quinta-feira, outubro 04, 2012

A VOLTA DO MESTRE DO BLUES SUGAR BLUE NUM ÁLBUM AO VIVO DE TIRAR O FÔLEGO

Sugar Blue é o tipo de artista que nove em cada dez puristas do blues odeia de paixão.

Desde que surgiu na cena musical, no início dos anos 70, no Harlem, Nova York, bem distante do Mississipi, ele vem se revelando não só um gaitista extraordinariamente intenso e criativo, como também um intérprete poderoso, capaz de trafegar por todas as nuances musicais que compõem a música negra das ruas de Nova York.

Dono de um vozeirão e de um sopro implacáveis, Sugar Blue foi constantemente comparado a Junior Wells e James Cotton, por conseguir trafegar tranquilo e com muita desenvoltura entre o blues e a soul music.

Essa atitude eclética acabou dando o norte a sua carreira emergente. E com isso, ele logo passou a ser chamado com frequência para gravar tanto com artistas de rock e soul quanto com grandes mestres do blues de passagem pelos estúdios da cidade -- como os saudosos Johnny Shines, Brownie McGhee e Louisiana Red.

Essas gravações foram parar em discos excelentes desses veteranos do blues, mas infelizmente foram ouvidos por poucos.

Por sorte, entre esses poucos estavam Mick Jagger e Keith Richards, que já conheciam a reputação de Sugar Blue quando foram apresentados pessoalmente a ele num clube de blues em Paris, em 1977.

Desse dia em diante, começou uma longa associação entre ele e os Rolling Stones, que dura até os dias de hoje, em participações memoráveis em quase todos os discos da banda gravados desde então.



É engraçado como a carreira fonográfica solo de Sugar Blue segue num rumo inversamente proporcional ao impacto fulminante de seu jeito de cantar e tocar. Ele gravou apenas 6 discos solo de estúdio de 1980 para cá -- muito pouco para alguém que nunca esteve distante dos palcos.

São discos muito consistentes e de alto gabarito, baseados no blues e no rhythm and blues, com influoências musicais bem urbanas e bem diversas sempre pipocando entre um número e outro.

Seus dois trabalhos gravados para a Alligator nos anos 90 -- "Blue Blazes" e "In Your Eyes" -- são multifacetados e surpreendentes em termos artísticos.

"Code Blue", de 2007, gravado para o selo Beeble, chuta para todos os lados com grande maestria e é considerado uma pequena obra prima do blues moderno.

Já "Threshold", seu mais recente trabalho, também para a Beeble, lançado ano passado, é bem menos bluesy que o habitual, e mais roqueiro e funkeado. Mesmo assim, é praticamente tão intenso quanto seus trabalhos anteriores.

Curiosamente, em contraponto a esses poucos discos de estúdio, Sugar Blue tem pelo menos outros 6 discos ao vivo lançados por aí pelos mais diversos selos, atestando o quanto ele tem sido presente e constante nos palcos do mundo inteiro ao longo desses anos todos.



"Raw Sugar Blue Live!" é mais um desses registros ao vivo excepcionais.

Comandando uma banda que traz o grande guitarrista Rico McFarland, seu colaborador contumaz, e uma cozinha excepcional composta por músicos bem jovens, Sugar Blue mostra todo o seu poder de fogo num repertório bem variado nesse álbum duplo contagiante.

Impossível ficar indiferente a "Red Hot Mama", uma shuffle aceleradíssimo, que vem seguido de verdadeiras aulas de swing em números como "One More Mile" e a quase jazzística "Swing Chicken". E tem ainda clássicos como "Hoochie Cootchie Man", de Muddy Waters, e "Messin´ With The Kid", de seu mestre Junior Wells, revistos de forma pouco reverente e sempre muito vigorosa.

E, para completar, como não podia deixar de ser, "Raw Sugar Blue Live!" traz uma surpreendente releitura de "Miss You", clássico dos Stones, que tem Sugar Blue na gaita em sua versão original. Ele se apropriou devidamente da canção e fez dela o número mais aguardado em em seus shows, e também em seus discos ao vivo.



Conversando com Sugar Blue alguns anos atrás numa mesa de bar, depois de um show demolidor no SESC-Santos -- e assombrado com a quantidade impressionante de doses de Velho Barreiro que ele estava bebendo desde antes de começar o show --, perguntei a ele se tinha viajado muito pelas rotas do blues do sul dos Estados Unidos.

A resposta foi não. Sempre tocou blues em Nova York mesmo, onde vive praticamente desde sempre.

Não satisfeito, tentei puxar dele, completamente bêbado, como e onde ele teve seu primeiro contato com o blues.

Ele respondeu: "foi no Vietnam".

Não perguntei mais nada depois disso.

Toda a urgência e a truculência da música de Sugar Blue passaram a fazer todo o sentido do mundo para mim depois dessa declaração.


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terça-feira, outubro 02, 2012

DIANA KRALL VOLTA À ALVORADA DO GREAT AMERICAN SONGBOOK EM SEU NOVO LP


Ninguém pode acusar Diana Krall de ser uma artista previsível.

Em vinte gloriosos anos de carreira, essa loura canadense estonteante (em todos os sentidos) já se revelou uma excelente pianista de jazz, e também se afirmou como uma cantora envolvente e versátil a ponto de conseguir cativar as mais sisudas platéias de jazzófilos.

Claro que, ao longo de todo esse tempo, nem tudo foram flores.

Nossa loura deu, sempre que pode, algumas puladas de cerca artísticas que, se por um lado lhe renderam alguns arranhões com setores mais ortodoxos da crítica, por outro lado foram deliciosamente aventurescas e divertidas.

Uma atitude positiva, bem na medida certa para quebrar com a obviedade que parecia estar reservada para sua carreira.


Pois bem: Diana Krall é não só surpreendente, mas também imensamente vaidosa.

Adora incorporar musas da canção de outras épocas

Se divertiu muito posando de Julie London no LP 'The Look Of Love" (2001).

Ficou muito à vontade brincando de Astrud Gilberto em "Quiet Nights", lançado no ano passado.

Até se deu ao luxo de cometer "The Girl In The Other Room", um belo disco de jazz com repertório contemporâneo de gente como Joni Mitchell, mesclado com 6 canções próprias inspiradas em Joni e compostas em parceria com o maridão Elvis Costello, com quem vive há quase 10 anos.

Diana topa qualquer parada para não cair prisioneira do formato que a consagrou em seu início de carreira.

Não que ela não goste de comandar um quarteto de jazz. Gosta, e muito. Mas não esconde de ninguém que almeja um público muito maior.



Seu novo LP, "Glad Rag Doll", é mais um ítem ousado em sua discografia.

Produzido por T-Bone Burnett a partir de um repertório de 35 canções meio obscuras dos anos 20, 30 e 40, que ela conhecia dos discos 78 rotações da coleção pessoal de seu pai, foi gravado utilizando pela primeiríssima vez um piano honky-tonk de armário, ao invés dos Steinways habituais.

Sua banda é composta por colaboradores contumazes de Burnett, como o multiinstrumentista Marc Ribot, o baterista Jay Bellerose e o baixista Dennis Crouch, mesclando sonoridades de ragtime com boogie woogie e, pasmem, até rock and roll.

Nossa loura certamente ficou impressionada com a multiplicidade musical dos últimos discos de seu marido produzidos por T-Bone, e quis tentar uma experiência semelhante, mesclando tradição e modernidade e subvertendo alguns padrões de mercado que devem irritar muito artistas criativos e desalinhados como ela.

Todas as canções de "Glad Rag Doll" são ótimas. Ela está cada vez mais arrojada como intérprete. A faixa título, por exemplo, apresentada em duas versões diametralmente diferentes, dá o tom exato dessas suas qualificações.

Isso para não mencionar as gravações soberbas e muito originais que ela fez para dois clássicos dos anos 50: "I'm A Little Mixed Up" -- um número de rock and roll rasgado -- e "Lonely Avenue" -- composta por Doc Pomus para seu amigo Ray Charles, aqui num arranjo todo climático e levemente atonal.


Verdade seja dita: Diana Krall está mais arrebatadora do que nunca na capa de "Rag Baby Doll".

Como ela consegue, aos 48 anos de idade -- que ela completa no dia 18 de Novembro --, isso só ela sabe.

Nossa loura abusa de seus atributos físicos na capa do disco, vestida como uma honky tonk girl dos tempos do ragtime e do vaudeville -- se bem que com alguns detalhes em couro liso que indicam uma atitude um pouco mais barra pesada,

Em outras palavras: Diana Krall continua uma artista e uma mulher fascinantes -- dois conceitos que não costumam ser complementares, mas que nossa lora sabe mesclar numa mesma persona artística como poucas outras divas da canção americana conseguiram.

"Glad Rag Doll" é, indiscutivelmente, desde seu conceito até o resultado final, um grande disco.

Traz Diana Krall bem do jeito que o diabo gosta -- e nós aqui também.



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