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domingo, janeiro 02, 2022

(08JAN2022) NOSSAS HOMENAGENS AO GRANDE ANIVERSARIANTE DO DIA: DAVID BOWIE

 






Chico Marques é um iconoclasta
desde a mais tenra idade.
Nascido em Santos em 1960,
estudou Literatura Inglesa
na Universidade de Brasília,
atuou como publicitário
e foi produtor musical
em emissoras de rádio e TV.
Vive na Polinésia Francesa,
onde trabalha como editor
de THE BORA BORA REVIEW
e de ALTO&CLARO.

 

sábado, maio 06, 2017

PACOTEIRA MUSICAL DE FIM DE SEMANA: DAVID BOWIE, GENESIS, CHARLIE WATTS, PHIL MANZANERA & ROBIN TROWER

por Chico Marques


Quando as grandes multinacionais do disco pararam de vender cds feito água e tiveram que rever sua maneira de trabalhar, fechando as torneiras e repensando suas estratégias (caríssimas) para promover novos artistas, todos os veteranos que há anos viviam à margem da Indústria, por venderem poucos discos, voltaram a ser assediados pelas gravadoras de uma hora para outra.

É que, na medida em que a crise estava castigando a Indústria, e eles eram artistas bem conhecidos, que dispensavam investimentos em promoção, seus trabalhos voltaram a ser viáveis comercialmente, e eles passaram a gozar de uma situação confortável com a Indústria como há muito não acontecia. Em tempos difíceis, o público cativo desses veteranos passou a ser um diferencial precioso.

Com isso, tanto os novos discos gravados por veteranos quanto relançamentos ou antologias com material inédito desses artistas passaram a ser disputados a tapa pelas gravadoras e a surgir com frequência no mercado.

Selecionamos 5 discos que seguem mais ou menos este perfil, acabam de chegar ao mercado e, mesmo não sendo fundamentais, merecem ser ouvidos com muita atenção e -- por que não? -- algum carinho.



DAVID BOWIE
Cracked Actor (Live Los Angeles 1974)
(Parlophone UK)

A Indústria Fonográfica tem razões que a própria razão desconhece. Como explicar a pressa da RCA em lançar "David Live" em 1974, com gravações do início atrapalhado da tournée "Diamond Dogs", sendo que as apresentações do meio da tournée em diante foram infinitamente superiores? Aqui, o produtor Tony Visconti assume sua parcela de culpa e repara o erro estratégico da RCA, resgatando com todas as honras um show espetacular de Bowie no L.A. Forum, já com músicos com uma levada soul em sua banda -- Carlos Alomar, David Sanborn, Luther Vandross --, e antecipando o clima musical e algumas canções ainda inéditas que só iriam aparecer no album "Young Americans", do ano seguinte, 1975. Na época, muita gente achou forçação de barra a mudança abrupta de Bowie do glam-rock de "Diamond Dogs" para o glam-soul de "Young Americans". Mas basta ouvir "Cracked Actor" para perceber claramente que existiu um período de transição muito criativo e extremamente orgânico ligando entre essas duas fases. Ele só não estava disponível para nós, pobres mortais admiradores de Mr. Bowie. Pois agora está. Que lindo disco...


GENESIS
50 Years Ago
(Jonjo Music UK)

Era inevitável: todos sabiam que a proximidade do 50° Aniversário de carreira do Genesis iria levar as gravadoras por onde a banda passou a promover uma devassa nas geladeiras em busca de velhos tapes esquecidos que permaneceram inéditos. A antologia "50 Years Ago" é exatamente isso. Focaliza o período 1967-1968, imediatamente anterior ao disco de estreia da banda: "From Genesis To Revelation". Traz versões demo e takes alternativos de praticamente todo o repertório do disco, além de algumas curiosidades e raridades que devem deixar os fãs mais ardorosos da banda completamente alvoroçados. Como o folk-psicodélico de "From Genesis To Revelation" não é exatamente uma unanimidade entre a maioria dos fãs da banda, esse disco vai interessar somente aos fãs mais incondicionais deles. De qualquer maneira, vale a pena conhecer.


CHARLIE WATTS & THE DANISH RADIO BIG BAND
Charlie Watts Meets The Danish Radio Big Band
(Impulse! US)

Muita gente não consegue entender como o baterista da maior banda de rock de todos os tempos consegue levar uma vida paralela como baterista de orquestras de Swing. Até porque Swing e Rock & Roll em princípio não combinam nem musicalmente e nem em termos comportamentais: são gêneros completamente antagônicos. Mas para Charlie não tem tempo ruim, está tudo em casa, ele trafega tranquilamente bem pelos dois terrenos, sem sustos. Se nos Stones ele segura todas as doideiras dos outros membros da banda proporcionando uma base sólida, criativa e infalível, aqui, com a Danish Radio Big Band, ele cumpre exatamente o mesmo papel. Muda apenas o contexto musical. A novidade é que, dessa vez, não se trata de um disco de Swing e sim uma longa suite de jazz à moda de Duke Ellington, trabalhando vocalizações e tonalidades musicais africanas. E então, bem no meio de uma dezena de músicos, lá está o pequeno grande Charlie Watts posando de líder (para puxar a vendagem do disco, claro!), mas na verdade dividindo as responsabilidades com todos os outros músicos da Big Band. Impoluto e imperturbável, como sempre. Figuraça!

PHIL MANZANERA
Live At The Curious Arts Festival
(Expression Records UK)

O guitarrista e produtor Phil Manzanera é um artista surpreendente. Conhecido por seu trabalho sensacional no Roxy Music como produtor, arranjador e compositor, ele sempre manteve uma carreira solo paralela desenvolvendo um trabalho extremamente experimental. Curiosamente, nessa apresentação ao vivo no Curious Arts Festival, ele passeia pelo repertório clássico do Roxy Music acompanhado por músicos jovens e dando suporte a uma jovem cantora excepcional chamada Sonia Bernardo, que reinventa essas velhas canções à moda dela. Fãs mais ardorosos de Bryan Ferry podem eventualmente torcer o nariz. Eu, pessoalmente, achei ótimo. Um disco surpreendente e inusitado.

ROBIN TROWER
Time and Emotion
(V12 Records UK)

Robin Trower é um artista curioso. Em seus tempos no Procol Harum nos Anos 60, era tido como um dos guitarristas mais arrojados e inventivos da Inglaterra. Nos Anos 70, saiu em carreira solo e mudou radicalmente seu estilo, apresentando-se como candidato ao trono de Jimi Hendrix. Ganhou projeção mundial como Ás da Guitarra. E então, dos Anos 80 para cá, pouco a pouco foi deixando os cacoetes hendrixianos de lado e procurando sua identidade musical em discos cada vez mais complexos e menos apelativos ao grande público. Agora, aos 72 anos de idade, nesse "Time & Emotion', Robin parece ter decidido conjugar seus conceitos musicais mais cerebrais com investidas bem explosivas em sua guitarra, sem medo de vez ou outra soar como Jimi Hendrix nos Anos 60, ou como Robin Trower nos Anos 70. "Love & Emotion" é um disco de maturidade. Mas que de frouxo não tem absolutamente nada. Não se enganem: Robin Trower continua uma fera na guitarra. 





CHICO MARQUES
é comentarista,
produtor musical
e radialista
há mais de 30 anos,
e edita a revista cultural
LEVA UM CASAQUINHO
e o blog musical
ALTO & CLARO 



sábado, dezembro 31, 2016

ALTOeCLARO ESCOLHE OS DEZ MELHORES DISCOS DE 2016 (por Chico Marques)

1. BLACK STAR (David Bowie)
Em seu disco de despedida, David Bowie convida o ouvinte para um mergulho na noite da alma. Nele, tudo soa estranhamente confortável e familiar. Ecos dos anos 70 saltam aos ouvidos o tempo todo. Tudo é de uma urgência impressionante. Nesse sentido, lembra um pouco "Station to Station", que foi gravado numa época em que ele vivia no limite, num flerte aberto com a morte -- que ele reverteu de forma brilhante ao longo da série incomparável de álbuns "Low", "Heroes", "Lodger" e "Scary Monsters". Apesar das muitas semelhanças musicais com alguns momentos mais densos de seu disco anterior, "The Next Day" (2013), que abria janelas tanto para seu passado quanto para seu futuro, "Blackstar" não é plural, e nem pretende abrir janela nenhuma para lugar algum. Funciona como um trem fantasma que vaga pela noite, contrapondo o passado à frente do futuro, e vice-versa. Sempre mantendo o imaginário a serviço da realidade, sem perder tempo correndo atrás do sentido da vida, pois não há tempo para isso.

2. POST POP DEPRESSION (Iggy Pop & Josh Homme)
Quem diria que duas das figuras mais loucas da cena do rock and roll iriam um dia unir forças num trabalho conjunto? Pois aconteceu: Iggy Pop e Josh Homme entraram no estúdio em Janeiro deste ano -- às próprias custas e ainda sob o impacto do morte de David Bowie -- e gravaram 9 canções cruas e extremamente contundentes compostas em parceria entre os dois e em apenas duas tardes de gravação. O resultado é cru, urgente, e ao mesmo tempo climático. E lembra eventualmente "Lust For Life", que Iggy e Bowie gravaram juntos em 1977, na Alemanha. De todas as homenagens e tributos realizados este ano pela memória de David Bowie, essa aqui é disparado a mais verdadeira e a mais relevante em termos artísticos.
3. BURN SOMETHING BEAUTIFUL (Alejandro Escovedo)
Aos 65 anos de idade, o sempre incansável Alejandro Escovedo continua correndo atrás no novas experiências musicais. Depois de três discos excelentes produzidos pelo lendário Tony Visconti e gravados com a banda do amigo Chuck Prophet, Escovedo uniu forças com Peter Buck (do REM) e Scott McCaughey (do Minus 5) e juntos compuseram as canções de "Burn Something Beautiful". A coisa toda funciona tão bem que dá para sentir claramente em cada canção do disco um pouco da personalidade musical de cada um dos três, tudo devidamente entrelaçado em guitarradas sensacionais e refrões contundentes. Em suma: um disco com espírito de aventura, algo difícil de ver num artista veterano.
4. SHINE A LIGHT (Billy Bragg & Joe Henry)
2016 foi realmente um ano em que muitos artistas apostaram em trabalhos em colaboração. Aqui, temos o príncipe do folk-punk inglês Billy Bragg unindo forças ao multitalentoso guitarrista e produtor americano Joe Henry em releituras delicadíssimas das clássicas canções de estrada que fizeram a fama de Woody Guthrie e tantos outros menestréis errantes. Para entrar no clima das canções, os dois decidiram apostar no inusitado e gravar o disco em plataformas de embarque e salões de estações ferroviárias entre Chicago e Los Angeles. O resultado é absolutamente reverente ao gênero, e ao mesmo tempo aventuresco em termos de produção. Uma ideia brilhante que acabou rendendo um disco delicioso.
5. THE WESTERNER (John Doe)
Desde os tempos do lendário grupo X nos Anos 80, quem segue a obra do ex-punk rocker John Doe está mais do que acostumado com suas idiossincrasias musicais. Mas The Westerner é, sem dúvida, a melhor, mais ousada e mais madura musicalmente delas todas. É um disco sobre o deserto, que alterna guitarradas à moda de Duane Eddy e Dick Dale com rocks e baladas climáticas que remetem aos Doors e, claro, ao X no início de carreira da banda. À primeira audição, pode até parecer que John Doe está fechando um círculo depois de 35 anos de carreira. Ele diz que não. Mas a sensação -- muito agradável -- que fica é essa. Um disco surpreendente.
6. PAGING MR. PROUST (The Jayhawks)
Com mais de 30 anos de carreira oscilando entre o alt-country e o indie-rock, os Jayhawks pareciam no início ser a reencarnação do espírito ousado do grupo Uncle Tupelo, mas acabaram se transformando numa espécie de "versão fim de século" dos country-rockers do Poco. Claro que não há nada de errado ou de indigno nisso, muito pelo contrário. Novamente sem Marc Olson, que já entrou e saiu da banda sabe-se lá quantas vezes, os integrantes remanescentes dos Jayhawks seguem em frente combinando suas preferências musicais, e, mesmo sem grandes pretenções, realizando um disco exemplar. A produção de Peter Buck, do REM, ajudou bastante na hora de colocar todos esses elementos em perspectiva. De resto, as harmonias vocais da banda continuam deliciosas e as canções são todas ótimas.    
7. SCHMILCO (Wilco)
O nome do novo disco do Wilco remete ao grande Harry Nillson, que gostava de usar a alcunha Schmillson, e anuncia mudanças muito curiosas na orientação musical da banda. É como se Jeff Tweedy estivesse trazendo para dentro o Wilco um pouco do clima caseiro experimental do disco que gravou ao lado de seu filho dois anos atrás -- que acabou servindo de trilha sonora para o premiadíssimo filme "Childhood", de Richard Linklater. Paralelo a esses experimentos, Tweedy embarca em canções confessionais com um sotaque country que remetem ao início de carreira do Wilco e ao trabalho dele com Jay Farrar no lendário Uncle Tupelo nos Anos 80. O resultado disso é surpreendente. É o Wilco "de volta para casa", só que musicalmente renovado, tematicamente redimensionado, e pronto para voar alto e longe novamente.
8. THE GHOSTS OF HIGHWAY 20 (Lucinda Williams)
Se hoje o termo Americana acabou virando gênero musical, uma das grandes responsáveis por isso foi Lucinda Williams. Ao lado de Lyle Lovett e outros artistas country crossover, ela conseguiu melhor do que ninguém atrair a atenção das plateias de rock para uma série de trabalhos musicais que desafiavam toda e qualquer classificação em meados dos Anos 90. Esse seu novo trabalho é uma colcha de retalhos espetacular, onde Lucinda trafega pelo country, pela soul music e pelos blues em canções poderosíssimas que são a cara dela -- ou seja: passionais, truculentas e inebriantes. Atenção para a releitura sensacional que ela elaborou para Factory, de Bruce Springsteen. Sem exagero, o melhor disco de Lucinda Williams desde o clássico "Car Wheels On A Gravel Road" (1998).
9. SOLID STATES (The Posies)
Outra banda que chega aos 30 anos de carreira com dignidade artística a toda prova. Sempre sob o comando do genial Ken Stringfellow, os Posies tem gravado pouco -- apenas um disco a cada 5 anos --, mas nunca decepcionam, e nunca abrem mão de correr riscos. Nesse novo disco, o power-pop característico da banda flui tranquilamente através de temas agridoces, como divórcios e perdas afetivas. Uma coleção de canções cativante e despretenciosa. Mas vital.
10. THIS GIRL'S IN LOVE - A BACHARACH & DAVID SONGBOOK (Rumer)
Para quem não conhece, Rumer é uma espécie de Karen Carpenter com alma. Ou uma espécie de Adele com estofo musical. Cantora poderosíssima, e de extremo bom gosto na hora de escolher repertório, ela acaba de gravar um tributo a Burt Bacharach e Hal David que é simplesmente desconcertamente de tão bonito. Desde aquele disco clássico de Ron Isley de 2003, ninguém passeava por esse repertório clássico dos Anos 60 com tamanha propriedade e conhecimento de causa. Se você ainda não conhece os "poderes" de Rumer, não há melhor maneira de começar do que por aqui.




segunda-feira, janeiro 11, 2016

2 OU 3 COISAS SOBRE "BLACKSTAR", O DERRADEIRO MERGULHO NA NOITE DA ALMA DE MR. DAVID BOWIE

por Chico Marques


Passei a primeira semana de 2016 ouvindo sem parar "Blackstar", novo LP de David Bowie. Fiquei completamente encantado com as texturas musicais que ele criou e desenvolveu, com a densidade existencial das canções e com a carga dramática intensa que contrasta com a brevidade do disco (42 minutos de duração).

Minha intenção inicial foi esperar para publicar uma apreciação de "Blackstar" na última sexta, dia 8 de Janeiro, data oficial de seu lançamento mundial e também o dia em que Mr. Bowie iria completar 69 anos de idade. Mas não escrevi nada. Não me senti pronto para escrever a respeito. Alguma coisa permanecia no ar, me incomodando e fascinando mais e mais a cada nova audição, Achei melhor ouví-lo mais algumas vezes e esperar para ver se as idéias clareavam mais um pouco até o início da semana seguinte.

E então, a semana seguinte veio com a notícia da morte de David Bowie na noite de domingo, 10 de Janeiro, em Nova York, depois de 18 meses de uma batalha intensa contra um cancer. Na medida em que desde o final dos Anos 70 Bowie nunca deixou de zelar por sua privacidade, separando totalmente sua vida artística de sua vida pessoal e familiar, só um círculo seleto de amigos sabia pelo que ele estava passando. Para o grande público, Bowie estava apenas recluso.

A notícia de sua morte, obviamente, mudou por completo o meu entendimento sobre o que Bowie pretendia com "Blackstar". Nunca me ocorreu que este fosse um disco especificamente sobre a morte, apesar dela estar à espreita nos temas das sete faixas do disco. Mas agora é, gostemos disso ou não.

"Blackstar" é uma sequência de canções que chama o ouvinte para mergulhar na noite da alma. Nele, tudo soa estranhamente confortável e familiar. Ecos dos anos 70 saltam aos ouvidos o tempo todo. Tudo é de uma urgência impressionante. Nesse sentido, lembra um pouco "Station to Station", que foi gravado numa época em que ele vivia no limite, num flerte aberto com a morte -- que ele reverteu de forma brilhante ao longo da série incomparável de álbuns "Low", "Heroes", "Lodger" e "Scary Monsters".

Apesar das muitas semelhanças musicais com alguns momentos mais densos de seu disco anterior, "The Next Day" (2013), que abria janelas tanto para seu passado quanto para seu futuro, "Blackstar" não é plural, e nem pretende abrir janela nenhuma para lugar algum. Funciona como um trem fantasma quer vaga pela noite, contrapondo o passado à frente do futuro, e vice-versa. Sempre mantendo o imaginário a serviço da realidade, sem perder tempo correndo atrás do sentido da vida, pois não há tempo para isso.

Tudo o que "Blackstar" proporciona em termos existenciais é de uma truculência emocional ímpar. E, agora sabemos com certeza, é tudo absolutamente verdadeiro.


"Blackstar" não se preocupa em estar em sintonia com o momento musical atual, uma obsessão que sempre permeou cada novo trabalho de Bowie. Sua sonoridade jazzy possui um toque glam muito forte, que soa atemporal e nada datado. Claro que o disco, que não é de audição fácil, não é composto unicamente de estranhamentos musicais. Ele se equilibram com números pop com drum'n'bass à moda dos Anos 90, entre outras surpresas curiosas.

Duas canções do disco -- "Sue (Or in a Season of Crime)" e "'Tis a Pity She Was a Whore" -- já haviam aparecido na coletânea "Nothing Has Changed" dois anos atrás, mas foram regravadas com uma levada completamente diferente por Bowie e pelo produtor Tiny Visconti para este novo disco.

Mas para chegar até elas o ouvinte tem que passar pela ousada e complexa suite de abertura de dez minutos de duração que dá nome a "Blackstar", e que é de tirar o fôlego. Posso apostar que, ao ouví-la, Scott Walker deve ter morrido de inveja e, ao mesmo tempo, de orgulho de seu pupilo. É uma obra espetacular, que dá uma dimensão totalmente nova às capacidades de Bowie como compositor.


Quer um conselho?

Ouça "The Next Day", o disco de Bowie de 3 anos atrás, e depois, mergulhe de cabeça em "Blackstar".

Sem medo. Pode dançar, se quiser.

"Blackstar" é um disco suspenso no ar, climático e envolvente, que agora passa a fazer mais sentido ainda ao se afirmar como um epílogo na carreira de Bowie.

É complexo e perturbador, além de ser uma peça fundamental numa das carreiras mais relevantes da música popular do Século 20. Poucos artistas tiveram o privilégio de definir em vida qual seria o ponto final em suas obras.

Pois David Bowie teve.

Começa agora o Eterno Retorno.


"CAMALEÃO DO ROCK"
É A PUTA QUE O PARIU!
(DAVID BOWIE)  




Amostras Grátis











quarta-feira, maio 27, 2015

PAUL WELLER SE REINVENTA MAIS UMA VEZ EM "SATURN'S PATTERN", UM LP FABULOSO. DESSA VEZ, A AMÉRICA NÃO TEM COMO ESCAPAR DELE.

por Chico Marques


Paul Weller não sossega jamais. Depois de brilhar 15 anos à frente de grupos como The Jam e Style Council, e de passar boa parte da década de 1990 apostando numa carreira solo visando agradar ao público americano -- em vão, pois os americanos apanham para entendê-lo --, Weller desistiu de facilitar as coisas e passou a investir num trabalho independente cada vez mais pessoal. Desde então, não pára de ganhar prêmios e de ser reconhecido como a artista mais importante e influente da cena inglesa desde David Bowie.

Depois de algumas aventuras diletantes, que culminaram com "Sonic Kicks" (2012) -- um disco modernoso, onde enveredou pelo terreno às vezes pantanoso da música eletrônica -- Paul Weller parou por 3 anos para rever uma série de posicionamentos de carreira. Primeiro, encerrou sua longa parceria com o produtor Simon Dine, e se livrou do cárcere musical que a roupagem eletrônica que ele criou impunha a suas canções e performances musicais. Segundo, convocou Jan "Stan" Kybert para assumir a co-produção de seu novo trabalho, e optaram por expandir a sonoridade da banda e a musicalidade das novas canções, embarcando numa levada musical retrô neo-psicodélica com uma atitude meio revisionista e meio modernosa. 

Oportunismo mercadológico? Talvez. Weller acaba de mudar de gravadora, após encerrar um período meio turbulento com a Island Records, que prometeu promovê-lo nos EUA e não cumpriu o combinado.


Mas conhecendo Paul Weller, é bobagem duvidar de sua capacidade de se reinventar de tempos em tempos. Desde "22 Songs" (2008) ele vem experimentando uma espécie de renascimento artístico em sua carreira, com aplausos tanto da crítica quanto do público inglês. Mesmo assim, o público americano permanece um sonho ainda inacessível a ele. O que mais assusta Weller é que ele já tem 57 anos de idade, idade complicada para emplacar por lá. e seu tempo de carreira em breve o qualificará apenas a refém de seu próprio passado glorioso nas mãos de algum Gerente de Projetos Especiais de alguma gravadora -- ou seja: justamente o que ele não quer para si próprio. 

Se almejasse esse tipo de tranquilidade, bastaria reformar o The Jam e o Style Council, alternando tournées com as duas bandas, e viver em sobressaltos os anos que ainda tem pela frente. 

Não adianta: Paul Weller é inquieto por natureza.


Pois bem: o nome do novo disco de Paul Weller é “Saturn's Pattern" (WEA Parlophone, sem previsão de lançamento no Brasil). É um reflexo curioso desses dilemas que ele vive atualmente. Aqui, os sintetizadores modernosos do disco anterior deram lugar a Mini-Moogs e o tapete musical eletrônico deu lugar a reverbs de guitarras e muitas tonalidades psicodélicas, tanto nos vocais quanto na base musical. 

Mas tirando isso, estamos diante do mesmo Paul Weller iconoclasta musical de sempre, trafegando entre o soul melodioso e comportado da Motown e os grooves selvagens de Curtis Mayfield, entre o rock rasgado do Humble Pie e toda a herança pop britânica, da qual é um dos maiores expoentes há quase 40 anos. Weller é tão íntegro que, até na hora de flertar oportunisticamente com o público americano, ele acha um jeito de manter sua dignidade artística intacta.

"Saturn's Pattern" abre com uma brincadeira neo-psicodélica pesadona em colaboração com o grupo Amorphous Androgynous, que, segundo o espirituoso jornalista inglês Neil Dowden, soa como "Led Zeppelin sendo abduzido por alienígenas". 

Logo a seguir, na faixa título, o flerte sempre inevitável de Weller com seus heróis de infância The Small Faces ressurge forte -- em parte por conta do cinquentenário da banda, mas principalmente em homenagem a Ian McLagan, tecladista do grupo, falecido este ano. 

E então, temos "Goin' My Way", uma balada belíssima, que evoca tanto os Beach Boys quanto os Zombies, cuja letra funciona como uma espécie de carta de intenções de um artista incansável, cuja musa nunca o abandonou. 

E se a curtíssima faixa seguinte "Long Time" parecer com alguma antiga canção dos Kinks reinventada pelo David Bowie da fase Ziggy Stardust, ou com alguma maluquice de Iggy Pop da fase "Raw Power", não se assuste: todas essas personas roqueiras com suas obsessões sonoras convivem pacificamente dentro do Universo Musical e da psiqué de Paul Weller.

Todas as 9 composições de "Saturn's Pattern" são muito divertidas e inusitadas, sem exceção. E na edição deluxe do álbum, tem ainda 3 bonus tracks deliciosas -- entre elas a melhor releitura da clássica 'I'm A Road Runner" que já ouvi. Sem nenhum exagero, podem acreditar.  


Assim como no longínquo primeiro álbum solo de Weller, gravado 24 anos atrás logo após o fim do Style Council, "Saturn's Pattern" tem um pouco de tudo para satisfazer a todos os gostos.  

Paul Weller pensa mais ou menos como Mick Jagger & Keith Richards sempre que estão preparando um disco novo: se todo o trabalho não servir para se manter em sintonia com a cena atual, sempre renovado(s) musicalmente, então a empreitada terá sido um fracasso, com direito a uma passagem só de ida para o Reino da Nostalgia -- o último lugar no mundo em que Jagger, Richards e Weller querem estar.

Se você é fã dos Black Keys, adora o Alabama Shakes, vibra com The Vaccines e ainda não conhece o trabalho de Paul Weller, aproveite a oportunidade: "Saturn's Pattern" vai surpreender você. 

Não negue fogo.

(PS: mais um que segue direto para a minha lista de Melhores de 2015 desde já, para fazer companhia a "Mystery Glue" de Graham Parker and The Rumour, comentado aqui dias atrás)




AMOSTRAS GRÁTIS




quinta-feira, março 14, 2013

DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE "THE NEXT DAY", O NOVO DISCO DE DAVID BOWIE


Nessas últimas duas semanas, a Imprensa Musical Internacional não falou de outra coisa senão "The Next Day", o primeiro disco de David Bowie Bowie depois de 10 anos de sumiço. Sem conceder uma entrevista sequer, ele conduziu de forma brilhante o lançamento do disco. Liberou seu produtor Tony Visconti e os músicos que participaram das gravações para falar o que quisessem, mas em momento algum veio a público "explicar o disco". Deixou que as análises corressem soltas por aí, confiando no poder de fogo de seu novo trabalho. E, até onde eu sei, não foi publicada uma crítica negativa sequer. Todas as que li fizeram questão de ressaltar que há muitos anos Bowie não surgia com uma coleção de canções tão intrigante e tão vigorosa.

Eu gostei muito do longo comentário de David Cavanagh para a Uncut e da crítica-louvação de Rob Sheffied para a Rolling Stone. Mas acho que tanto uma quanto a outra deixaram escapar alguns pontos importantes, que me parecem muito peculiares desse momento artístico de David Bowie.


O primeiro deles diz respeito aos personagens que David Bowie cria para as canções desse disco. Ao contrário de trabalhos anteriores, em que nosso herói se transmutava nesses personagens de forma intensa, "The Next Day" revela um Bowie mais cauteloso nesse sentido. Pode ser talvez resultado de sua reclusão nesses últimos anos, ou mesmo reflexo do infarto quase fulminante que sofreu em sua última tournée. O caso é que algo mudou no processo de composição das novas canções. Na hora de gravá-las, ele nem se preocupou em dar instruções demais a Tony Visconti e ainda ofereceu uma autonomia maior que a habitual aos seus músicos para desenvolverem livremente suas partes nos arranjos das canções do disco, limitando suas interferências ao mínimo necessário. O impacto diferenciado do mix final de cada canção com certeza se deve a esse esforço conjunto, e ao leve distanciamento que Bowie impôs a si próprio em relação a suas personas.

Outro aspecto interessante, a meu ver, é que esse é, sem dúvida, o disco mais político de Bowie em muitos e muitos anos. “The Next Day” mostra o mundo de hoje visto por Bowie de seu apartamento em Nova York, ao lado de sua família e de seus amigos mais próximos, distante do calor da ruas e da ação cotidana. Esse microcosmo alterna momentos de conforto com momentos extremamente claustrofóbicos. Concebido nessa reclusão auto-imposta, é um disco ao mesmo tempo cruel e carinhoso com os temas que aborda: turbulências conjugais, guerras, vida de celebridade, conflitos entre o passado e o presente, e a dificuldade em projetar um futuro que não seja sombrio, duvidoso e, mesmo assim, fascinante. 


“The Next Day” é o 24° disco de David Bowie, e é tão bem dosado que simplesmente não tinha como dar errado. A expectativa em torno dele era enorme, e, mesmo assim, ele não decepciona em momento algum. Aliás, só surpreeende. E continua surpreendendo, após inúmeras audições. Pela vitalidade da empreitada. Pela maneira como os temas se encadeiam e nos envolvem. E também porque ninguém esperava um disco superlativo vindo dele a essa altura do campeonato. Um disco mediano, reflexivo, já teria agradado e muito.

Mas não adianta: caras como David Bowie nunca deixam por menos.

Grandes artistas são assim mesmo, não negam fogo jamais. 









BIO-DISCOGRAFIA
http://www.allmusic.com/artist/david-bowie-mn0000531986

WEBSITE OFICIAL
http://www.davidbowie.com/ 

AMOSTRAS GRÁTIS

sábado, setembro 08, 2012

IAN HUNTER FAZ 73 ANOS FIEL À SUA ALMA ROCK AND ROLL EM "WHEN I'M PRESIDENT"








Imaginem um menino inglês rebelde e criativo, filho de um agente do MI5, que cresce em meio a toda a turbulência da Segunda Guerra Mundial, e que passa a maior parte de sua infância pulando de cidade em cidade sem conseguir estabelecer raízes em lugar nenhum.

Como manter sua sanidade intacta a não ser mergulhando fundo em sua imaginação e abraçando alguma modalidade artística -- no caso, o rock and roll -- que permita a ele botar para fora toda a angústia provocada por essa condição?

Okay, para a imensa maioria das pessoas do Planeta Terra manter uma atitude rock and roll depois dos 70 anos é muito difícil, pelos motivos mais diversos. Mas para alguém como Ian Hunter, a recíproca é que é verdadeira.

E não se trata de uma opção.

Na verdade, parece mais uma maldição, pois ele jamais saberia viver de outra maneira.


A trajetória profissional de Ian Hunter começa no início dos anos 50, pulando de banda em banda e sempre se esforçando para imitar no piano o toque infernal de seu grande herói musical, Jerry Lee Lewis.

Ingressou no Mott The Hoople em 1968 num golpe de sorte. A banda acabara de demitir seu vocalista e de ser contratada pela Island Records, e precisava entrar logo em estúdio para gravar seu primeiro disco.

À primeira vista, Hunter parecia estar na banda errada. O Mott The Hoople tocava muito pesado. Não havia, em princípio, espaço no som da banda para encaixar um piano. E menos espaço ainda para suas baladas com letras viajantes e cheias de metáforas caleidoscópicas, à moda de Bob Dylan.

Mas a personalidade forte de Ian Hunter acabou prevalecendo sobre os outros integrantes da banda, e a banda acabou ficando com a sua cara musical. Em pouco tempo, ele passou a assinar mais da metade do repertório do Mott, e seu piano honky-tonk passou a comandar o ataque pesado das guitarras do grupo.

Os quatro LPs que o Mott gravou para a Island são ótimos, ainda que completamente caóticos. Por conta disso, nunca despertaram a confiança da gravadora -- que tinha em seu elenco bandas estáveis e muito rentáveis, como o Free e o Traffic -- para promovê-los melhor. Ao final do contrato com a Island, o desgaste era tamanho que todos concordaram que não valia a pena continuar com o Mott The Hoople.

No entanto, aos 45 minutos do Segundo Tempo, entra em cena David Bowie, e convence todos a permanecer em seus lugares.

De quebra, se dispõe a produzir um disco para eles e colocar ordem na banda.

E... bem, o resto é história. O Mott assinou com a Columbia, explodiu mundialmente com 'All The Young Dudes" em 1972 e virou de uma hora para outra uma das maiores e mais rentáveis bandas de glam heavy-rock, ao lado do T. Rex e dos Spiders From Mars de David Bowie, Paralelo a isso, Ian Hunter virou uma estrela pop, e o resto da banda, não. Isso gerou uma ciumeira implacável que, pouco a pouco, foi implodindo a banda -- isso justamente no momento em que ela estava no topo, após emplacar dois grandes discos: "Mott" (1973) e "The Hoople" (1974).


Ian Hunter, por sua vez, já estava com o saco tão cheio do nhem-nhem-nhem de seus colegas que decidiu sair do Mott juntamente com o guitarrista Mick Ronson, e os dois montaram uma banda só deles. Juntos, gravaram discos espetaculares de 1975 até 1993, quando Ronson morreu, de cirrose hepática.

Infelizmente, a carreira solo de Hunter ao longo desses quase 40 anos nunca foi um grande sucesso de público, fazendo dele um eterno prisioneiro da fama do Mott The Hoople.

Isso, com certeza, o incomodou muito durante os anos 80 e 90, quando viu sua estrela apagar impiedosamente disco após disco.

Não é fácil constatar que, mesmo com uma obra tão extensa, o que segurava sua carreira solo em pé naquela altura do campeonato eram aquelas mesmas velhas canções do Mott The Hoople, que todo mundo gostava e ainda queria escutar



Da virada do século para cá, no entanto, a carreira de Ian Hunter renasceu com muito vigor em uma série de discos excepcionais, muito bem recebidos por crítica e público.


Esse processo começou timidamente com 'Rant" (2001), onde resgatou idéias musicais que lembram os discos do Mott bem do início dos anos 70, pouco antes da intervenção de David Bowie como produtor da banda.

Foi seguido pelo debochado e primoroso "Shrunken Heads" (2007), onde Mr. Hunter combinou brilhantemente rocks fulminantes com baladas ternas, sempre desdenhando da maturidade que não cansa de bater à sua porta, e nada dele abrir...

Mas então, em 2009, eis que ele retorna sereno e reflexivo em "Man Overboard" (2009), assumindo seus 70 anos de idade com alguma perplexidade -- e, claro, com uma certa indolência em alguns (poucos) numeros de rock and roll impecáveis.

E então, quando todos esperavam dele um disco ainda mais reflexivo e assentado que "Man Overboard", eis que Mr. Hunter entra em estúdio com sua banda de estrada e dispara doses cavalares de rock and roll num disco surpreendente.



Se "When I´m President" não resgatar Ian Hunter para um público mais amplo, nada mais consegue.


É uma dose cavalar de rock and roll, com a atitude certa da primeira à última faixa, e que conta com a mesma urgência e a mesma truculência de seus melhores trabalhos solo, gravados 20 ou 30 anos atrás ao lado do maestro Mick Ronson.

"Fatally Flawed" é uma das baladas mais eloquentes de toda a sua carreira, páreo duto para a clássica "Irene Wilde". "Just The Way You Look Tonight" é a melhor canção de Bruce Springsteen não escrita por ele em muitos e muitos anos. Já "Black Tears" é uma daquelas baladas desesperadas que só Ian Hunter e Mick Jagger sabem compor e cantar de forma convincente.

E como resistir ao apelo irresistível de rocks como "Comfortable", "What For" e 'The Wild Bunch", e de baladas aceleradas como "Saint" e "When I´m President"?

Para encerrar o disco, Mr. Hunter achou por bem escalar uma canção mais reflexiva.

Ele, que sempre gostou de fechar seus discos com canções que seguem temas conceituais -- como "God", "The Ousider" e "Sons and Daughters" --, agora nos brinda com "Life", um "Gracias A La Vida" à moda dele, onde pinta um quadro desesperador que revela as injustiças do mundo e as intempéries da existência, para em seguida propõr um brinde bem debochado: "Riam, pois isso é apenas a vida".

Ou seja: é tolice achar que a idade vai fazer de Ian Hunter um artista um menos sarcástico e menos debochado do que tem sido nesses últimos 45 anos. Melhor propor um brinde a ele e a esse adorável "When I´m President".



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