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quarta-feira, abril 26, 2017

DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE "FILLMORE: LAST 3 NITES", UMA CAIXA COM 4 CDS DELICIOSA E FUNDAMENTAL

por Chico Marques


No início do Século 20, mais precisamente a partir de 1912, o Fillmore foi inaugurado com o nome Majestic Hall na esquina das ruas Fillmore e Geary, em San Francisco, California.

Era um dos salões de dança mais frequentados da cidade, com bailes acontecendo praticamente todas as noites.

No segundo e no terceiro andares do edifício funcionava a Majestic Academy of Dancing, muito requisitada pelos dançarinos menos habilidosos que queriam poder frequentar o salão de danças do 1° andar sem fazer papelão.

Lembrem-se que, na primeira metade do Século XX, uma pessoa que não soubesse dançar estava condenada a ser um pária social, e ainda corria o risco de até não conseguir arrumar um parceiro (ou uma parceira) e jamais se casar.


Dos Anos 30 até os Anos 50, o Fillmore mudou de dono, de nome e de vocação diversas vezes.

Foi chamado Society e, Ambassador Dance Hall nos Anos 30.

Nos Anos 40, virou pista de patinação.

Mas a partir de 1952, quando o bairro ao redor se transformou no Harlem de San Francisco, alguns empresários se uniram e transformaram o Fillmore numa casa de shows para receber confortavelmente os artistas de blues e rhythm & blues de passagem pela cidade.

Gente como James Brown, 'Blue' Bobby Bland e Ike & Tina Turner fizeram grandes performances na casa, que, além do público afroamericano de praxe, atraiu os boêmios e e turma da beat generation, transformando a cidade pouco a pouco na "Comunidade Boemia #1 da América".


E então, nos Anos 60, San Francisco se transformou na Mecca da Contracultura, virando o refúgio da turma da beat generation e o berço do movimento hippie e também do movimento yippie.

E o Fillmore, claro, seguiu em frente se adequando a todas essas mudanças.


É quando entre em cena o promotor de eventos Bill Graham, um judeu berlinense naturalizado americano com um tino comercial aguçado e um talento inegável para criar ambientes culturais diferenciados.

O que tornava Graham tão diferrente dos outros empreendedores do meio é que para ele as energias criativas que faziam seus projetos funcionar eram sempre sua prioridade número um.

A grana decorrente de seus acertos era apenas consequência de um trabalho extremamente humano e bem realizado.


Ao fundar o Fillmore Auditorium, Bill reformou o velho prédio por completo e montou um dream team de colaboradores que aos poucos se transformou numa família, tamanho o alto astral do local.

Resultado: virou o cidadão de San Francisco que melhor representava para o resto do país a força emergente da cidade nos meios artísticos e comportamentais.


O Fillmore Auditorium abriu as portas no dia 10 de dezembro de 1965, com shows de novas bandas como Jefferson Airplane, Great Society (que tinha como cantora Grace Slick) e The Warlocks (que mais adiante mudaria seu nome para The Grateful Dead), deu início ao show.

Recebeu em seu palco artistas das mais diversas vertentes, que eram recebidos calorosamente pelos frequentadores habituais da casa.

Heróis locais como Santana, Quicksilver Messenger Service, Big Brother and the Holding Company, Moby Grape e Butterfield Blues Band eram tão bem recebidos na casa quanto artistas de fora de San Francisco.

E olha que o Fillmore recebeu forasteiros do naipe de Jimi Hendrix, Otis Redding, Cream, Howlin' Wolf, Captain Beefheart, Muddy Waters e até The Who...


Em 04 de julho de 1968, logo após a explosão do Summer Of Love, Bill Graham concluiu que o velho Fillmore havia ficado pequeno demais para acomodar o público que seus shows atraíam.

Daí, decidiu reabrir o Fillmore num local maior e melhor localizado, The Caroussel Ballroom, que passou a se chamar Fillmore West.

Sim, porque, paralelo a essa expansão negocial, Graham decidiu abrir também uma casa no mesmo formato na Costa Leste, em Nova York, que ganhou o nome Fillmore East.


Entre 1968 e 1971, o Fillmore East foi a casa de shows mais emblemática de Nova York, e seu astral era tão alto que passou a ser comum qualquer artista ou banda tocar lá e imediatamente querer lançar um disco ao vivo com a gravação do show, tamanha a qualidade das performances que rolavam por lá.

Na semana em que fechou as portas em definitivo, passaram pelo palco da casa nada menos toda a nata da música anglo-americana -- o bluesman Albert King, o folkie psicodélico Country Joe McDonald, o multinstrumentista Edgar Winter, o power trio Mountain e as eletrizantes e americaníssimas Allman Brothers Band e J Geils Band.

Pois os registros desses shows históricos -- levados ao ar ao vivo na época pela WNFW-FM --permaneciam inéditos em disco até há pouco, e agora finalmente vem à tona numa caixinha espectacular com 4 cds intitulada "Fillmore - Last 3 Nites"


Desnecessário dizer que todas as performances contidas nessa caixa honram a tradição do Fillmore East de favorecer performances inesquecíveis para quaisquer bandas ou artistas que subissem em seu palco.

Desnecessário dizer também que, apesar da gravação não ser lá uma maravilha em termos técnicos -- lembrem-se que estamos falando de gravações ao vivo realizadas 45 anos atrás --, dá para sentir claramente que a banda que está no palco está se divertindo tanto quanto, ou ainda mais de quem está na platéia.

Desnecessário dizer ainda que basta fechar os olhos ao ouvir "Fillmore - Last 3 Nites" para conseguir se imaginar naquele lugar mítico na Second Avenue em Nova York naquelas 3 noites históricas.

Encerrando: a caixa de 4 cds "Fillmore - Last 3 Nites" é fundamental.

Tente viver sem ela em sua discoteca se for capaz.



Confiram um pouco do belo legado
que Bill Graham deixou
para a música popular anglo-americana
no documentário FILLMORE,
lançado nos cinemas em 1973
e disponível na íntegra logo abaixo.











CHICO MARQUES
é comentarista,
produtor musical
e radialista
há mais de 30 anos,
e edita a revista cultural
LEVA UM CASAQUINHO
e o blog musical
ALTO & CLARO 


quarta-feira, abril 20, 2011

O RENASCIMENTO DO SOM PSICODÉLICO DA SAN FRANCISCO DOS ANOS 60 NOS NOVOS TRABALHOS DO HOT TUNA E DA STEVE MILLER BAND (por Chico Marques)


Lendo recentemente os obituários de Owsley "The Bear" Stanley – lendário engenheiro de som honoris causa dos shows do Grateful Dead, que acumulava as funções de conselheiro espiritual e químico diletante nos Acid Tests que a banda costumava promover --, fiquei pensando no que foi feito da magia que tomava conta não só dos shows das bandas psicodélicas, mas também do bairro de Haight Asbury e de toda a comunidade artística que morava ou circulava por lá.

San Francisco, como todos sabem, sempre foi berço de costumes libertários na ensolarada Califórnia -- nada a ver com o narcisismo corporativo da Grande Los Angeles e com o “zensurfismo” de San Diego. É uma tradição que remonta aos primórdios da cidade, que, desde a Era do Ouro, recebe de braços (mais ou menos) abertos a fauna mais variada de desalinhados da América – um fenômeno que se acentuou no pós-guerra, com o advento da Beat Generation, e que ganhou contornos ainda mais ostensivos na década de 1960, com a imigração de milhares de jovens de todos os cantos da América em busca de uma vida descomprometida dos valores do capitalismo e da caretice nouveau riche da América empreendedora.



Obviamente, a imensa maioria dos que chegavam a San Francisco todos os dias nos anos de explendor do “flower power” só queria mesmo se divertir no parque de diversões farmacológico e musical em que a cidade havia se transformado. Desnecessário dizer também que o “sonho americano hippie” morreu sufocado pelo crescimento avassalador do tráfico de drogas e da criminalidade na cidade – como pode ser visto ainda hoje em filmes como “Bullitt”, com Steve McQueen, e em séries de TV da época, como “San Francisco Urgente”, que lançou Michael Douglas ao estrelato.

Pois bem: passados quase 45 anos do “Verão do Amor” de 1967, o charme arrebatador do "San Francisco Sound" deixou de ser um segredo guardado a sete chaves. As sonoridades etéreas e envolventes -- comuns a grupos como Grateful Dead, Quicksilver Messenger Service, Jefferson Airplane, New Riders Of The Purple Sage e It´s A Beautiful Day – foram facilmente dignosticadas dentro do universo musical do folk e do bluegrass, que, mesclados à música oriental e ao jazz, deram naquele jeitão curioso e meio displicente de tocar dos músicos da cidade.



Mas, voltando aos obituários de Owsley "The Bear" Stanley, o bonitão da foto acima, a questão que ainda persiste (para mim, pelo menos) é: Faz sentido nos dias de hoje creditar parte dessa personalidade musical do "San Francisco Sound" ao que na época era divulgado como “uma nova consciência coletiva” pelos pensadores pop? Eu gostaria de acreditar que sim, que aquele bando de malucos maravilhosos da Contracultura eram na verdade Deuses de algum Olimpo Lisérgico que abusaram de certas substâncias e, por algum acidente de percurso, vieram parar no Norte da California meio que por engano...

Mas deixando a fenomenologia psicodélica de lado, e olhando para trás com algum distanciamento empírico, o caso é que existe uma explicação lógica e nada mística para tudo isso. O "San Francisco Sound" soa estranho e envolvente por ser rock and roll tocado por músicos que só sabiam tocar instrumentos acústicos, e que estavam experimentando instrumentos elétricos pela primeira vez. Para eles, as guitarras tinham que ter sempre uma sonoridade bem aberta, como se fossem banjos ou mandolins. As alavancas eram completamente indispensáveis. E o volume tinha que estar sempre nas alturas. Como a maioria desses músicos que migraram para a cena musical da cidade vinham de vários cantos do país e de cenas musicais bem distintas umas das outras, eles trataram de adequar suas bagagens musicais à cor local de San Francisco. E, meio sem querer, reinventaram o rock and roll e o blues de uma maneira muito peculiar.


Aliás, o blues é um capítulo à parte no "San Francisco Sound". Todas as grandes bandas da Califórnia sempre fizeram questão de ter um número ou outro de blues em seu repertório, ainda mais depois que a Butterfield Blues Band explodiu na cena americana em 1966. Era um gênero que já fazia parte do cardápio musical da região, na medida em que muitos bluesmen veteranos reumáticos -- que haviam deixado o vento gelado de Chicago pelo clima ameno da Costa Oeste, e se estabelecido em Oakland, do outro lado da Baía de San Francisco -- começaram a ser descobertos por esses jovens músicos da cidade. Sobreviviam muitas vezes tocando na noite de Oakland e dando aulas durante o dia. Com isso, meio que acidentalmente, formaram toda uma geração de guitarristas, pianistas, gaitistas e cantores de blues à beira mar.


Jorma Kaukonen é um desses jovens guitarristas. Mergulhou de cabeça no folk blues e virou talvez a maior autoridade na obra musical do bluesman Reverend Gary Davis em toda a América. Como era também admirador do jazz de Charlie Christian e Django Reinhardt, Jorma esboçou seu estilo mesclando essas duas vertentes musicais. Daí, quis o destino que ele viesse a participar de uma banda de rock and roll – nada menos que o recém-formado Jefferson Airplane, cujo nome ele próprio escolheu, e onde conheceu seu parceiro e contrabaixista Jack Casady. De LP em LP do Airplane, Jorma e Jack, que eram exímios músicos acústicos, ajudaram a redimensionar o papel da guitarra elétrica e do contrabaixo elétrico na música da época. Um pouco mais adiante, já nos anos 1970, os dois criaram um projeto paralelo ao Airplane chamado Hot Tuna, que começou como um trio acústico e rapidamente evoluiu para o formato power-trio elétrico, à moda do Cream e do Jimi Hendrix Experience, bem ao gosto da época. Gravaram uma série impecável de 8 LPs para a RCA durante os anos 70, e mais alguns em selos independentes nos 1980 e 1990. Trabalham juntos sempre que possível.



Já Steve Miller é um caso diametralmente oposto. Fascinado pelo blues desde garoto em Milwalkee e Houston, circulou bastante pela noite de Chicago atrás de experiências e vivências musicais. Trabalhou com Buddy Guy e Jimmy Reed, e descobriu que poderia cantar blues quando ouviu o cantor e guitarrista J B Lenoir, que, assim como ele, tinha uma voz fraca e pouco encorpada, fugindo ao arquétipo do blues shouter clássico. Veio para San Francisco no vácuo da Paul Butterfield Blues Band, reuniu um grupo de músicos – entre eles, Boz Scaggs e Gary Mallaber -- numa banda que alternava material próprio com o papel de “banda cavalo” para vários bluesmen que passavam por San Francisco. Apesar do assédio constante dos “A&R Men” de várias gravadoras, demorou mais de um ano até a Steve Miller Band assinar com uma delas – no caso, a Capitol. Estreou finalmente em 1967, e se notabilizou logo de cara por incorporar sintetizadores ao blues e ao rock and roll antes de todos os seus colegas de geração, em LPs clássicos como “Children Of The Future”, ‘Sailor” e “Brave New World”, todos de 1968. Sumiram das paradas na virada dos 60 para os 70, mas voltaram com uma popularidade impressionante em meados dos anos 1970, em ‘The Joker” e “Fly Like An Eagle”, até pararem de gravar material próprio depois do fisco comercial do ótimo LP “Wide River”, em 1992.

Pois bem: tanto o Hot Tuna quanto a Steve Miller Band estão de volta com álbuns muito bons, que servem para manter o "San Francisco Sound" vivo e seu charme musical intacto.


”Steady As It Goes”, novo e surpreendente trabalho do Hot Tuna, vem cercado de grandes expectativas. É o segundo LP de estúdio da banda em 30 anos, e o primeiro com material inédito em 20. Agora no formato de um quinteto -- Jorma Kaukonen na guitarra e vocais, Jack Casady no contrabaixo, Barry Mitterhoff no mandolin, Larry Campbell no violino e Skoota Wagner na bateria --, nossos bravos rapazes setentões passeiam pelo passado musical glorioso da banda em 12 números acústicos e elétricos muito vigorosos, que incluem dois blues clássicos de Reverend Gary Davis devidamente repaginados, e ainda evocam a herança musical do Jefferson Airplane em dois rocks poderosos com participação da cantora Teresa Williams -- cujo timbre lembra, e muito, o de Grace Slick. “Steady As It Goes” foi gravado nos Estúdios de Levon Helm em Woodstock, NY, e celebra a amizade musical e pessoal de 50 anos entre Kaukonen e Casady, que mantém juntos uma Escola Livre de Música no interior de Ohio chamada Fur Peach Ranch. "Steady As It Goes" tem um jeitão de disco de despedida da banda. Mas pode ser engano. Afinal, Kaukonen e Casady são incansáveis, vai saber o que eles vão resolver fazer no ano que vem. Como eles próprios declaram na letra de “Second Chances”, a mais bela canção do disco, “for life is but a highway beneath tomorrow skies”.


Já ‘Let Your Hair Down”, da Steve Miller Band, vem na mesma linha de “Bingo!”, lançado no fim do ano passado. Composto por dez números bem ligeiros gravados nas mesmas sessões de “Bingo!”, sob a supervisão luxuosa do produtor Andy Johns, ‘Let Your Hair Down” tem seu repertório focado em blues e rhythm & blues clássicos de outros autores – todos revistos, atualizados, e com a sonoridade sempre jovial da Steve Miller Band. Aliás, esses dois LPs formam uma trinca impecável com o excelente “Living In The 20th Century”, de 1987. Não há aqui nenhuma novidade. Apenas a surpresa de ouvir Steve Miller cantando com a mesma voz de menino aos 68 anos de idade e tocando com a mesma urgência, a mesma destreza e o mesmo prazer ao longo desses vitoriosos 45 anos de carreira. Steve não tem mais nada a provar a quem quer que seja. Se quiser continuar nos brindando com novos trabalhos rápidos e rasteiros como esse daqui por diante, seguindo essa linha “mais do mesmo”, será sempre benvindo. Acreditem, não é pouca coisa.


Enfim, não dá para negar que alguma coisa muito interessante – e muito louca -- aconteceu em San Francisco na segunda metade dos anos 1960, tanto que seus ecos permanecem por aí até hoje, intactos, por mais que muitos dos ideais cultuados na época tenham sucumbido à dura realidade. Jorma Kaukonen afirma que, se não tivesse embarcado no avião dos Jeffersons, talvez nunca tivesse sido nada além de um músico folk obscuro. Steve Miller diz que, se não tivesse caído de paraquedas nas noites do Fillmore, talvez estivesse até hoje tocando blues na noite de Chicago e sofrendo de reumatismo.

Sendo assim, brindemos aos visionários que semearam a Cultura Pop de San Francisco pelo mundo afora, e que já se foram. Um brinde a Bill Graham, dono do Fillmore e do Winterland, notável agitador cultural. Um brinde a Hunter S. Thompson, cronista do apogeu e queda da Era Psicodélica. Um brinde a Ralph J. Gleason, crítico de jazz genial que fundou o jornal Rolling Stone e reinventou a imprensa musical. Um brinde ao Dr. Timothy Leary, pai do uso terapêutico do LSD e dos softwares alucinógenos. Um brinde a todas as bandas psicodélicas daquela época, e também a todas que mantém vivo até hoje o espírito do "San Francisco Sound".

E, claro, um brinde ao maravilhoso Owsley "The Bear" Stanley. Que as ninfas recepcionistas do tal Olimpo Lisérgico o recebam bem, e cuidem dele. Nosso ursinho merece do bom e do melhor.




HIGHLIGHTS
HOT TUNA - "STEADY AS SHE GOES"





ENTREVISTA:
JORMA KAUKONEN



HIGHLIGHTS
STEVE MILLER BAND - "LET YOUR HAIR DOWN"