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sábado, dezembro 31, 2016

ALTOeCLARO ESCOLHE OS DEZ MELHORES DISCOS DE 2016 (por Chico Marques)

1. BLACK STAR (David Bowie)
Em seu disco de despedida, David Bowie convida o ouvinte para um mergulho na noite da alma. Nele, tudo soa estranhamente confortável e familiar. Ecos dos anos 70 saltam aos ouvidos o tempo todo. Tudo é de uma urgência impressionante. Nesse sentido, lembra um pouco "Station to Station", que foi gravado numa época em que ele vivia no limite, num flerte aberto com a morte -- que ele reverteu de forma brilhante ao longo da série incomparável de álbuns "Low", "Heroes", "Lodger" e "Scary Monsters". Apesar das muitas semelhanças musicais com alguns momentos mais densos de seu disco anterior, "The Next Day" (2013), que abria janelas tanto para seu passado quanto para seu futuro, "Blackstar" não é plural, e nem pretende abrir janela nenhuma para lugar algum. Funciona como um trem fantasma que vaga pela noite, contrapondo o passado à frente do futuro, e vice-versa. Sempre mantendo o imaginário a serviço da realidade, sem perder tempo correndo atrás do sentido da vida, pois não há tempo para isso.

2. POST POP DEPRESSION (Iggy Pop & Josh Homme)
Quem diria que duas das figuras mais loucas da cena do rock and roll iriam um dia unir forças num trabalho conjunto? Pois aconteceu: Iggy Pop e Josh Homme entraram no estúdio em Janeiro deste ano -- às próprias custas e ainda sob o impacto do morte de David Bowie -- e gravaram 9 canções cruas e extremamente contundentes compostas em parceria entre os dois e em apenas duas tardes de gravação. O resultado é cru, urgente, e ao mesmo tempo climático. E lembra eventualmente "Lust For Life", que Iggy e Bowie gravaram juntos em 1977, na Alemanha. De todas as homenagens e tributos realizados este ano pela memória de David Bowie, essa aqui é disparado a mais verdadeira e a mais relevante em termos artísticos.
3. BURN SOMETHING BEAUTIFUL (Alejandro Escovedo)
Aos 65 anos de idade, o sempre incansável Alejandro Escovedo continua correndo atrás no novas experiências musicais. Depois de três discos excelentes produzidos pelo lendário Tony Visconti e gravados com a banda do amigo Chuck Prophet, Escovedo uniu forças com Peter Buck (do REM) e Scott McCaughey (do Minus 5) e juntos compuseram as canções de "Burn Something Beautiful". A coisa toda funciona tão bem que dá para sentir claramente em cada canção do disco um pouco da personalidade musical de cada um dos três, tudo devidamente entrelaçado em guitarradas sensacionais e refrões contundentes. Em suma: um disco com espírito de aventura, algo difícil de ver num artista veterano.
4. SHINE A LIGHT (Billy Bragg & Joe Henry)
2016 foi realmente um ano em que muitos artistas apostaram em trabalhos em colaboração. Aqui, temos o príncipe do folk-punk inglês Billy Bragg unindo forças ao multitalentoso guitarrista e produtor americano Joe Henry em releituras delicadíssimas das clássicas canções de estrada que fizeram a fama de Woody Guthrie e tantos outros menestréis errantes. Para entrar no clima das canções, os dois decidiram apostar no inusitado e gravar o disco em plataformas de embarque e salões de estações ferroviárias entre Chicago e Los Angeles. O resultado é absolutamente reverente ao gênero, e ao mesmo tempo aventuresco em termos de produção. Uma ideia brilhante que acabou rendendo um disco delicioso.
5. THE WESTERNER (John Doe)
Desde os tempos do lendário grupo X nos Anos 80, quem segue a obra do ex-punk rocker John Doe está mais do que acostumado com suas idiossincrasias musicais. Mas The Westerner é, sem dúvida, a melhor, mais ousada e mais madura musicalmente delas todas. É um disco sobre o deserto, que alterna guitarradas à moda de Duane Eddy e Dick Dale com rocks e baladas climáticas que remetem aos Doors e, claro, ao X no início de carreira da banda. À primeira audição, pode até parecer que John Doe está fechando um círculo depois de 35 anos de carreira. Ele diz que não. Mas a sensação -- muito agradável -- que fica é essa. Um disco surpreendente.
6. PAGING MR. PROUST (The Jayhawks)
Com mais de 30 anos de carreira oscilando entre o alt-country e o indie-rock, os Jayhawks pareciam no início ser a reencarnação do espírito ousado do grupo Uncle Tupelo, mas acabaram se transformando numa espécie de "versão fim de século" dos country-rockers do Poco. Claro que não há nada de errado ou de indigno nisso, muito pelo contrário. Novamente sem Marc Olson, que já entrou e saiu da banda sabe-se lá quantas vezes, os integrantes remanescentes dos Jayhawks seguem em frente combinando suas preferências musicais, e, mesmo sem grandes pretenções, realizando um disco exemplar. A produção de Peter Buck, do REM, ajudou bastante na hora de colocar todos esses elementos em perspectiva. De resto, as harmonias vocais da banda continuam deliciosas e as canções são todas ótimas.    
7. SCHMILCO (Wilco)
O nome do novo disco do Wilco remete ao grande Harry Nillson, que gostava de usar a alcunha Schmillson, e anuncia mudanças muito curiosas na orientação musical da banda. É como se Jeff Tweedy estivesse trazendo para dentro o Wilco um pouco do clima caseiro experimental do disco que gravou ao lado de seu filho dois anos atrás -- que acabou servindo de trilha sonora para o premiadíssimo filme "Childhood", de Richard Linklater. Paralelo a esses experimentos, Tweedy embarca em canções confessionais com um sotaque country que remetem ao início de carreira do Wilco e ao trabalho dele com Jay Farrar no lendário Uncle Tupelo nos Anos 80. O resultado disso é surpreendente. É o Wilco "de volta para casa", só que musicalmente renovado, tematicamente redimensionado, e pronto para voar alto e longe novamente.
8. THE GHOSTS OF HIGHWAY 20 (Lucinda Williams)
Se hoje o termo Americana acabou virando gênero musical, uma das grandes responsáveis por isso foi Lucinda Williams. Ao lado de Lyle Lovett e outros artistas country crossover, ela conseguiu melhor do que ninguém atrair a atenção das plateias de rock para uma série de trabalhos musicais que desafiavam toda e qualquer classificação em meados dos Anos 90. Esse seu novo trabalho é uma colcha de retalhos espetacular, onde Lucinda trafega pelo country, pela soul music e pelos blues em canções poderosíssimas que são a cara dela -- ou seja: passionais, truculentas e inebriantes. Atenção para a releitura sensacional que ela elaborou para Factory, de Bruce Springsteen. Sem exagero, o melhor disco de Lucinda Williams desde o clássico "Car Wheels On A Gravel Road" (1998).
9. SOLID STATES (The Posies)
Outra banda que chega aos 30 anos de carreira com dignidade artística a toda prova. Sempre sob o comando do genial Ken Stringfellow, os Posies tem gravado pouco -- apenas um disco a cada 5 anos --, mas nunca decepcionam, e nunca abrem mão de correr riscos. Nesse novo disco, o power-pop característico da banda flui tranquilamente através de temas agridoces, como divórcios e perdas afetivas. Uma coleção de canções cativante e despretenciosa. Mas vital.
10. THIS GIRL'S IN LOVE - A BACHARACH & DAVID SONGBOOK (Rumer)
Para quem não conhece, Rumer é uma espécie de Karen Carpenter com alma. Ou uma espécie de Adele com estofo musical. Cantora poderosíssima, e de extremo bom gosto na hora de escolher repertório, ela acaba de gravar um tributo a Burt Bacharach e Hal David que é simplesmente desconcertamente de tão bonito. Desde aquele disco clássico de Ron Isley de 2003, ninguém passeava por esse repertório clássico dos Anos 60 com tamanha propriedade e conhecimento de causa. Se você ainda não conhece os "poderes" de Rumer, não há melhor maneira de começar do que por aqui.




quarta-feira, abril 08, 2015

BOZ SCAGGS ESTÁ DE VOLTA, ABRAÇANDO A SOUL MUSIC COM CARINHO E COM FORÇA.

Ninguém canta como Boz Scaggs.

Desde seu excelente disco de estréia, gravado na virada dos anos 60 para os 70 com o pessoal da Muscle Schoals Rhythm Section, sua voz deliciosamente maleável e sua postura “laid-back” vem intrigando a Indústria Fonográfica, que sempre tentou, mas nunca conseguiu, rotulá-lo para o mercado, mesmo depois dele ter emplacado alguns singles muito bem sucedidos nas paradas.

Aliás, uma pequena correção. Tem alguém que canta parecido com Boz Scaggs, sim: o soulman de Memphis Al Green -- ou vice-versa, já que os dois são compenheiros de geração e surgiram na cena musical mais ou menos ao mesmo tempo, só que em lugares diferentes. Na medida em que Scaggs nunca se definiu claramente como um artista de rock, de pop ou de R&B, parecia uma boa idéia tomar emprestado um pouco daquela levada pedestre dos singles soul de Memphis produzidos por Willie Mitchell para Al Green em seus discos gravados na motorizada e frenética Los Angeles.

Em “Slow Dancer”, seu grande LP de 1974, produzido pelo craque Johnny Bristol, Scaggs chegou muito próximo de assumir em definitivo essa sua persona soul. Só não foi adiante porque David Foster o desviou dessa rota no disco seguinte, “Silk Degrees”, emplacando “Lowdown”, clássico absoluto da era disco, que catapultou Boz Scaggs ao estrelato do dia para a noite, depois de dez anos de trabalho árduo tentando sair da periferia do big business musical.

Apesar de nunca ter conseguido, nem de longe, igualar o sucesso de “Silk Degrees”, Boz Scaggs vem mantendo uma regularidade muito peculiar em seu trabalho nesses 35 anos, apostando suas fichas em discos com um sotaque R&B bastante acentuado, e sempre acompanhado de músicos de primeira em suas tournées.

Tudo bem que os tempos mudaram, e o gosto do público também mudou, mas seu estilo inconfudível e seu padrão de qualidade permaneceram intactos em discos excelentes como "Some Change" (1994) e "Come On Home" (1998).



Dois anos atrás, Boz Scaggs ressurgiu com um disco inesperado, chamado “Memphis”, uma homenagem à cidade que ele tanto admira musicalmente.

Inesperado porque, apesar de trazer apenas duas canções inéditas de sua autoria para abrir e fechar essa coleção de clássicos – nada óbvios, diga-se de passagem -- da soul music, elas são as primeiras que ele grava desde “Dig”, de 2001. 

Inesperado também porque escancou algo que Scaggs sempre sugeriu: que gostaria de ter sido um artista de Hi Records. 

Não foi nada acidental a escolha do velho e lendário estúdio de Willie Mitchell, o Royal Recordings Studio, como base para as sessões de gravação de "Memphis". Era lá mesmo que ele "tinha" que ser gravado.



Pois "Memphis" foi tão bem recebido por crítica e público, e tão bem sucedido comercialmente, que agora, dois anos mais tarde, Scaggs voltou ao Tennessee para gravar este 'A Fool To Care" (lançamento 429 Records).

Dessa vez, ao invés do Royal Recordings Studio, em Memphis, Boz Scaggs e seus parceiros neste projeto optaram por gravar nos requisitadíssimos Blackbird Studios, do casal John & Martina McBride, em Nashville. 

Em apenas quatro dias de gravação, o produtor e baterista Steve Jordan recrutou veteranos como o baixista Willie Weeks e o guitarrista Ray Parker Jr. para compor a banda e dar o arremate final nos arranjos das 12 canções que compõem o disco. Encomendou uns poucos arranjos de cordas, convocou o suporte luxuoso de grandes guitarristas da cidade como Reggie Young e Al Anderson, além do mestre do pedal-steel guitar Paul Franklin, e finalizou o projeto em frente com relativa rapidez. 

Os resultados, mais uma vez, são magníficos. Aos 71 anos de idade, Boz continua cantando absurdamente bem, levando a musicalidade de "A Fool To Care" muito além do soul pedestre de Memphis -- "Full Of Soul", clássico de Al Green, e "Rich Woman", de Lil' Millet & His Creoles --, enveredando pelo caldeirão musical de New Orleans -- "A Fool To Care", "Small Town Talk" --, pelo soul de Chicago -- "I'm So Proud", de Curtis Mayfield, numa versão espetacular --, pelo soul da Philadelphia -- "Love Don't Love Nobody", dos Spinners --, e ainda pelas sonoridades country de Nashville -- "There's A Storm A Coming" --, culminando num número inclassificável chamado "Last Tango On 16th Street", que mescla tango e salsa de uma maneira tão inusitada que só ouvindo mesmo para acreditar.

Para completar, "A Fool To Care" traz ainda um dueto sensacional com Bonnie Raitt num bluesaço chamado "Hell To Pay" e "Whispering Pines", uma balada lindíssima cantada por ele e Lucianda Williams. Haja coração!


Boz Scaggs e Steve Jordan podiam perfeitamente ter optado por não correr riscos e simplesmente repetido a receita de sucesso de "Memphis".

Mas não fizeram isso: preferiram ousar e, ao invés de abraçar a musicalidade de apenas uma cidade, abraçar a soul music do país inteiro nesse novo álbum.

De certa forma, "A Fool To Care" lembra um pouco "Come On Home", o excelente disco que Boz gravou para a Virgin Records em 1997.

Lembra também "My Time", sua pequena obra prima de 1972.

É um daqueles trabalhos que já nascem devidamente instalados no coração da gente, como se estivessem por lá desde sempre.

Quem não ouviu ainda "A Fool To Care", não sabe o que está perdendo.





DISCOGRAFIA COMENTADA

AMOSTRAS GRÁTIS





quarta-feira, novembro 05, 2014

LUCINDA WILLIAMS DECLARA INDEPENDÊNCIA E COLHE UM BELO TRIUNFO ARTÍSTICO


Lucinda Williams não é -- na verdade, nunca foi -- uma artista fácil.

Talentosa e temperamental, ela sempre foi cobiçada pela Indústria Fonográfica por suas habilidades como compositora, mas sempre foi considerada problemática como artista solo por desafiar produtores e executivos constantemente em nome de um perfeccionismo que muitas vezes soava mais como um capricho pessoal do que propriamente como uma atitude artística fundamentada.

Nascida em 1953 em Lake Charles, Louisiana, ela é filha de Miller Williams, professor de literatura e poeta de prestígio, com vários livros publicados e passagens por Universidades em todos os cantos dos Estados Unidos, além de Santiago, Chile, e Cidade do México.

Lucinda herdou do pai a paixão por country music e blues, e também o espírito aventureiro e o diletantismo artístico que, de certa forma, colaboraram muito para que ela demorasse a achar um foco claro para seu trabalho como cantora e compositora.

Perambulou anos e anos entre New Orleans, Austin, Los Angeles e Nova York como artista folk e só foi conseguir uma chance para gravar um LP através do selo Folkways no final dos anos 1970.

Mesmo assim, o blend de blues, country e folk de seus trabalhos iniciais não serviu para abrir portas em nenhuma dessas cenas musicais bem distintas.

E então ela passou a ser vista como uma artista inclassificável pela Indústria Fonográfica, que, por sua vez, era assumidamente avessa a qualquer coisa que não soasse como “Thriller”, de Michael Jackson, naqueles famigerados primeiros anos da década de 80.


Mas Lucinda insistiu, e conseguiu lançar seu LP seguinte pelo selo inglês Rough Trade, que operava basicamente com bandas independentes, como The Smiths e outras.

Com isso, conseguiu chamar a atenção de quem estava atento às novas manifestações musicais vindas do outro lado do Atlântico.

E então, suas canções começaram a ser descobertas e gravadas por gente como Mary Chapin Carpenter, Linda Ronstadt e, claro, Emmylou Harris.

Tudo isso abriu finalmente as portas de um selo americano, Elektra Records, onde Lucinda gravou o excelente “Sweet Old World” (1993), novamente mesclando diversos gêneros musicais.

Mas, dessa vez, deu a sorte de emplacar um single nas paradas country: a irresistível “Passionate Kisses”.


Foi quando sua carreira finalmente começou a decolar.

Seu trabalho seguinte, “Car Wheels On A Gravel Road”, resultado de um parto complicadíssimo envolvendo confusões com vários produtores – entre eles, Rick Rubin e Roy Bittan – e duas gravadoras em litígio, acabou vendo a luz do dia pela Mercury Records, e finalmente trouxe o reconhecimento do grande público ao trabalho de Lucinda Williams – que passou a ser vista como um Townes Van Zant ou um Steve Earle de saias, ou coisa que o valha.

De lá para cá, a carreira de Lucinda Williams parou de apresentar problemas -- ao menos, por algum tempo.

Apesar de continuar insistindo em desafiar classificações, ela foi muito bem recebida no selo Lost Highway, especializado em artistas country desalinhados do mainstream de Nashville.

Passou a gravar discos de 2 em 2 anos, sempre alternando canções de amor e desespero com números de rock and roll fulminantes, abraçando diversos segmentos de público e tornando-se cada vez mais popular.


Pois agora chegou a hora dela declarar independência e montar seu próprio selo: Highway 20 Records.

“Down Where The Spirit Meets The Bone”, seu mais novo trabalho, é altamente desafiador, e retoma uma veia mais rústica que havia se perdido em discos anteriores, produzidos por craques como Don Was, sempre de olho no mercado.

Trata-se de um álbum duplo com 20 -- ótimas -- canções e 105 minutos de duração que funciona como uma viagem pelo universo temático de Lucinda Williams: as relações imperfeitas e o amor que se confunde com outros sentimentos e se perde.

Temos aqui menos melancolia e mais atitude que o habitual -- uma atitude bluesy, truculenta, bem crua, forjada em guitarras rasgadas, como o próprio título do disco sugere.

Pode-se dizer sem engano que o disco 1 é mais mundano, funcionando do umbigo para fora, enquanto o disco 2 lida com temas mais pessoais, do umbigo para dentro.

Ou seja: tem desde comentários sociais contundentes como "West Memphis" e "East Side Of Town" quanto canções de amor rasgadas como "Everything But The Truth" e "This Old Heartache" -- isso além de um poema de seu pai que ela decidiu musicar, entitulado "Compassion", a abre o disco.

Sua banda de apoio é, basicamente, The Imposters, cedida gentilemente pelo amigo Elvis Costello.

E as participações especiais de guitarristas de naturezas tão diferentes quanto Bill Frisell e Tony Joe White já deixam claro que "Down Where The Spirit Meets The Bone" trafega por diversas vertentes musicais -- nenhuma delas estranha a Lucinda Williams.


Se o disco tem algum defeito, é justamente ser longo demais, e menos conciso que outros grandes discos de Lucinda, como "Car Wheels In A Gravel Road" e Essence" -- mas antes pecar pelo exagero do que pelo racionamento de talento.

O importante é que Lucinda Williams não nega fogo em momento algum em "Down Where The Spirit Meets The Bone", e se afirma como uma artista inconformada com as regras do mercado musical respaldada por de um "cult following" grande o suficiente para aplaudir suas atitudes e dar sinal verde para que ela siga o rumo que achar melhor em sua carreira.

Pois foi isso que ela fez aqui.

"Down Where The Spirit Meets The Bone" não é só um triunfo artístico indiscutível.

É o álbum que a coloca definitivamente no mesmo patamar artístico de seus contemporâneos Bob Dylan, Neil Young, Joni Mitchell e John Hiatt.

Nada mal para uma garota rebelde da Louisiana.



WEBSITE OFICIAL
http://lucindawilliams.com/?fp=true

DISCOGRAFIA
http://www.allmusic.com/artist/lucinda-williams-mn0000837215/discography

AMOSTRAS GRÁTIS
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sexta-feira, maio 20, 2011

TRÊS MULHERÕES: EMMYLOU HARRIS, LUCINDA WILLIAMS E RORY BLOCK (por Chico Marques)


Existe um bom motivo para que artistas tão diferentes quanto Robert Altman, Edward Albee e Woody Allen gostem de contrapor mulheres em números ímpares sempre que promovem investigações sobre o sexo feminino.

Todos aprenderam com Anton Chekhov que o universo feminino é rico e multifacetado demais para caber em números pares. E também complexo ou confuso demais para ser revelado por inteiro num simples contraponto entre duas mulheres.

Essa conversinha mole é só para introduzir três mulheres maduras, brigonas, e com carreiras musicais muito sólidas. Que, apesar de toda a bagagem que ostentam, não cansam de se reinventar de tempos em tempos, e insistem há várias décadas em se afirmar artisticamente num meio que demora muito até finalmente levá-las a sério.

Emmylou Harris, a primeira delas, oscila há mais de 40 anos entre sua alma country e seu coração rock and roll.

A segunda, Lucinda Williams, desafia classificações desde meados dos anos 1970, e faz uso de uma atitude roqueira para poder circular por vários fronts musicais.

Já Rory Block, a terceira, também veterana, é a evidência definitiva de uma mulher branca pode se afirmar como artista de blues -- certamente o universo musical mais misógino de toda a música americana.

Juntas elas revelam, cada uma à sua maneira, o que a música americana tem de melhor: suas raízes, sua pluralidade e sua originalidade -- olha aí, de novo o número três...


Emmylou Harris surgiu na cena musical pelas mãos de Gram Parsons, o lendário comandante da banda seminal de country-rock The Flying Burrito Brothers. Assim que ele embarcou em carreira solo em 1971 num projeto neotradicionalista muito ambicioso, montou uma banda country com músicos do primeiro time de Nashville, que previa uma cantora para eventuais uníssonos e duetos. Pois a cantora escolhida foi justamente Emmylou, com quem Parsons havia trabalhado nos últimos shows que fez com os Burritos. Nascida em Birmingham, Alabama, mas criada em Washington DC e Nova York, ela viu ali sua chance de brincar de June Carter e Patsy Cline. Não tinha nada a perder. Estava com 23 anos, um filho pequeno na bagagem e recém chegada de Nashville, deixando para trás um LP gravado (em 1968) mas nunca lançado e um casamento mal sucedido.

Com a morte prematura de Parsons em 1973 depois de 2 discos hoje considerados clássicos – “GP” e “Grievous Angel” --, Emmylou Harris herdou sua banda, seu projeto musical e seu repertório inédito, além de um contrato na mesma Warner Bros Records onde Parsons gravava. E então, ela estreou solo em “Angel In The Morning” (1975), desfilando sua voz cristalina e sem excessos num LP magnífico que fazia a ponte entre a herança musical de Nashville e o country rock da Costa Oeste. Em pouco tempo, Emmylou já fazia parte da nova elite de cantoras americanas, ao lado de suas amigas Linda Ronstadt e Bonnie Raitt. Os duetos vocais magníficos que fez ao lado de Bob Dylan no LP “Desire” e a gravação irresistível de “Evangeline”, com The Band, incluída no documentário“The Last Waltz” de Martin Scorsese, colaboraram ainda mais para ampliar ainda mais seu prestígio e, de quebra, seu público.


Ao longo dos anos 1980, no entanto, Emmylou viu sua carreira pouco a pouco perder o foco e seus LPs ficarem cada vez mais formulaicos e desinteressantes. Então, começou a ensaiar uma mudança radical. Aconselhada pelo amigo Neil Young, uniu forças a uma banda de rock and roll que a ajudou nessa virada, e, sob a tutela do produtor Daniel Lanois, renasceu musicalmente na Reprise Records em discos sombrios e estranhamente orgânicos como “Wrecking Ball” e “Spyboy”, onde ela se afirma também como uma compositora de mão cheia – algo inusitado para seus admiradores de longa data. Daí em diante, o interesse em seu trabalho ressurgiu de forma intensa, e ela renasceu artisticamente em performances ao vivo contundentes, sempre com roupas de couro sobre seu corpo esguio e ostentando os mesmos cabelos longos de sempre, só que agora totalmente brancos.


A Emmylou Harris que surge nesse novo Lp, “Hard Bargain”, é a soma de todas as personas musicais que ela criou ao longo de mais de 40 anos de carreira, resgatando o tom delicado e sereno de seu trabalho nos anos 70, mas também incorporando a atitude roqueira de seu trabalho recente. Todas as canções – todas ótimas -- são de sua autoria. A faixa de abertura, “The Road”, é uma homenagem a Gram Parsons e a tudo o que Emmylou aprendeu e vivenciou com ele. A sombria “My Name Is Emmett Till” é uma homenagem inusitada a um velho personagem de Bob Dylan. Já “Dear Kate” é uma ode a sua amiga Kate McGarrigle – mãe de Rufus Wainwright --, falecida ano passado depois de uma longa batalha contra um câncer. A única canção no disco que não é de autoria dela foi composta especialmente para ela. Trata-se da faixa título, uma balada pop lindíssima de Ron Sexsmith que funciona como uma espécie de retrospectiva de vida de uma mulher irriquieta e idealista, que nunca fechou para balanço ao longo de mais de 40 anos de carreira.. Emmylou Harris é – sempre foi -- uma artista notável, do tipo que prefere ousar e quebrar a cara vez ou outra do que optar pelo atoleiro confortável que muitos chamam de “maturidade artística”. Aliás, o título deste LP define impecavelmente a postura de vida e o “state of the art” dessa mulher admirável.


Lucinda Williams é quase tão veterana quanto Emmylou Harris, mas levou mais tempo para aparecer perante o grande público. Nascida em 1953 em Lake Charles, Louisiana, ela é filha de Miller Williams, professor de literatura e poeta de prestígio, com vários livros publicados e passagens por Universidades em todos os cantos dos Estados Unidos, além de Santiago, Chile, e Cidade do México. Lucinda herdou do pai a paixão por country music e blues, e também o espírito aventureiro e o diletantismo artístico que, de certa forma, colaboraram muito para que ela demorasse a achar um foco específico para seu trabalho como cantora e compositora. Perambulou anos e anos entre New Orleans, Austin, Los Angeles e Nova York como artista folk e só foi conseguir uma chance para gravar um LP através do selo Folkways no final dos anos 1970. Mesmo assim, o blend de blues, country e folk de seus trabalhos iniciais não serviu para abrir portas em nenhuma dessas cenas musicais bem distintas, e Lucinda passou a ser vista como uma artista inclassificável pela Indústria Fonográfica -- reconhecidamente avessa a tudo que não soasse como “Thriller”, de Michael Jackson, nos famigerados anos 1980.

Mas Lucinda insistiu, e lançou seu LP seguinte pelo selo inglês Rough Trade, que operava basicamente com bandas independentes, como The Smiths e outras. Com isso, conseguiu chamar a atenção de quem estava atento às novas manifestações musicais vindas do outro lado do Atlântico. E então, suas canções começaram a ser descobertas e gravadas por gente como Mary Chapin Carpenter, Linda Ronstadt e, claro, Emmylou Harris. Tudo isso abriu finalmente as portas de um selo americano, Elektra Records, onde Lucinda gravou o excelente “Sweet Old World” (1993), novamente mesclando diversos gêneros musicais. Mas, dessa vez, deu a sorte de emplacar um single nas paradas country: a irresistível “Passionate Kisses”.


Foi quando sua carreira finalmente começou a decolar. Seu trabalho seguinte, “Car Wheels On A Gravel Road”, resultado de um parto complicadíssimo envolvendo confusões com vários produtores – entre eles, Rick Rubin e Roy Bittan – e duas gravadoras em litígio, acabou vendo a luz do dia pela Mercury Records, e finalmente trouxe o reconhecimento do grande público ao trabalho de Lucinda Williams – que passou a ser vista como um Townes Van Zant ou um Steve Earle de saias, ou coisa que o valha.

De lá para cá, a carreira de Lucinda Williams sedimentou sem problemas. Apesar de continuar insistindo em desafiar classificações, ela foi muito bem recebida no selo Lost Highway, especializado em artistas country desalinhados do mainstream de Nashville. Passou a gravar de 2 em 2 anos, sempre alternando canções de amor e desespero com números de rock and roll fulminantes. Sua popularidade e seu prestígio não param de crescer desde então.


“Blessed”, seu trabalho mais recente, foi produzido por Don Was e conta com participações muito especiais de Elvis Costello e Matthew Sweet em várias faixas. Se por um lado traz uma sonoridade mais uniforme, por outro expande o alcance de Lucinda como cantora e compositora em números extremamente inusitados. Como ‘Soldier´s Song”, escrita sob o ponto de vista de uma combatente na Guerra do Iraque -- quase tão contundente quanto “Powderfinger” de Neil Young. Ou ainda “Seeing Black”, em que tenta mergulhar no calvário pessoal do amigo Vic Chesnutt, falecido no ano passado. Alem do mais, como resistir à doce melancolia de números como “Sweet Love”, “I Don´t Know How You´re Living” e “Kiss Like Your Kiss”? Aposto que nem Bob Dylan conseguira.

Lucinda Williams tem fama de perfeccionista, e não raro se desentende com os produtores de seus discos. Consta que dessa vez ela só aceitou o padrão sonoro mais uniforme proposto por Don Was para “Blessed” depois que sua gravadora autorizou que a primeira edição viesse acompanhada de um bonus disc com as demos originais das 12 canções, gravadas de forma descompromissada na cozinha de sua casa. Ouvir esses demos apenas com acompanhamento de um violão equivale a ser convidado a invadir sua intimidade, como se estivéssemos revendo um filme através de seus storyboards. Bobagem discutir com Lucinda Williams. A moça sabe muito bem o que faz, e onde quer chegar.



Outra que sempre soube o que faz e onde queria chegar é Aurora “Rory” Block, novaiorquina de Greenwich Village nascida em 1949 que começou a tocar guitarra aos 10 anos de idade incentivada pelos pais -- que sempre a levavam para ver todo tipo de música que o bairro abriga tradicionalmente desde sempre. Seu pai era dono de uma sapataria e violinista de uma banda folk chamada Elektra String Band Project, da qual Rory fez parte, e com a qual gravou um disco aos 12 anos. Teve aulas com Reverend Gary Davis e outros bluesmen que viviam em Nova York nos anos 1960, e aos 15 anos, emancipada pelos pais, caiu na estrada para conhecer a música do sul dos Estados Unidos in loco. Foi quando cruzou o caminho de Skip James e Mississipi John Hurt, suas duas maiores influências musicais na juventude. O caso é que, depois de gravar seu disco solo de estréia -- aos 16 anos -- na Chrysalis Records, em Berkeley, Califórnia, Rory nunca mais sossegou em sua busca pelas raízes americanas. Curiosamente, só foi descoberta pelo grande público – da noite para o dia, a velha piada pronta de sempre – no início dos anos 1990, quando já tinha 10 Lps gravados e 20 anos de carreira nas costas.

Se engana quem pensa que, por tocar blues acústico, Rory Block é uma neo-tradicionalista do gênero. Não é bem assim. Rory segue tradições musicais mais por prazer do que por obrigação. De blueswoman xiita ela não tem absolutamente nada. Seus LPs recentes refletem bem isso. Apesar de “The Lady & Mr. Johnson”, seu songbook de Robert Johnson gravado em 2006, ser extremamente reverente ao approach musical original das gravações de Johnson, o mesmo não pde ser dito de “Blues Walkin´ Down Like A Man”, seu tributo a Son House de 2008, e do recém-lançado “Shake ‘Em On Down”, todo dedicado a Mississipi Fred McDowell. Na medida em que conviveu bastante com os dois em seus anos finais, Rory sentiu-se à vontade para brincar com seus repertórios e reinventá-los à sua maneira, sem a reverência que demonstrou quando abordou o repertório de Robert Johnson.


Em “Shake ‘Em On Down”, Rory introduz o songbook de Mississipi Fred McDowell com duas canções próprias onde conta histórias que viveu ao lado dele, chamadas “Steady Freddie” e “Mississipi Man”. Foge de números batidos como “You Gotta Move” e “I Do Not Play No Rock And Roll” e privilegia canções menos conhecidas de seu repertório, como “The Breadline” e “What´s The Matter Now”. Impossivel não se emocionar com o desconcertamente coral afro que Rory introduz em “Ancestral Home” e também na faixa título. E o que dizer das novas roupagens que ela deu para clássicos como “Kokomo Blues” e “Write Me A Few Of Your Lines”?

Além de tudo isso, tem as revisões que ela fez em “Good Morning Little Schoolgirl” e “The Girl I'm Lovin'”, eliminando das letras insinuações de pedofilia ao trocar girl por boy, para assim amenizar o alto teor sexual das versões originais, compostas numa época em que não havia nada de errado em um homem maduro e bem estabelecido na vida se encantar por jovens estudantes uniformizadas. Ora, quem nunca flertou com esse fetiche clássico, que atire a primeira pedra.

A intenção de Rory com essa intervenção foi nobre: poupar a memória de seu mentor musical de controvérsias inúteis, conduzindo as alterações nas letras originais das canções de forma carinhosa e criativa, para com isso garantir que a obra de Mississipi Fred McDowell perdure com as novas gerações e possa ser cantada por mulheres sem constrangimentos. Vale a pena conhecer essa homenagem ao legado musical desse um bluesman gigantesco, e o esforço impressionante de Rory Block em reinventá-lo para deixá-lo mais vivo de que nunca.

E tenham a certeza que essa sua grandeza de espírito se aplica igualmente a suas companheiras de geração Emmylou Harris e Lucinda Williams.

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EMMYLOU HARRIS
DISCOGRAFIA, FOTOS E ENTREVISTAS
http://altoeclaro.blogspot.com/2011/05/senhoras-e-senhores-emmylou-harris.html

LUCINDA WILLIAMS
DISCOGRAFIA, FOTOS E ENTREVISTAS
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RORY BLOCK
DISCOGRAFIA, FOTOS E ENTREVISTAS

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HIGHLIGHTS
EMMYLOU HARRIS - "Hard Bargain"







HIGHLIGHTS

LUCINDA WILLIAMS - "Blessed"







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RORY BLOCK - "Shake ‘Em On Down"




quinta-feira, maio 19, 2011

SENHORAS E SENHORES... LUCINDA WILLIAMS


“Tenho períodos muito prolíficos como compositora. Quando gravei West, em 2007, sobraram tantas canções que hoje, 2 LPs mais tarde, ainda tenho algumas guardadas para um próximo trabalho. Em compensação, tenho outras começadas há 10, 20 anos que ainda não consegui terminar -- e nem sei se vou conseguir.”


“Meus discos favoritos são os primeiros de Bob Dylan e Dusty In Memphis, de Dusty Springfield. Não me pergunte o porquê. Não vou saber responder. E minha canção favorita é By The Time I Get To Phoenix, de Jimmy Webb.”


“Quando começo a compor alguma canção, sempre estou falando de uma determinada pessoa. Conforme essa canção evolui, essa pessoa vai desaparecendo. Quando termino, passa a ser uma canção sobre todo mundo. Ou sobre ninguém.”


Car Wheels On A Gravel Road foi regravado algumas vezes até ficar do jeito que eu queria, mas desde então nunca mais achei necessário ser tão preciosista em relação à produção de um disco. Hoje tudo flui com muito mais facilidade. Continuo determinada, mas fiquei muito mais objetiva com o passar dos anos.”


“Me sinto livre e muito criativa aos 58 anos de idade, mas não é fácil conviver com a idéia de que a morte está cada vez mais perto.”



LPS LUCINDA WILLIAMS
Ramblin´ (1979)
Happy Woman Blues (1980)
Lucinda Williams (1988)
Sweet Old World (1992)
Car Wheels On A Gravel Road (1998)
Essence (2001)
World Without Tears (2003)
Live At The Fillmore (2005)
West (2007)
Little Honey (2009)
Blessed (2011)

WEBSITE OFICIAL
http://www.lucindawilliams.com/