Imaginem um menino inglês rebelde e criativo, filho de um agente do MI5, que cresce em meio a toda a turbulência da Segunda Guerra Mundial, e que passa a maior parte de sua infância pulando de cidade em cidade sem conseguir estabelecer raízes em lugar nenhum.
Como manter sua sanidade intacta a não ser mergulhando fundo em sua imaginação e abraçando alguma modalidade artística -- no caso, o rock and roll -- que permita a ele botar para fora toda a angústia provocada por essa condição?
Okay, para a imensa maioria das pessoas do Planeta Terra manter uma atitude rock and roll depois dos 70 anos é muito difícil, pelos motivos mais diversos. Mas para alguém como Ian Hunter, a recíproca é que é verdadeira.
E não se trata de uma opção.
Na verdade, parece mais uma maldição, pois ele jamais saberia viver de outra maneira.
A trajetória profissional de Ian Hunter começa no início dos anos 50, pulando de banda em banda e sempre se esforçando para imitar no piano o toque infernal de seu grande herói musical, Jerry Lee Lewis.
Ingressou no Mott The Hoople em 1968 num golpe de sorte. A banda acabara de demitir seu vocalista e de ser contratada pela Island Records, e precisava entrar logo em estúdio para gravar seu primeiro disco.
À primeira vista, Hunter parecia estar na banda errada. O Mott The Hoople tocava muito pesado. Não havia, em princípio, espaço no som da banda para encaixar um piano. E menos espaço ainda para suas baladas com letras viajantes e cheias de metáforas caleidoscópicas, à moda de Bob Dylan.
Mas a personalidade forte de Ian Hunter acabou prevalecendo sobre os outros integrantes da banda, e a banda acabou ficando com a sua cara musical. Em pouco tempo, ele passou a assinar mais da metade do repertório do Mott, e seu piano honky-tonk passou a comandar o ataque pesado das guitarras do grupo.
Os quatro LPs que o Mott gravou para a Island são ótimos, ainda que completamente caóticos. Por conta disso, nunca despertaram a confiança da gravadora -- que tinha em seu elenco bandas estáveis e muito rentáveis, como o Free e o Traffic -- para promovê-los melhor. Ao final do contrato com a Island, o desgaste era tamanho que todos concordaram que não valia a pena continuar com o Mott The Hoople.
No entanto, aos 45 minutos do Segundo Tempo, entra em cena David Bowie, e convence todos a permanecer em seus lugares.
De quebra, se dispõe a produzir um disco para eles e colocar ordem na banda.
E... bem, o resto é história. O Mott assinou com a Columbia, explodiu mundialmente com 'All The Young Dudes" em 1972 e virou de uma hora para outra uma das maiores e mais rentáveis bandas de glam heavy-rock, ao lado do T. Rex e dos Spiders From Mars de David Bowie, Paralelo a isso, Ian Hunter virou uma estrela pop, e o resto da banda, não. Isso gerou uma ciumeira implacável que, pouco a pouco, foi implodindo a banda -- isso justamente no momento em que ela estava no topo, após emplacar dois grandes discos: "Mott" (1973) e "The Hoople" (1974).
Ian Hunter, por sua vez, já estava com o saco tão cheio do nhem-nhem-nhem de seus colegas que decidiu sair do Mott juntamente com o guitarrista Mick Ronson, e os dois montaram uma banda só deles. Juntos, gravaram discos espetaculares de 1975 até 1993, quando Ronson morreu, de cirrose hepática.
Infelizmente, a carreira solo de Hunter ao longo desses quase 40 anos nunca foi um grande sucesso de público, fazendo dele um eterno prisioneiro da fama do Mott The Hoople.
Isso, com certeza, o incomodou muito durante os anos 80 e 90, quando viu sua estrela apagar impiedosamente disco após disco.
Não é fácil constatar que, mesmo com uma obra tão extensa, o que segurava sua carreira solo em pé naquela altura do campeonato eram aquelas mesmas velhas canções do Mott The Hoople, que todo mundo gostava e ainda queria escutar
Da virada do século para cá, no entanto, a carreira de Ian Hunter renasceu com muito vigor em uma série de discos excepcionais, muito bem recebidos por crítica e público.
Esse processo começou timidamente com 'Rant" (2001), onde resgatou idéias musicais que lembram os discos do Mott bem do início dos anos 70, pouco antes da intervenção de David Bowie como produtor da banda.
Foi seguido pelo debochado e primoroso "Shrunken Heads" (2007), onde Mr. Hunter combinou brilhantemente rocks fulminantes com baladas ternas, sempre desdenhando da maturidade que não cansa de bater à sua porta, e nada dele abrir...
Mas então, em 2009, eis que ele retorna sereno e reflexivo em "Man Overboard" (2009), assumindo seus 70 anos de idade com alguma perplexidade -- e, claro, com uma certa indolência em alguns (poucos) numeros de rock and roll impecáveis.
E então, quando todos esperavam dele um disco ainda mais reflexivo e assentado que "Man Overboard", eis que Mr. Hunter entra em estúdio com sua banda de estrada e dispara doses cavalares de rock and roll num disco surpreendente.
Se "When I´m President" não resgatar Ian Hunter para um público mais amplo, nada mais consegue.
É uma dose cavalar de rock and roll, com a atitude certa da primeira à última faixa, e que conta com a mesma urgência e a mesma truculência de seus melhores trabalhos solo, gravados 20 ou 30 anos atrás ao lado do maestro Mick Ronson.
"Fatally Flawed" é uma das baladas mais eloquentes de toda a sua carreira, páreo duto para a clássica "Irene Wilde". "Just The Way You Look Tonight" é a melhor canção de Bruce Springsteen não escrita por ele em muitos e muitos anos. Já "Black Tears" é uma daquelas baladas desesperadas que só Ian Hunter e Mick Jagger sabem compor e cantar de forma convincente.
E como resistir ao apelo irresistível de rocks como "Comfortable", "What For" e 'The Wild Bunch", e de baladas aceleradas como "Saint" e "When I´m President"?
Para encerrar o disco, Mr. Hunter achou por bem escalar uma canção mais reflexiva.
Ele, que sempre gostou de fechar seus discos com canções que seguem temas conceituais -- como "God", "The Ousider" e "Sons and Daughters" --, agora nos brinda com "Life", um "Gracias A La Vida" à moda dele, onde pinta um quadro desesperador que revela as injustiças do mundo e as intempéries da existência, para em seguida propõr um brinde bem debochado: "Riam, pois isso é apenas a vida".
Ou seja: é tolice achar que a idade vai fazer de Ian Hunter um artista um menos sarcástico e menos debochado do que tem sido nesses últimos 45 anos. Melhor propor um brinde a ele e a esse adorável "When I´m President".
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Um comentário:
Realmente Ian Hunter é excelente. Acompanho sua carreira desde o Mott The Hoople e acho todos seus dicos muito bons. Para quem quiser conhecer melhor sua carreira é só escutar um de seus dicos ao vivo "Welcome to the Club". Muito bom !!!
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