por Chico Marques
Há muitos e muitos anos, a mulherada na cena musical reclama que, mesmo após tantas crises sequenciais, o comando das gravadoras permanece nas mãos de altos executivos do sexo masculino -- e que, consequentemente, a Indústria Fonográfica continua sendo um feudo machista.
Deixam a impressão de que existe nas gravadoras uma espécie de reserva de mercado para artistas do sexo masculino, em detrimento a artistas do sexo feminino, o que obviamente está longe de ser verdade.
Basta uma contabilizada rápida no volume mensal de lançamentos musicais que a Indústria coloca no mercado para perceber que isso é uma tolice. Se por um lado os homens dominam o segmento hip-hop, por outro as mulheres dominam o segmento rhythm & blues-soul. Se por um lado os homens são maioria esmagadora nas cenas jazz e blues, por outro as mulheres dominam a cena pop. E se tem mais homens na composição das bandas rock-pop, existe um número muito superior de mulheres listadas como artistas solo nos mais diversos segmentos musicais populares.
Francamente, duvido que esse cenário mude caso uma executiva chegue ao comando de algumas das majors da Indústria Fonográfica que ainda restaram -- até porque se esses artistas estão no mercado, é unicamente porque existe interesse do público neles.
Foi-se o tempo em que a relação da Indústria Fonográfica era vertical. Hoje, ela é mais horizontal do que jamais foi em sua história. Até porque ninguém tem mais milhões disponíveis para investir maciçamente na esperança de que daqui a três ou quatro discos ele seja sucesso mundial. Os parâmetros mudaram. O negócio encolheu, e as expectativas não são mais as mesmas dos Anos 80 e 90. Tudo ficou muito mais democrático e com a noção exata de onde fica o chão.
As cinco artistas que escolhemos para comentar hoje vem de backgrounds musicais diversos, mas possuem algo em comum: não são novatas na cena musical, sabem conviver bem com as demandas de seus públicos e gravam para selos que as mantém em seus elencos porque botam fé tanto no taco delas quanto no interesse que elas despertam em seus públicos cativos.
E não existe moeda corrente mais valiosa hoje em dia na Indústria Musical do que público cativo, portanto... vamos a elas:
SHERYL CROW
Be Myself
(Warner Bros US)
Todo mundo lembra do estilo marcante e do sucesso estrondoso que Sheryl Crow ostentou em seus primeiros dez anos de carreira em discos impecáveis como "Tuesday Night Music Club" (1993), "Sheryl Crow" (1995), "The Global Sessions" (1998) e C'mon C'mon (2002). Nos últimos 15 anos, no entanto, ela sentiu o interesse do público rock-pop diminuindo, e mudou de mala e cuia para a cena country, onde imaginou que iria conseguir expandir seu público. Não foi bem isso o que aconteceu. E agora, ela retoma sua levada musical original ao lado de velhos colaboradores como Jeff Trott e Tchad Blake. Com isso, consegue resgatar muito daquele frescor musical descompromissado que a fazia soar tão genuína e tão atraente. Claro que, aos 55 anos de idade, depois de lutar um bom tempo contra um cancer de mama, Sheryl não é mais a mesma carefree girl de 15 anos atrás. Mas o importante é que sua essência permanece intacta, e ela parece feliz e satisfeita, e isso transparece nas 11 faixas de "Be Myself". Quer melhor indicação do que essa?
SARAH PARTRIDGE
Bright Lights & Promises: Redefining Janis Ian
(Origin Records US)
Várias cantoras de jazz tem buscado nos repertórios de compositoras pop como Joni Mitchell, Laura Nyro e Carole King um reforço considerável para seus repertórios, e algumas dessas canções começaram a ser gravadas por tantos artistas nesses últimos anos que estão prestes a se tornar novos standards do jazz. Pois curiosamente, ninguém até agora havia percebido que o folk-pop confessional da cantora-compositora Janis Ian poderia servir muito bem a este mesmo propósito. Sarah Partridge foi a primeira a vislumbrar isso, daí chamou o pianista e arranjador Allen Farnham para ajudá-la a achar o tom jazzístico adequado para algumas canções de Janis Ian que escolheu. Daí, nasceu esse belíssimo Bright Lights & Promises: Redefining Janis Ian, ponto mais alto até agora da carreira dessa cantora-compositora de 55 anos de idade que, mesmo com quase 10 discos gravados, ainda não recebeu o merecido reconhecimento na cena musical. Pior: muitos preferem lembrar que ela foi atriz de cinema e TV entre 1983 e 1993, e, como nunca conseguiu emplacar um papel marcante, acabou desistindo da carreira e dedicando-se à música. Muita sacanagem. Até porque Sarah Partridge está muito acima dessas biografias redux que fazem dela. Sarah é, isso sim, uma das intérpretes de jazz mais inteligentes e talentosas da atualidade. Deixar passar esse seu novo e surpreendente trabalho será, no mínimo, um desperdício.
JULIANA HATFIELD
Pussycat
Pussycat
(American Laundromat US)
É comum vermos artistas de rock tarimbados quebrarem a cara ao gravar discos focados em temas políticos que se revelam bem sucedidos como manifestos, mas desastres artísticos irremediáveis. "Sometime In New York City" de John Lennon & Yoko Ono, "Sandinista" do Clash e "Living With War" de Neil Young são exemplos perfeitos disso. Daí a surpresa ao ver como a veterana Juliana Hatfield conseguiu fazer um disco ótimo focado da primeira à última faixa no asco terrível que ela sente por Donald Trump. As 14 faixas de "Pussycat" são uma porrada atrás da outra, cada uma delas mirando (e demolindo) um aspecto diferente da "personalidade" de Trump. A faixa de abertura já é uma carta de intenções perigosíssima, intitulada "I Want To be Your Disease", e segue intensamente em números com nomes sugestivos como "Kellyanne", "Heartless", "Rhinoceros" e a divertidíssima "Short Fingered Man", onde zomba do já folclórico pinto pequeno do presidente. Detalhe: todas as canções ostentam molduras power-pop bem simpáticas em termos de harmonia musical, para que o bode dela por Trump explicitado nas letras atinja o maior público possível. É um disco urgente. E de urgência Juliana Hatfield entende bem. Figuraça!
RUTHIE FOSTER
Joy Comes Back
(Blue Corn USA)
Engraçado como muitos discos nascem de momentos difíceis na vida de um artista. Ruthie Foster passou boa parte do ano passado brigando com seu ex-marido pela custódia integral de sua filha de 5 anos de idade. Como está sempre em tournée, com pouco tempo para se dedicar a uma vida familiar, teve que aceitar a contragosto guarda compartilhada. Inconformada, tirou uma folga em sua agenda de shows e voltou para sua Austin, Texas onde voltou a frequentar a Igreja da qual estava afastada e procurou músicos amigos de longa data para gravar algumas canções que ela tinha acabado de compor. Mas trombou pelo caminho com o produtor e velho amigo Daniel Barrett, que se dispôs a produzi-la e a convenceu a reunir material para um disco inteiro. Que é esse "Joy Comes Back", certamente o trabalho mais gospel, mais manso e mais circunspecto de Ruthie até agora. As canções são lindas, as participações especialissimas do guitarrista Derek Trucks -- fã confesso de Ruthie -- beiram o sublime e... bem, o resto você vai ter que ouvir para entender a mágica que aconteceu aqui.
LINDA GAIL LEWIS
Heartbreak Highway
(Ball & Chain Records UK)
Que Linda Gail Lewis é da pá virada, assim como seu irmão mais velho Jerry Lee Lewis, disso todo mundo já desconfiava. Basta dizer que essa senhora quase septuagenária se casou pela primeira vez aos 14 anos de idade, pediu divórcio seis meses depois, e casou pela segunda vez aos 15 anos -- e desde então já se casou outras oito vezes, uma delas com Kenny Lovelace, guitarrista da banda de seu irmão. Sam Phillips tentou lançá-la no início dos Anos 60, mas não deu certo. Jerry Lee gravou um disco com ela e conseguiu que ela gravasse um disco solo em 1969, mas não emplacou, daí, nos 21 anos seguintes, ela se limitou a fazer parte do coro da banda de seu irmão, sempre com direito a cantar um ou dois números solo. Só gravou seu segundo disco em 1990, e ele emplacou na Europa, onde aqueles dois discos de 1969 eram cultuados. Fez uma tournée de sucesso, gravou um belo disco ao lado de Van Morrison, e finalmente engatou uma carreira mais ou menos sólida desde então. Nesse ótimo "Heartbreak Highway", Linda Gail Lewis alterna sua paixão pela herança musical de Patsy Cline com o rockabilly selvagem do irmão, com resultados brilhantes. Detalhe: "Heartbreak Highway" saiu em LP e CD só no mercado europeu; nos EUA foi lançado diretamente nas lojas virtuais.
CHICO MARQUES
é comentarista,
produtor musical
e radialista
há mais de 30 anos,
e edita a revista cultural
LEVA UM CASAQUINHO
e o blog musical
ALTO & CLARO
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