sexta-feira, maio 27, 2011

TRÊS DIVAS: ALISON KRAUSS, K D LANG E MARIANNE FAITHFULL (por Chico Marques)


É triste, mas desde que inventaram os especiais de TV da série “Divas VH1” cerca de 15 anos atrás, qualquer cantora cafona e chata -- como Mariah Carey e Celine Dion, por exemplo – parece ter ganho o direito de se autodenominar Diva, mesmo sendo apenas uma gralha pop.

Quem já viu esses shows de horrores na TV sabe bem do que estou falando. Nada mais constrangedor do que ver nesses programas cantoras de verdade sendo obrigadas a contracenar com essas criaturas que miam nos microfones. para com isso se manterem no mainstream da cena musical.

Aretha Franklin – essa sim, uma Diva de verdade -- chutou o balde em grande estilo quando foi chamada para gravar uns duetos no "Divas VH1". Não teve piedade, e jantou três ou quatro dessas matracas pop em menos de 4 minutos, enquanto cantava "You Make Me Feel Like A Natural Woman", de Carole King . E nenhuma delas chiou. Reclamar equivaleria a passar recibo de incompetência. Foi engraçadíssimo. Moral da história: Diva de verdade pode o que quiser, e ponto.

Assim como Aretha, que manteve sua dignidade inabalada nesse episódio, existem várias artistas bem estabelecidas na cena musical anglo-americana que ainda conseguem se preservar desse tipo de exposição indecente.

A americana Alison Krauss é uma que foge desses eventos sempre que pode. Foi esnobada pelas TVs musicais por muitos e muitos anos, até que faturou um Grammy por seu LP em parceria com Robert Plant três anos atrás. Daí em diante, passou a ser muito requisitada para diversas festas idiotas aqui e acolá. Nunca disse tantos “Obrigado, Não” quando nesses últimos anos.

A canadense K D Lang é outra que sempre foi preterida nesses programas. Não que eles tenham preconceito contra lésbicas – para quem não sabe, K D foi a primeira cantora da cena country a sair do armário na América. Prefiro acreditar que as Divas da VH1 tenham morrido de medo de ser literalmente devoradas por ela, até porque seu apetite sexual voraz por outras cantoras já virou lenda no meio.

E tem ainda a londrina Marianne Faithfull, veteraníssima, que nunca foi e nunca será convidada para participar de qualquer coisa por lá porque provavelmente nenhuma das Divas da VH1 jamais conseguiria cantar no timbre estranhíssimo dela.

Todas as três são de primeiríssimo time, e estão de volta com novos trabalhos de alto gabarito, que não fazem concessões ao mercadão. Vamos a elas. E a eles:


Alison Krauss está comemorando 40 anos de vida e 28 anos de carreira. Se alguém dissesse que, um dia, uma violinista adolescente com formação clássica iria se tornar um dos expoentes máximos da country music americana, certamente seria chamado de louco. Pois Alison usou o violino clássico para tentar mergulhar na alma do bluegrass e do folk, e não só deu certo como também chegou onde nenhum rabequeiro de Nashville jamais esteve. Sempre com sua incansável banda, The Union Station, ela estreou em disco aos 14 anos de idade, e nunca mais parou, somando até agora 13 LPs gravados que são apreciados tanto por platéias country quanto por fãs de jam bands e de jazzistas crossover. Havia até dois meses atrás uma grande expectativa em torno do que seria seu trabalho seguinte a “Raising Sand”, seu premiado disco em parceria com Robert Plant, que ganhou o Grammy 3 anos atrás.


Pois a espera compensou. ‘Paper Airplanes” é, certamente, o mais conciso de todos os LPs de Alison Krauss & The Union Station. A loura de Illinois está cada vez melhor como intérprete, esbanjando sensibilidade em releituras para “Dimming Of The Day”, de Richard Thompson, e “My Opening Farewell”, de Jackson Browne. Já como compositora, ela surpreende com canções tristes e reflexivas, conseqüência de um casamento recém-terminado, como “Miles To Go” e “Sinking Stone”. "Paper Airplanes" é um trabalho maduro, muito bem seqüenciado, onde o bluegrass de câmara do Union Station afirma mais uma vez que country music pode ser recheada com música instrumental de primeira grandeza. E aos que desconfiaram que, depois do estrelato recente, Alison iria ficar muito maior que sua banda a ponto de engolí-la, “Paper Airplane” prova justamente o contrário – tanto que o guitarrista Dan Tyminski assume os vocais em nada menos que 3 canções do disco. Um LP belíssimo, sob medida para fazer com que pessoas normalmente reticentes a country music revejam seus conceitos. E se rendam.


K D Lang veio da região de Alberta, e tem sangue esquimó, Dona de uma voz magnífica e apaixonada pelos legados musicais de Patsy Cline e Roy Orbison -- mas adepta de um visual andrógino que nunca lhe facilitou as coisas na conservadora cena country --, K D conseguiu aos poucos seu passaporte para a mesma cena alternativa americana que abrigara outros artistas de difícil classificação, como Lyle Lovett e Steve Earle. Seus 3 LPs para a Sire Records são primorosos – em particular o terceiro, “Absolute Torch & Twang”, que a lançou internacionalmente. Mas de "Ingénue" em diante, ela optou por uma musicalidade mais convencional dentro do pop mainstream e, paralelamente a isso, assumiu em entrevistas sua opção pelo lesbianismo, o que segmentou seu público de forma perigosa para sua carreira – que ia de vento em popa até então. E justo quando parecia que iria conseguir reverter esse quadro a seu favor -- em duetos magníficos com Roy Orbison e Tony Bennett --, ela própria sabotou esse esforço embarcando num ativismo homossexual meio duvidoso que acabou por ofuscar seu trabalho musical em LPs excelentes como “Drag”, “Hyms Of The 49th Parallel” e “Watershed”.


Seu novo trabalho, “Sing It Loud”, tenta corrigir alguns desses equívocos. E até consegue. Aqui, pela primeira vez em 22 anos, K D Lang se reassume como artista country pop, produzindo afinal a tão aguardada seqüência para seu melhor LP, “Absolute Torch & Twang”, e seguindo um padrão musical alt country que -- nunca houve a menor dúvida quanto a isso -- cai como uma luva para ela. Os flertes com o pop permanecem, mas bem equilibrados, numa levada musical que remete ao trabalho de grupos como Son Volt e Wilco. Todas as canções do disco são memoráveis e de sua autoria – com excessão de “Heaven”, dos Talking Heads. “Sing It Loud” beira a perfeilão. Se K D Lang não fosse tão teimosa, esse belo disco não teria levado tantos anos para vir à tona. Mas antes tarde do que nunca. Só nos resta torcer para que seu público de outras épocas ainda não tenha desistido dela. Conheço dois ou três velhos admiradores que vão vibrar com essas boas novas.


Marianne Faithfull é outro caso complexo. Linda e muito popular em 1964, quando ganhou o mundo com o compacto “As Tears Go By”, de Mick Jagger & Keith Richards, ela conseguiu impor através de sua voz frágil e docemente ríspida um padrão novo e original que, de tão pessoal, poucas cantoras ousaram tentar seguir na época. Extremamente bem sucedida a princípio, foi terrivelmente prejudicada por seu casamento turbulento com Mick Jagger, por suas pretenções como atriz e, last but not least, por sua dependência de heroína e constantes tentativas de suicídio. Demorou muito para Marianne perceber que nada daquilo tudo apontava para lugar algum. Foi quando tentou retomar sua carreira musical. Em vão.

Passou a primeira metade dos anos 1970 num limbo artístico muito cruel. Só conseguiu achar foco para seu carreira ao se reinventar por completo, já em plena era punk, com o LP “Broken English” -- certamente o trabalho mais contundente de uma cantora-compositora inglesa naquela período. Daí em diante, encontrou um público fedelíssimo que nunca mais iria abandoná-la. Mergulhou de cabeça no repertório de Kurt Weill em “20th Century Blues”, e gravou vários LPs alternando canções próprias com outras de seus amigos Tom Waits e Nick Cave. Três anos atrás, recuperada de uma mastectomia, topou fazer “Easy Come Easy Go”, um álbum de covers com duetos para acabar com todos os outros álbuns de covers com duetos -- onde contracenou com amigos como Antony, Rufus Wainwright, Nick Cave, e até Keith Richards.


Agora, Marianne está de volta, com um LP mais inusitado ainda. “Horses & High Heels” foi inteiramente gravado em New Orleans com os jovens músicos do excelente grupo Lower 911, que vem trabalhado com Dr. John nos últimos anos. O resultado é desconcertante e inusitado, contrapondo a abordagem musical sombria de Marianne com o frescor musical desses jovens músicos. Suas canções recentes são todas ótimas -- provas irrefutáveis de que ela, com o passar dos anos, conseguiu tornar-se uma compositora de mão cheia. Mas é em “Goin' Back”, de Carole King e Gerry Goffin, um dos quatro covers do disco, que o bicho pega pra valer. Quem diria que, um dia, alguém conseguiria inserir numa canção tão blasé quanto esta uma carga existencial tão intensa. É como se Marianne, aos 65 anos de idade, finalmente conseguisse enxergar novamente em si mesma aquela linda menina de 17 anos que em 1964 encantou o mundo todo, e que há muito havia perdido de vista. Só esse resgate emocional já faria de “Horses & High Heels” um disco essencial. Mas tem mais, muito mais, de onde veio essa pérola. Cabe a vocês descobrir. Não tenham medo de Marianne Faithfull. A turbulência ficou para trás.


Voltando ao início da conversa, e tentando fechar o assunto: para ser Diva de verdade é preciso ter, antes de mais nada, estofo artístico e um talento excepcional para a vida.

Alison Krauss, por exemplo, é Diva porque reinventou o bluesgrass e o folk com uma atitude quase camerística, que nunca havia sido tentada antes.

K D Lang é Diva porque nunca teve medo de arriscar uma carreira de sucesso numa empreitada perigosa que a afastou de seu lugar de direito na cena musical atual por quase 15 anos.

E Marianne Faithfull... bem, Marianne é Diva porque já foi ao Inferno e voltou algumas vezes, sempre encarnando uma Ofélia junkie que possui todas as características de uma personagem trágica, menos uma: insiste em permanecer viva, ativa, e bem.

Convenhamos: não é para qualquer uma.

Entendeu, Mariah Carey? Entendeu, Celine Dion? Entendeu, VH1?



ALISON KRAUSS
Discografia, Trechos de Entrevistas e Fotos



K D LANG
Discografia, Trechos de Entrevistas e Fotos



MARIANNE FAITHFUL
Discografia, Trechos de Entrevistas e Fotos





HIGHLIGHTS
Alison Krauss & Union Station
"Paper Airplanes"






HIGHLIGHTS
K D Lang
"Sing It Loud"







HIGHLIGHTS
Marianne Faithfull
"Horses & High Heels"





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