 20 anos, o grupo virou o jazz novaiorquino de ponta cabeça, e exibiu em suas formações artistas tão inclassificáveis quanto os irmãos Lurie: os guitarristas Arto Lindsay e Marc Ribot, os bateristas Grant Calvin Weston e Billy Martin, os baixistas Eric Sanko e Tony Garnier, além do saxofonista Michael Blake e o trumpetista Steven Bernstein.
E então, em 1999, Lurie estreou solo de forma inusitada com um projeto entitulado "The Legendary Marvin Pontiac Greatest Hits", em que apresentava aos americanos a suposta obra de um grande compositor africano de origem judaica completamente desconhecido na Europa e na América, que, depois de uma vida difícil e cheia de perseguições e maus tratos, teria enlouquecido e abandonado sua carreira. Era um disco estranhíssimo, mas bom. Pela primeira vez, John cantava num disco. Gente como David Bowie e Leonard Cohen saudou a iniciativa e aplaudiu a iniciativa.
Mas então, para surpresa de todos -- inclusive da gravadora, dos produtores e dos músicos envolvidos no projeto -- ficou comprovado mais tarde que Marvin Pontiac nunca existira. Era apenas um personagem fictício criado por John Lurie. Pegou mal com todo mundo. Foi aí que começou a correr um boato de Lurie estaria perdendo a razão. 
Na verdade, Lurie havia sido diagnosticado com Lyme, uma doença autoimune transmitida por um carrapato comum em veados e ursos no Hemisfério Norte, que provoca desarranjos neurológicos crescentes em seres humanos. Por conta dela, Lurie anda com dificuldade e não consegue mais atuar nem tocar saxofone.

Mas consegue pintar.

E, de 15 anos para cá, vem pintando cada vez melhor. 
John Lurie mora e trabalha há alguns anos numa casa em Big Sur, California, onde recebe apenas dois amigos: o baixista Flea, do Red Hot Chili Peppers, e o ator e diretor Steve Buscemi.

Por tudo isso, o lançamento de um disco com gravações inéditas e pouco conhecidas da John Lurie como esse "The Invention Of Animals" é extremamente bem-vindo.
Eu confesso que fiquei um pouco assustado quando li que a John Lurie National Orchestra que assina o disco é na verdade um spin-off um tanto quanto excêntrico dos Lounge Lizards -- apesar do nome pomposo, trata-se apenas de um trio, com Lurie nos saxofones e a dupla de bateristas Billy Martin e Calvin Weston.
Mas assim que comecei a ouvir o trio, ficou claro que não se tratam de solos contínuos de Lurie com a sessão rítmica correndo atrás dele, e sim de um trabalho de trio mesmo, com ritmo e melodia interagindo o tempo todo.
As faixas mais breves foram gravadas em estúdio e usadas como trilha incidental para o programa de TV "Fishing With John". Não há espaço para virtuosismos em nenhuma delas. São temas hipnóticos por excelência e estranhamente envolventes.
A grande surpresa do disco está nas duas faixas mais longas, gravadas ao vivo num nightclub novaiorquino, que revelam um trio poderoso que não cansa de testar os limites do formato, sempre evitando cair na armadilha de permitir que os indivíduos se sobreponham ao conjunto.






"The Invention Of Animals" faz par com 'Men With Sticks" (1993), único disco anterior da John Lurie National Orchestra, e é um experimento bem mais radical que os Lounge Lizards, mas nada inacessível. 
O que temos aqui é apenas música leve, envolvente, cativante e bem-humorada.
Se você é daqueles que não consegue dissociar música inteligente de música cerebral, prepare-se para rever alguns conceitos com esse delicioso "The Invention Of Animals": um posfácio brilhante para a carreira de um músico absolutamente único e inimitável: o caçador de tubarões John Lurie.

WEBSITE PESSOAL 
http://johnlurieart.com/

DISCOGRAFIA SOLO
http://www.allmusic.com/artist/john-lurie-mn0000196826/discography

DISCOGRAFIA THE LOUNGE LIZARDS
http://www.allmusic.com/artist/the-lounge-lizards-mn0000757665/discography

AMOSTRAS GRÁTIS