terça-feira, março 01, 2016

2 OU 3 COISAS SOBRE "RAINBOW ENDS", LP DE RETORNO DE EMITT RHODES APÓS 43 ANOS DE SUMIÇO

por Chico Marques


Tem artistas que compoem com facilidade, e artistas que compoem pouco -- e, com isso, acabam gravando seus discos com intervalos mais prolongados que aqueles que possuem uma produção mais abundante.

Mas o que dizer de um artista pop muito conceituado, que era extremamente prolífico no final dos Anos 60 e início dos Anos 70, e, de uma hora para outra, decidiu parar e ficar sem gravar um novo disco por nada menos que... 43 anos?

Senhoras e Senhores, este é Emmit Rhodes, que brilhou à frente do grupo pop The Merry Go Round no final dos Anos 60, e que teve logo a seguir uma carreira solo reconhecidamente brilhante em quatro discos hoje considerados antológicos, fortemente influenciados por Paul McCartney tanto na maneira de compor e de cantar quanto na de elaborar seus arranjos e se autoproduzir.


Mr. Rhodes não sabe explicar ao certo porque ficou tanto tempo sem gravar -- até porque, ao longo desse tempo, nunca deixou de compor e prosseguiu trabalhando como engenheiro de som para vários artistas diferentes. Mas lembra que, na ocasião, tinha como obrigação contratual entregar um disco a cada seis meses para a ABC-Dunhill, e não conseguia cumprir os prazos, pois além de cantar e tocar todos os instrumentos nesses discos discos solo do início dos Anos 70, ele era também produtor. E um produtor do tipo perfeccionista.

No final das contas, o que Mr. Rhodes queria mesmo era seguir as pegadas de Paul McCartney em seu primeiro disco solo, onde tocou todos os instrumentos. Mas esqueceu do detalhe que McCartney trabalhou neste disco despreocupadamente, sem ter que cumprir prazos apertados. Ele não. Era constantemente obrigado a pagar multas contratuais para sua gravadora, e mal conseguia ver os royalties que lhe eram devidos pela vendagem dos discos.

Um belo dia ele cansou de perder dinheiro tentando ter uma carreira no showbiz, e se recolheu. Em suas próprias palavras: "a impressão era de que eu nunca estava trabalhando o suficiente para me manter viável como artista."


Incentivado por amigos mais próximos, que mantiveram contato com sua produção musical não-gravada nesses anos todos e nunca deixaram de estimulá-lo a retomar sua carreira, agora parece que Emitt Rhodes voltou finalmente, quebrando um hiato de 43 anos, com esse "Rainbow Ends" (Omnivore Records), um disco arrebatador, de uma simplicidade impressionante, deliciosamente atemporal.

Apesar da barba branca e dos muitos quilos a mais, Mr. Rhodes ressurge com sua voz delicada e quase juvenil praticamente intacta em meio a 11 canções curtas tão intensas e memoráveis que grudam nos ouvidos logo após a primeira audição.

Dessa vez ele não quis se autoproduzir, e entregou a produção a seu amigo Chris Price, e ao invés de tocar todos os instrumentos contou com um time de músicos (admiradores seus) vindos de bandas conhecidas: gente do quilate de Roger Joseph Manning, Jason Faulkner, Nels Cline, Taylor Locke, Joe Seiders, Susanna Hofts e Pat Sansone. E com isso, realizou um disco extremamente orgânico e desencanado. Tão bom que nem vale a pena destacar uma canção ou outra, pois todas são de primeira grandeza.

Consta que, além dessas onze canções, Mr. Rhodes gravou mais uma penca delas, em número suficiente para compor outros dois discos como esse. Se isso é verdade ou não, só poderemos confirmar ao longo dos próximos anos, caso surjam novos discos dele com registros dessa mesma sessão de gravação.


Se Emitt Rhodes tivesse sido menos teimoso e idealista naqueles tempos da ABC-Dunhill e trabalhado nos moldes atuais, com certeza não teria tido tantos problemas em sua carreira.

Mas não adianta colocar as coisas nesses termos. Tem coisas que só o passar do tempo ensina para a gente. A não-necessidade de precisar provar algo para nós mesmos a uma determinada altura da vida é uma delas.

Enfim, "Rainbow Ends" é um retorno vigoroso de um grande artista que fazia muita falta na cena pop americana.

Tomara que o público tenha a grandeza de recebê-lo de volta com a dignidade que ele merece.



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sexta-feira, fevereiro 26, 2016

2 OU 3 COISAS SOBRE "NEW YORK IS MY HOME", NOVO LP DO PEQUENO GRANDE DION DIMUCCI

por Chico Marques


Bruce Springsteen costuma dizer que Dion DiMucci é o elo perdido entre Frank Sinatra e o Rock & Roll. E ele está corretíssimo.

Quando Dion & The Belmonts gravaram "I Wonder Why" em 1958, misturando num mesmo caldeirão elementos de doo-wop, rock and roll e rhythm & blues, sem querer estavam provocaram um turbilhão na cena musical pop sem precedentes, impondo um DNA étnico, com temperos latinos, no que veio a primeira grande contibuição da música da cidade de Nova York ao rock and roll.

Foi Dion DiMucci que, ao abrir as portas e as janelas da música americana para o skyline de Nova York, deixou tudo escancarado para que manifestações musicais locais como o Velvet Underground, Simon & Garfunkel, Al Kooper, Patti Smith e Bruce Springsteen surgissem e emplacassem no país inteiro nos anos seguintes. Não é à toa que todos esses artistas tem uma gratidão enorme para com ele.


O único problema quanto à enorme longevidade da carreira de Dion é que, por alguma razão difícil de explicar, sempre que ele assina com alguma gravadora é sempre contrato por um, no máximo dois discos -- e todas as gravadoras por onde ele passa estranhamente promovem esses discos como "o retorno de Dion".

É um contrassenso, pois Dion nunca gravou discos nostálgicos, e nunca se dispôs a regravar seus grandes sucessos do passado. Pelo contrário, são quase sempre trabalhos com sonoridade bem atualizada, trazendo canções novas de sua autoria, e acompanhado por músicos que não conseguem disfarçar o orgulho de estar contracenando com uma lenda musical viva.



Mas não adianta. Dion DiMucci, apesar de permanecer ativo e sem sair de férias jamais, seus discos quase anuais continuam sendo saudados como "comebacks". Dion nem liga mais para issso. Dá risadas. Para ele, o que realmente importa é estar vivo e ativo como artista aos quase 77 anos de idade.

E pensar que era para Dion DiMucci ter embarcado naquele vôo fatídico onde morreram Buddy Holly, Richie Valens e Big Bopper em 1959, e, por conta de algum contratempo, ele não embarcou...


De alguns dez anos para cá, quase todos os discos gravados por Dion passaram a ostentar um sotaque blueseiro bem forte, e "New York Is My Home" (Instant Records) não é excessão.

Quase todas as canções originais, além dos dois covers que ele escolheu gravar -- um de Lightning Hopkins e outro de Hudson Whitaker -- são números de blues, e a produção e os arranjos estão a cargo do veterano guitarrista e multinstrumentista Jimmy Vivino, que comanda a houseband do programa de Conan O'Brien na TBS.

“Visionary Heart” e “All Rocked Up” são números deliciosos, com a cara das calçadas da cidade de Nova York. "New York Is My Home", por sua vez, é uma das melhores canções que Dion compôs em quase 60 anos de carreira, e a participação vocal de Paul Simon na gravação só serve para torná-la ainda mais relevante. Proto-rocks como “The Apollo King” e “Ride With You” mostram claramente o quão jovial a música de Dion ainda consegue ser, e “Can’t Go Back to Memphis” é tão boa que parece ter fugido do repertório de Jimmy Reed.



Ao longo de sua vida, Dion nunca parou de produzir boa música e experimentar novos estilos, brilhando intensamente em grandes discos como "Born To Be With You" (1975, produzido por Phil Spector) e "King Of The New York Streets" (1990, produzido por Dave Edmunds), até chegar nesses seus trabalhos mais blueseiros dos últimos 15 anos.

"New York Is My Home" pode ser curtinho, e ter apenas 40 minutos de duração, mas é do tamanho ideal para as intenções de Dion nesse momento de sua carreira.

É um disco grudento à moda antiga, em que a última faixa do Lado B dá saudades da primeira faixa do Lado A, e daí a gente resolve ouvir o disco inteiro de novo.

Convenhamos: produzir 40 minutos de grande música num LP como "New  York Is My Home" não é para quem quer, é para quem pode.

E acreditem: esse italianinho do Bronx ainda tem esse poder depois de todos esses anos.



segunda-feira, fevereiro 22, 2016

2 OU 3 COISAS SOBRE "DIG IN DEEP", NOVO LP DA RUIVA BLUESEIRA BONNIE RAITT

por Chico Marques


Bonnie Raitt passou por uns maus bocados nesses últimos anos. Perdeu seu pai, o ator e cantor da Broadway John Raitt, em 2004. Logo a seguir, em 2005, perdeu sua mãe, a pianista Marjorie Haydock.

E então, em 2009, perdeu o irmão mais velho, com quem tinha mais afinidade: Steve Raitt, cantor, guitarrista e engenheiro de som na cena de Minneapolis

(Steve morreu de um câncer no cérebro que o castigou por um período bem prolongado, e foi Bonnie quem cuidou dele nos seus últimos anos de vida)


Em meio a todo esse turbilhão emocional, Bonnie Raitt gravou o disco "Slipstream" em 2012, com sua banda de estrada e com a produção do craque Joe Henry – também um excelente artista solo e um arranjador muito criativo --, que soube explorar muito bem as possibilidades dela como artista já bem conhecidas de todos nós, além de outras um tanto quanto inusitadas.

Com "Slipstream", Bonnie retornou aos estúdios com um repertório fortíssimo e não só deu o pontapé inicial em seu próprio selo independente, Redwing Records, como ainda rompeu um silêncio de sete anos da cena fonográfica.

Esse retorno foi devidamente valorizado na Festa dos Grammies daquele ano, quando Bonnie venceu na categoria Best Americana Album, o que ajudou a revigorar sua carreira.

Ela chegou a declarar à Rolling Stone Magazine na ocasião: "essas sessões de gravação foram tão inspiradoras e tão saudáveis que restauraram minha fé na música a ponto de redespertar meu apetite para seguir em frente fazendo o que sei fazer melhor".



Convenhamos: não foi nada fácil ficarmos privados durante sete anos de uma das vozes mais lindas da história do pop mundial, capaz de transitar livremente por todos os gêneros musicais genuinamente americanos.

Sem contar que seu timbre na slide guitar é um dos mais marcantes que o blues e o rock and roll já tiveram o prazer de conhecer.



Pois dessa vez não foi necessário esperar tanto.

Bonnie Raitt está de volta com "Dig In Deep" (Redwing Records), seu vigésimo disco em 45 anos de carreira.

"Dig In Deep" é uma sequência à altura de "Slipstream". O tom dos dois discos é bastante semelhante. As diferenças estão basicamente no repertório e na produção.

Se em "Slipstream" Bonnie trabalhou prioritariamente com canções de amigos como Bob Dylan, Al Anderson e Randall Bramblett, aqui ele privilegia mais seu lado compositora, trazendo nada menos que cinco (ótimas) canções próprias que ela (felizmente) julgou dignas de ser gravadas. E apesar de Bonnie brilhar à frente de covers inusitados para "I Need You Tonight" (do INXS) e "Shakin' Shakin' Shakes" (do Los Lobos), os destaques aqui vão justamente para essas canções próprias -- em particular para "The Coming Round Is Going Through", "The Ones We Couldn't Be" (dedicada a seus pais e a seu irmão) e a adorável faixa título, em que ela homenageia todos os que acompanham sua carreira há quase meio século.  

Detalhe: dessa vez Bonnie dispensou o amigo Joe Henry e assumiu a produção do disco sozinha, o que indica claramente que ela está em busca de desafios -- apesar de sua experiência anterior com antoprodução, no LP "Souls Alike" (2005), não ter sido lá muito feliz. Mas considerando que Bonnie acaba de sair de uma tournée longa, onde teve a oportunidade de amadurecer e testar ao vivo várias dessas novas canções, podemos presumir que não tenha sido complicado para ela encarar a autoprodução do disco com boa parte das novas canções já devidamente azeitadas na estrada. Se ao se autoproduzir em "Dig In Deep" a intenção de Bonnie era se redimir de algum eventual trauma resultante de críticas pouco favoráveis a sua primeira experiência como produtora, eu diria que ela conseguiu seu intuito, pois deu tudo certo dessa vez.  
  

Enfim, Bonnie Raitt está de volta aos 66 anos de idade, madura e intrépida, com mais um belo disco a tiracolo, e à frente de uma banda impecável, pronta para cair na estrada pelo mundo afora, composta por veteranos tarimbadíssimos como Mike Finnigan (teclados), George Marinelli (guitarra), James "Hutch" Hutchinson (Baixo) e Ricky Fattar (bateria).

Na medida em que existe a possibilidade dessa tournée mundial passar aqui pelo Brasil no segundo semestre deste ano, só nos resta torcer para que nossa adorável Ruiva da Statocaster, legítima herdeira musical de Lowell George, inspire a imensa maioria de nossos "guitarristas de blues", espalhafatosos como eles só, a concluir que para alcançar um acorde verdadeiramente bluesy na slide guitar, menos é sempre mais.

Quem viu Bonnie homenageando B B King de forma magnífica na Festa dos Grammies deste ano, sabe bem do que estou falando.


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sexta-feira, janeiro 22, 2016

2 OU 3 COISAS SOBRE "CASS COUNTY", NOVO LP DO EAGLE TEXANO DON HENLEY

por Chico Marques


A morte súbita de Glenn Frey, co-líder dos Eagles ao lado de Don Henley, no início de Janeiro de 2016, encerrou a saga confusa e megalômana da banda californiana mais bem-sucedida comercialmente dos Anos 70.

Caso raro de banda em que até o baterista canta -- e canta muito bem --, os Eagles conseguiram agregar em seus primeiros quatro albums variantes musicais díspares e muito interessantes, decorrentes das personalidades musicais de cada integrante do grupo.

Um dos muitos dados curiosos da banda é que Glenn Frey, californiano, tinha afinidades musicais com country-rock de tons agridoces da California, enquanto Don Henley, texano da gema, sempre demonstrou ter preferência por um pop denso, quase existencialista.

Esse mix musical aparentemente incompatível somado às colaborações do baixista Randy Meisner -- ex-integrante do prestigiado grupo Poco -- e do guitarrista solo Bernie Leadon -- um aplicado aluno de Clarence White que vinha de uma temporada ao lado de Gram Parsons nos Flying Burrito Brothers -- proporcionou ao DNA dos Eagles todos os fatores hereditários e os anticorpos necessários para se dar bem na primeira metade dos Anos 70.


Mas o caso é que nenhum deles esperava que a banda alcançasse o sucesso que alcançou. Sem contar que a associação da banda com compositores amigos extremamente talentosos como Jackson Browne, Jack Tempchin e John David Souther permitiu que eles tivessem um repertório de singles extremamente robusto em pouco mais de três anos de carreira.

Mas com o megaestrelato de "Hotel California" o delicado equilíbrio "middle of the road" que caracterizava o trabalho dos Eagles foi para a cucuia, e o pop agridoce predominou sobre as sonoridades country, sempre com o contraponto eventual de um rock bem polido ou outro. Tudo isso somado aos abusos farmacológicos de praxe, e deu no que deu: as relações se deterioraram perigosamente entre os dois líderes dos Eagles. Em consequência disso, Randy Meisner e Bernie Leadon, que eram figuras cada vez mais secundárias na banda, decidiram cair fora para tentar carreiras solo, sendo substituídos por Tim Schmitt e Joe Walsh.

E não houve jeito: em 1980, depois da tournée confusa e turbulenta para promover o sexto disco da banda, 'The Long Run", os Eagles anunciaram que estavam encerrando atividades. No ano seguinte, tanto Don Henley quanto Glenn Frey deram início a carreiras solo extremamente bem sucedidas, que ficaram obscurecidas a partir dos constantes retornos dos Eagles a partir de 1994 para novos discos e tournées milionárias.

Curiosamente, tanto Glenn Frey quanto Don henley gravaram apenas 5 discos solo cada um nos últimos 35 anos.

O mais recente trabalho de Glenn Frey foi "After Hours", de 2012, uma coleção de covers de canções dos Anos 40 e 50 de que ele gostava muito, a ponto de decidir gravar um disco só com elas.

Já o mais recente trabalho de Don Henley veio à tona no final do ano passado, depois de vários anos em produção, enquanto aguardava o término de um contrato de longo prazo que tinha com a Warner.


Em "Cass County" (um lançamento Universal Music), seu primeiro disco de inéditas em 15 anos, Don Henley deixa de lado seu pop denso e arrojado e mergulha de cabeça nas suas raízes musicais texanas. Justo elas, que ele tanto evitou ao longo de toda a sua carreira.

Esboçado ao longo dos últimos 3 anos em seu estúdio caseiro, mas gravado inteiramente em Nashville, com músicos da cidade, no início do ano passado, "Cass County" -- nome do condado texano onde Henley passou sua infância -- é tanto uma espécie de volta para casa quando um acerto de contas carinhoso com o passado.

Segundo Henley, nunca foi tão divertido gravar um disco quanto dessa vez, graças ao time excelente e bem-humorado de músicos jovens que teve à disposição no estúdio. Como de hábito, todas as canções foram compostas em parceria com seu parceiro contumaz Stan Lynch, que nunca teve chance de mostrar suas habilidades como compositor nos muitos anos em que tocou bateria para Tom Petty & The Heartbreakers.

"Cass County" é um disco muito curioso e contraditório. É aparentemente despojado, mas custou caro. É aparentemente nostálgico, mas os arranjos são bem modernos. E apesar de ter uma levada meio urgente, foi gravado sem a menor pressa.
As canções são todas ótimas e de altíssimo gabarito, como de praxe em todos os álbuns solo de Don Henley. Difícil escolher uma ou outra para detacar.

Por mais confuso e prolongado que possa ter sido o processo de produção do disco, existe uma unidade artística e um padrão de excelência inegáveis no repertório. E as composições são simplesmente impecáveis, quase todas de primeira grandeza. Nenhum de seus discos solo ostenta um material tão "assoviável".

Na medida em que "Cass County" foi projetado originalmente para ser um disco de colaborações, e as participações especiais já gravadas eram "especiais demais" para serem descartadas no mix final, o jeito encontrado por Don Henley foi conjugar o que restou do projeto inicial com o novo projeto, tentando situar tudo num clima meio "rootsy" que pode ser sentido já a partir da capa, que traz Henley sentado ao volante de uma velha caminhonete com jeitão de roceiro, cuidadosamente desalinhado e despenteado.

"Cass County" ostenta duetos magníficos com Lucinda Williams, Trisha Yearwood, Martina McBride e Dolly Parton, além de Merle Haggard e de Mick Jagger, que faz uma participação vocal simplesmente genial com Miranda Lambert na faixa de abertura "Bramble Rose". Traz baladas fulminantes como "Words Can Break Your Heart", "She Sang Hyms Out Of Tune" e "Prayin' For Rain". E também rocks poderosos como "Achy Breakin' Heart". Tem até um blues com sotaque country à moda de Hoagy Carmichael chamado "Too Much Pride". E o mais importante de tudo: tem o vigor criativo dos músicos que povoam Nashville atualmente, que lembra, de certa forma, a verve dos country-rockers californianos do final dos Anos 1960 e início dos Anos 1970. Como os Eagles, por exemplo. Aliás, uma das mais belas faixas do disco é parcialmente dedicada a eles. O nome é "Train In The Disance".

Com o passar dos anos, a voz de Henley mudou um pouco. Continua rouca como sempre foi, só que agora está bem menos potente. Eu, pessoalmente, acho que ela nunca esteve tão bem acomodada a suas canções. Curiosamente, ficou um pouco semelhante à voz de Warren Zevon em seus dois LPs derradeiros. Mas fiquem tranquilos: Henley parece estar bem de saúde, não há com o que se preocupar.



Enfim, entre as novas canções de sua autoria e os covers que iriam compor o álbum de duetos inacabado, "Cass County" acaba ganhando uma dimensão curiosa com a recente morte de Glenn Frey.

Na medida em que Don Henley sempre fez o contraponto modernoso ao country-rock franco e desencanado de seu ex-parceiro, vê-lo mergulhar fundo em sua alma country pela primeira vez em seus discos solo sugere que ele desistiu da velha queda de braço que rolou entre os dois parceiros musicais ao longo dos últimos quarenta e poucos anos. 

Henley teria entregado os pontos.

Ou seja: Glenn Frey ganhou a parada.

De qualquer maneira, o que vale é que, com isso, Don Henley gravou o melhor álbum solo de sua carreira até o presente momento.



Se Glenn Frey ouviu "Cass County" antes de partir deste Planeta -- e ele viveu tempo suficiente para tê-lo ouvido -- presumo que tenha aprovado o tom da brincadeira, disparando um de seus clássicos sorrisos de canto de boca. Glenn era muito cool.

Don Henley, felizmente, ainda é.



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terça-feira, janeiro 19, 2016

2 OU 3 COISAS SOBRE "FIRST COMES THE NIGHT", NOVO LP DO SURFISTA MELANCÓLICO CHRIS ISAAK


Quando surgiu na cena musical de Los Angeles, correndo de rádio em rádio com seu primeiro LP "Silvertone" em baixo do braço, Chris Isaak esbanjou simpatia e, com isso, foi saudado de imediato por todos no meio musical como um curioso mix entre o visual de Ricky Nelson, a voz de Roy Orbison e a guitarra "twangy" de Duane Eddy.

Isaak chegou com a corda toda, mesclando sonoridades revisionistas da Sun Records com os "pet sounds" californianos dos Anos 60, alternando seu jeitão de surfista vintage com uma atitude artística pós-modernosa -- sempre sob a tutela do veterano produtor Eric Jacobsen, co-responsável pelos sucesso de John Sebastian e de Tim Hardin nos anos 60.

Chris Isaak fez um bom número de amigos pela América com seus dois primeiros discos, mas só foi cair no gosto do grande público no terceiro, "Heart Shaped World", de 1989, quando emplacou a canção "Wicked Game" nas paradas do mundo inteiro -- aqui no Brasil inclusive.

Desnecessário dizer que sua carreira paralela como ator em filmes como "O Silêncio dos Inocentes" de Jonathan Demme e "Coração Selvagem" de David Lynch ajudaram bastante na sedimentação de sua imagem de astro pop múltiplo, fazendo dele uma espécie de "instant darling" daquele final de década.



Nos últimos 25 anos, no entanto, Chris Isaak nunca mais conseguiu repetir o sucesso daquele momento.

Soube administrar bem sua carreira, alternando música e cinema com um talk-show chamado "The Chris Isaak Hour" que fez por uns tempos no Biography Channel, e fugindo sempre que possível daquela armadilha clássica que faz do artista um prisioneiro de fórmulas que deram certo tempos atrás.

Mas sempre que sentiu que sua carreira ameaçada a entrar em baixa, Chris Isaak não hesitou em retomar sua persona "mezzo Ricky Nelson com Roy Orbison, mezzo Duane Eddy" para reencontrar seu público cativo e assim seguir em frente com sua carreira.



"First Comes The Night" (um lançamento Vanguard-Wicked Game Records) é o 13º álbum de estúdio de Chris Isaak em 30 anos de carreira.

Quer saber se traz grandes novidades?

Não, não traz.

Não muitas, pelo menos.

Mas na medida que há seis anos Chris Isaak não nos brindava com um disco com canções inéditas, isso por si só já faz de "First Comes The Night" um acontecimento musical digno de ser devidamente saudado.

 Gravado em Nashville, bem longe do mar, e produzido por Paul Worley (Dixie Chicks, Lady Antebellum, Martina McBride), Dave Cobb (Jason Isbell, Sturgill Simpson, Shooter Jennings) e seu velho amigo Mark Needham, "First Comes The Night" segue em sintonia fina com o espírito de seus discos clássicos, só que mais pelo viés das composições do que pela musicalidade revisionista.

É um disco um pouco menos praiano que seu trabalho habitual, mas tão colorido e climático quanto, trazendo um cardápio de doze canções marcantes e perfeitamente assoviáveis, que vão das baladas românticas sempre infalíveis a rocks estilosos e números country híbridos que são, no mínimo, cativantes.

"The Way Things Really Are", por exemplo, é um número composto e levado no piano -- coisa rara nos discos de Isaak, sempre movidos por guitarras.

"Down in Flames", uma canção difícil de classificar, ostenta um beat muito curioso e bastante incomum em seu repertório.

Já "Perfect Lover"  vem pontuada por uma levada meio rockabilly, meio mariachi que é simplesmente irresistível -- a trilha sonora perfeita para uma escapada de fim de semana em Tijuana.

E tem ainda as divertidas "Baby What You Want Me to Do" and "Don't Break My Heart", que parecem ter fugido de um daqueles filmes duvidosos de Elvis Presley rodados na década de 60, como "Carrossel de Emoções" e "Loiras Morenas e Ruivas".

Claro que sempre é bom ter um single poderoso puxando execução nas rádios, e a faixa-título é simplesmente perfeita para exercer essa função. Trata-se de um número poderoso, que evoca "Wicked Game" e é a cara de Chris Isaak -- ou ao menos, a cara que o grande público se habituou a associar a ele.




Apesar de "First Comes The Night" alternar números inusitados com canções sob medida para agradar em cheio ao fã habitual de Mr. Isaak, não se pode dizer que seja um LP que eleve o trabalho dele a um novo patamar artístico.

É um disco de manutenção de carreira, visando sua sobrevivência na cena independente e a manutenção de sua reputação de roqueiro baladeiro romântico.

"First Comes The Night" é um belo disco, reforça sua persona cool e o reafirma como um ótimo compositor e um artista pop bastante relevante.

O que mais um veterano da cena pop, com 30 anos de carreira pregressa e uns tantos outros pela frente, pode desejar nos dias de hoje?



WEBSITE OFICIAL
http://www.chrisisaak.com/

DISCOGRAFIA COMENTADA
http://www.allmusic.com/artist/chris-isaak-mn0000775323/discography

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segunda-feira, janeiro 11, 2016

2 OU 3 COISAS SOBRE "BLACKSTAR", O DERRADEIRO MERGULHO NA NOITE DA ALMA DE MR. DAVID BOWIE

por Chico Marques


Passei a primeira semana de 2016 ouvindo sem parar "Blackstar", novo LP de David Bowie. Fiquei completamente encantado com as texturas musicais que ele criou e desenvolveu, com a densidade existencial das canções e com a carga dramática intensa que contrasta com a brevidade do disco (42 minutos de duração).

Minha intenção inicial foi esperar para publicar uma apreciação de "Blackstar" na última sexta, dia 8 de Janeiro, data oficial de seu lançamento mundial e também o dia em que Mr. Bowie iria completar 69 anos de idade. Mas não escrevi nada. Não me senti pronto para escrever a respeito. Alguma coisa permanecia no ar, me incomodando e fascinando mais e mais a cada nova audição, Achei melhor ouví-lo mais algumas vezes e esperar para ver se as idéias clareavam mais um pouco até o início da semana seguinte.

E então, a semana seguinte veio com a notícia da morte de David Bowie na noite de domingo, 10 de Janeiro, em Nova York, depois de 18 meses de uma batalha intensa contra um cancer. Na medida em que desde o final dos Anos 70 Bowie nunca deixou de zelar por sua privacidade, separando totalmente sua vida artística de sua vida pessoal e familiar, só um círculo seleto de amigos sabia pelo que ele estava passando. Para o grande público, Bowie estava apenas recluso.

A notícia de sua morte, obviamente, mudou por completo o meu entendimento sobre o que Bowie pretendia com "Blackstar". Nunca me ocorreu que este fosse um disco especificamente sobre a morte, apesar dela estar à espreita nos temas das sete faixas do disco. Mas agora é, gostemos disso ou não.

"Blackstar" é uma sequência de canções que chama o ouvinte para mergulhar na noite da alma. Nele, tudo soa estranhamente confortável e familiar. Ecos dos anos 70 saltam aos ouvidos o tempo todo. Tudo é de uma urgência impressionante. Nesse sentido, lembra um pouco "Station to Station", que foi gravado numa época em que ele vivia no limite, num flerte aberto com a morte -- que ele reverteu de forma brilhante ao longo da série incomparável de álbuns "Low", "Heroes", "Lodger" e "Scary Monsters".

Apesar das muitas semelhanças musicais com alguns momentos mais densos de seu disco anterior, "The Next Day" (2013), que abria janelas tanto para seu passado quanto para seu futuro, "Blackstar" não é plural, e nem pretende abrir janela nenhuma para lugar algum. Funciona como um trem fantasma quer vaga pela noite, contrapondo o passado à frente do futuro, e vice-versa. Sempre mantendo o imaginário a serviço da realidade, sem perder tempo correndo atrás do sentido da vida, pois não há tempo para isso.

Tudo o que "Blackstar" proporciona em termos existenciais é de uma truculência emocional ímpar. E, agora sabemos com certeza, é tudo absolutamente verdadeiro.


"Blackstar" não se preocupa em estar em sintonia com o momento musical atual, uma obsessão que sempre permeou cada novo trabalho de Bowie. Sua sonoridade jazzy possui um toque glam muito forte, que soa atemporal e nada datado. Claro que o disco, que não é de audição fácil, não é composto unicamente de estranhamentos musicais. Ele se equilibram com números pop com drum'n'bass à moda dos Anos 90, entre outras surpresas curiosas.

Duas canções do disco -- "Sue (Or in a Season of Crime)" e "'Tis a Pity She Was a Whore" -- já haviam aparecido na coletânea "Nothing Has Changed" dois anos atrás, mas foram regravadas com uma levada completamente diferente por Bowie e pelo produtor Tiny Visconti para este novo disco.

Mas para chegar até elas o ouvinte tem que passar pela ousada e complexa suite de abertura de dez minutos de duração que dá nome a "Blackstar", e que é de tirar o fôlego. Posso apostar que, ao ouví-la, Scott Walker deve ter morrido de inveja e, ao mesmo tempo, de orgulho de seu pupilo. É uma obra espetacular, que dá uma dimensão totalmente nova às capacidades de Bowie como compositor.


Quer um conselho?

Ouça "The Next Day", o disco de Bowie de 3 anos atrás, e depois, mergulhe de cabeça em "Blackstar".

Sem medo. Pode dançar, se quiser.

"Blackstar" é um disco suspenso no ar, climático e envolvente, que agora passa a fazer mais sentido ainda ao se afirmar como um epílogo na carreira de Bowie.

É complexo e perturbador, além de ser uma peça fundamental numa das carreiras mais relevantes da música popular do Século 20. Poucos artistas tiveram o privilégio de definir em vida qual seria o ponto final em suas obras.

Pois David Bowie teve.

Começa agora o Eterno Retorno.


"CAMALEÃO DO ROCK"
É A PUTA QUE O PARIU!
(DAVID BOWIE)  




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