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Até bem pouco tempo atrás, a cena musical independente americana servia como trampolim para que jovens artistas chegassem ao “mainstream”.
Grupos hoje extremamente bem sucedidos como REM, Wilco e Phish ralaram um bocado fazendo o tradicional trabalho de formiguinha na promoção de discos e shows pelas rádios universitárias do país afora -- muitas vezes dormindo de favor na casa de amigos por absoluta falta de verba para bancar um hotel.
Nos últimos dez anos, no entanto, a crise na Indústria Fonográfica e o surgimento das novas medias eletrônicas forçaram a cena independente a mudar de cara.
Para muito melhor, diga-se de passagem.
Antes os produtores independentes se preocupavam em criar projetos ousados apenas na medida certa para chamar a atenção e conseguir rapidamente a bênção de algum executivo das grandes corporações musicais.
Hoje, diante da impossibilidade de qualquer artista independente virar um “million seller”, ninguém precisa mais sacrificar a natureza de seu trabalho bajulando executivos em troca de acesso ao estrelato.
Na verdade, esse fenômeno mercadológico começou muito antes da crise da Indústria Fonográfica. Basta rever o filme “Singles”, de Cameron Crowe, sobre a cena roqueira de Seattle no início dos anos 1990, para constatar que a prática de criar planejamentos mercadológicos visando autopromoção não é nenhuma novidade. A novidade é que passou a existir uma cena independente forte, viável e próspera. Capaz de abrigar as mais diversas manifestações musicais sem impor restrições ao processo criativo desses novos artistas.
Dois bons exemplos dessa nova tendência são os grupos americanos Fleet Foxes e My Morning Jacket.
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O Fleet Foxes é, em princípio, um grupo de folk rock. Estranhamente surgido em Seattle, faz uma música leve e ensolarada que pouco ou nada tem a ver com a metereologia da cidade. Imaginem grupos de British Folk como o Fairport Convention ou o Steeleye Span usando vocalizações semelhantes às de Brian Wilson nas canções dos Beach Boys. Ou a superbanda californiana Crosby Stills Nash & Young cantando madrigais do Século XVI. Ou ainda Jon Anderson e Chris Squire reinventando “The Yes Álbum” num contexto totalmente folk. É mais ou menos por aí.
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Mas a música dos Fleet Foxes está longe de ser apenas uma colcha de retalhos musical atemporal. Formado por músicos na faixa dos 25 anos de idade – Robin Pecknold no vocal principal e nas guitarras, além de Skyler Skeljet (guitarras), Brym Lumsden (baixo), Nicholas Peterson (bateria) e Chris Wellcott (teclados) --, eles produzem música acústica com um frescor e uma leveza difíceis de se encontrar hoje na cena folk. Seu liquidificador musical incorpora influências as mais diversas, como Elliott Smith, Bob Dylan e Judee Sill, a ponto de um crítico dizer que eles parecem ter iniciado seu trabalho em Laurel Canyon (na Grande Los Angeles) em 1970 e desabrochado só agora.
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Seu primeiro LP surgiu em 2008, pelo selo Sub Pop, e foi seguido de uma tournée que fez muitos amigos pela Inglaterra, Austrália e Nova Zelândia. Pois agora eles estão de volta com “Helplessness Blues”, uma nova coleção de canções delicadíssimas ainda mais envolventes que as que brilharam no LP de estréia da banda. É um trabalho extremamente ousado e bem produzido, que incorpora dissonâncias psicodélicas a arranjos musicais cada vez mais barrocos. Basta uma audição para perceber porque os Fleet Foxes estão a um milhão de anos de distância de outras bandas folk atuais, como o Mumford & Sons. A música deles é ousada, inusitada. Desafia definições, e, de tão prazeirosa e original, até inibe reflexões críticas. Não duvide: “Helplessness Blues” é um daqueles discos com o poder de clarear qualquer cotidiano sombrio, que ganham o ouvinte na primeira audição. Se você ainda não conhece os Fleet Foxes, experimente. O encanto musical dessa banda é irresistível.
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Musicalmente falando, o My Morning Jacket é ainda mais aventuresco que os Fleet Foxes, mas sempre seguiu caminhos bem diferentes. Quando apareceram no final do século passado, queriam apenas tocar como o Crazy Horse e trafegar pelo universo musical de Neil Young. Mas eram de Louisville, Kentucky, e morriam de medo de ser classificados dentro do universo restritivo do rock sulista, moldado por bandas como Lynyrd Skynyrd. Daí, começaram a fazer experiências inusitadas, para tentar soar diferente de tudo o mais na cena musical, e a brincadeira deu bons resultados. O primeiro LP da banda chamou a atenção de pouca gente nos Estados Unidos. Mas, graças a uma pequena tournée européia feita na raça, o My Morning Jacket voltou para casa com boas críticas e novas perspectivas. Não demorou muito até conseguirem um contrato com um selo associado à RCA, e serem saudados como sendo da mesma linhagem aventuresca do Phish e do Wilco. Apesar de seu blend musical ficar mais estranho disco após disco -- mesclando desde Velvet Underground a Prince até country, folk, blues, reggae e rock progressivo --, é ao vivo que a banda se garante. E como se garante...
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O sucesso de bandas como os Fleet Foxes e o My Morning Jacket na cena musical independente americana é sintomático de que -- enquanto as grandes gravadoras ainda apanham para tentar se ajustar às novas dimensões do mercado fonográfico – toda uma geração de novos artistas já achou a saída para o futuro da música gravada. O sonho dourado de estrelato foi descartado. O abismo do fracasso também. Permanece a música e o público. Cada vez menos distantes um do outro. Cada vez mais generosos um com o outro. Cada vez mais integrados um ao outro.
É sempre bom lembrar que a última vez que um fenômeno desse tipo aconteceu foi na segunda metade dos anos 1960, e os resultados estão aí até hoje.
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HIGHLIGHTS
"HELPLESSNESS BLUES"
HIGHLIGHTS
"CIRCUITAL"
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