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segunda-feira, janeiro 11, 2016

2 OU 3 COISAS SOBRE "BLACKSTAR", O DERRADEIRO MERGULHO NA NOITE DA ALMA DE MR. DAVID BOWIE

por Chico Marques


Passei a primeira semana de 2016 ouvindo sem parar "Blackstar", novo LP de David Bowie. Fiquei completamente encantado com as texturas musicais que ele criou e desenvolveu, com a densidade existencial das canções e com a carga dramática intensa que contrasta com a brevidade do disco (42 minutos de duração).

Minha intenção inicial foi esperar para publicar uma apreciação de "Blackstar" na última sexta, dia 8 de Janeiro, data oficial de seu lançamento mundial e também o dia em que Mr. Bowie iria completar 69 anos de idade. Mas não escrevi nada. Não me senti pronto para escrever a respeito. Alguma coisa permanecia no ar, me incomodando e fascinando mais e mais a cada nova audição, Achei melhor ouví-lo mais algumas vezes e esperar para ver se as idéias clareavam mais um pouco até o início da semana seguinte.

E então, a semana seguinte veio com a notícia da morte de David Bowie na noite de domingo, 10 de Janeiro, em Nova York, depois de 18 meses de uma batalha intensa contra um cancer. Na medida em que desde o final dos Anos 70 Bowie nunca deixou de zelar por sua privacidade, separando totalmente sua vida artística de sua vida pessoal e familiar, só um círculo seleto de amigos sabia pelo que ele estava passando. Para o grande público, Bowie estava apenas recluso.

A notícia de sua morte, obviamente, mudou por completo o meu entendimento sobre o que Bowie pretendia com "Blackstar". Nunca me ocorreu que este fosse um disco especificamente sobre a morte, apesar dela estar à espreita nos temas das sete faixas do disco. Mas agora é, gostemos disso ou não.

"Blackstar" é uma sequência de canções que chama o ouvinte para mergulhar na noite da alma. Nele, tudo soa estranhamente confortável e familiar. Ecos dos anos 70 saltam aos ouvidos o tempo todo. Tudo é de uma urgência impressionante. Nesse sentido, lembra um pouco "Station to Station", que foi gravado numa época em que ele vivia no limite, num flerte aberto com a morte -- que ele reverteu de forma brilhante ao longo da série incomparável de álbuns "Low", "Heroes", "Lodger" e "Scary Monsters".

Apesar das muitas semelhanças musicais com alguns momentos mais densos de seu disco anterior, "The Next Day" (2013), que abria janelas tanto para seu passado quanto para seu futuro, "Blackstar" não é plural, e nem pretende abrir janela nenhuma para lugar algum. Funciona como um trem fantasma quer vaga pela noite, contrapondo o passado à frente do futuro, e vice-versa. Sempre mantendo o imaginário a serviço da realidade, sem perder tempo correndo atrás do sentido da vida, pois não há tempo para isso.

Tudo o que "Blackstar" proporciona em termos existenciais é de uma truculência emocional ímpar. E, agora sabemos com certeza, é tudo absolutamente verdadeiro.


"Blackstar" não se preocupa em estar em sintonia com o momento musical atual, uma obsessão que sempre permeou cada novo trabalho de Bowie. Sua sonoridade jazzy possui um toque glam muito forte, que soa atemporal e nada datado. Claro que o disco, que não é de audição fácil, não é composto unicamente de estranhamentos musicais. Ele se equilibram com números pop com drum'n'bass à moda dos Anos 90, entre outras surpresas curiosas.

Duas canções do disco -- "Sue (Or in a Season of Crime)" e "'Tis a Pity She Was a Whore" -- já haviam aparecido na coletânea "Nothing Has Changed" dois anos atrás, mas foram regravadas com uma levada completamente diferente por Bowie e pelo produtor Tiny Visconti para este novo disco.

Mas para chegar até elas o ouvinte tem que passar pela ousada e complexa suite de abertura de dez minutos de duração que dá nome a "Blackstar", e que é de tirar o fôlego. Posso apostar que, ao ouví-la, Scott Walker deve ter morrido de inveja e, ao mesmo tempo, de orgulho de seu pupilo. É uma obra espetacular, que dá uma dimensão totalmente nova às capacidades de Bowie como compositor.


Quer um conselho?

Ouça "The Next Day", o disco de Bowie de 3 anos atrás, e depois, mergulhe de cabeça em "Blackstar".

Sem medo. Pode dançar, se quiser.

"Blackstar" é um disco suspenso no ar, climático e envolvente, que agora passa a fazer mais sentido ainda ao se afirmar como um epílogo na carreira de Bowie.

É complexo e perturbador, além de ser uma peça fundamental numa das carreiras mais relevantes da música popular do Século 20. Poucos artistas tiveram o privilégio de definir em vida qual seria o ponto final em suas obras.

Pois David Bowie teve.

Começa agora o Eterno Retorno.


"CAMALEÃO DO ROCK"
É A PUTA QUE O PARIU!
(DAVID BOWIE)  




Amostras Grátis











quinta-feira, março 14, 2013

DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE "THE NEXT DAY", O NOVO DISCO DE DAVID BOWIE


Nessas últimas duas semanas, a Imprensa Musical Internacional não falou de outra coisa senão "The Next Day", o primeiro disco de David Bowie Bowie depois de 10 anos de sumiço. Sem conceder uma entrevista sequer, ele conduziu de forma brilhante o lançamento do disco. Liberou seu produtor Tony Visconti e os músicos que participaram das gravações para falar o que quisessem, mas em momento algum veio a público "explicar o disco". Deixou que as análises corressem soltas por aí, confiando no poder de fogo de seu novo trabalho. E, até onde eu sei, não foi publicada uma crítica negativa sequer. Todas as que li fizeram questão de ressaltar que há muitos anos Bowie não surgia com uma coleção de canções tão intrigante e tão vigorosa.

Eu gostei muito do longo comentário de David Cavanagh para a Uncut e da crítica-louvação de Rob Sheffied para a Rolling Stone. Mas acho que tanto uma quanto a outra deixaram escapar alguns pontos importantes, que me parecem muito peculiares desse momento artístico de David Bowie.


O primeiro deles diz respeito aos personagens que David Bowie cria para as canções desse disco. Ao contrário de trabalhos anteriores, em que nosso herói se transmutava nesses personagens de forma intensa, "The Next Day" revela um Bowie mais cauteloso nesse sentido. Pode ser talvez resultado de sua reclusão nesses últimos anos, ou mesmo reflexo do infarto quase fulminante que sofreu em sua última tournée. O caso é que algo mudou no processo de composição das novas canções. Na hora de gravá-las, ele nem se preocupou em dar instruções demais a Tony Visconti e ainda ofereceu uma autonomia maior que a habitual aos seus músicos para desenvolverem livremente suas partes nos arranjos das canções do disco, limitando suas interferências ao mínimo necessário. O impacto diferenciado do mix final de cada canção com certeza se deve a esse esforço conjunto, e ao leve distanciamento que Bowie impôs a si próprio em relação a suas personas.

Outro aspecto interessante, a meu ver, é que esse é, sem dúvida, o disco mais político de Bowie em muitos e muitos anos. “The Next Day” mostra o mundo de hoje visto por Bowie de seu apartamento em Nova York, ao lado de sua família e de seus amigos mais próximos, distante do calor da ruas e da ação cotidana. Esse microcosmo alterna momentos de conforto com momentos extremamente claustrofóbicos. Concebido nessa reclusão auto-imposta, é um disco ao mesmo tempo cruel e carinhoso com os temas que aborda: turbulências conjugais, guerras, vida de celebridade, conflitos entre o passado e o presente, e a dificuldade em projetar um futuro que não seja sombrio, duvidoso e, mesmo assim, fascinante. 


“The Next Day” é o 24° disco de David Bowie, e é tão bem dosado que simplesmente não tinha como dar errado. A expectativa em torno dele era enorme, e, mesmo assim, ele não decepciona em momento algum. Aliás, só surpreeende. E continua surpreendendo, após inúmeras audições. Pela vitalidade da empreitada. Pela maneira como os temas se encadeiam e nos envolvem. E também porque ninguém esperava um disco superlativo vindo dele a essa altura do campeonato. Um disco mediano, reflexivo, já teria agradado e muito.

Mas não adianta: caras como David Bowie nunca deixam por menos.

Grandes artistas são assim mesmo, não negam fogo jamais. 









BIO-DISCOGRAFIA
http://www.allmusic.com/artist/david-bowie-mn0000531986

WEBSITE OFICIAL
http://www.davidbowie.com/ 

AMOSTRAS GRÁTIS

quarta-feira, agosto 22, 2012

TODA A URGÊNCIA ROQUEIRA DO VETERANO ALEJANDRO ESCOVEDO EM "BIG STATION"


Difícil acreditar que ainda hoje, em 2012, aos 40 anos de carreira, Alejandro Escovedo permaneça um grande tesouro escondido da cena roqueira americana.

Mas é verdade, infelizmente.

Com toda a sua bagagem e seu conjunto de obra, era para Escovedo estar hoje no mesmo patamar de Tom Petty, John Hiatt e John Mellencamp. No entanto, ele continua vagando pela cena independente, fazendo flertes eventuais com o mainstream que sempre esbarram no estranhamento provocado pela seu semblante, bem mestiço, em contraponto com o rock and roll rasgado que ele toca.

Alejandro Escovedo tem 61 anos de idade. É natural de San Francisco, California, mas está estabelecido em Austin, Texas, desde 1981. É sobrinho do fabuloso percussionista Pete "Coke" Escovedo, da banda clássica de Carlos Santana nos anos 70, e primo da gostosíssima Sheila Escovedo -- a Sheila E. da banda clássica de Prince, The New Power Generation. Iniciou sua carreira em meados dos anos 70, na banda punk The Nuns, mas só ganhou alguma notoriedade quando comandou dois grupos seminais da cena pós-punk californiana: Rank´n File e True Believers, antes de iniciar sua carreira solo.

Em 35 anos de carreira, Alejandro se firmou como o angry young man mais bem articulado e mais feroz do Oeste americano, produzindo uma sequência impecável de discos que sempre tiveram boa acolhida de crítica e recepção moderada de público.


Então, cinco anos atrás, Alejandro Escovedo teve um colapso em pleno palco, e foi diagnosticado com Hepatite C. Por pouco não morreu. Ficou fora de cena por mais de um ano, fazendo um tratamento médico drástico e dispendioso, que foi bancado por vários concertos tributo promovidos por artistas amigos.

Quando voltou, voltou bem diferente.

Seus discos recuperaram uma urgência que era característica de seu início de carreira, e suas canções inconformadas passaram a dividir espaço com baladas reflexivas extremamente inusitadas -- mas muito bem-vindas.

E, como se isso não bastasse, iniciou uma série de associações.

Primeiro com o ótimo cantor e compositor Chuck Prophet, do lendário grupo californiano Green On Red, com quem passou a compor em parceria.

Segundo com o grande produtor inglês Tony Visconti, figura chave nos primeiros trabalhos de David Bowie para a RCA, que gerou dois discos magníficos, mixados pelo grande Bob Clearmountain: “Real Animal” (2008)  e “Street Songs Of Love” (2010).
“Big Station” é seu terceiro LP nessa nova fase.

Aqui, mais ainda que nos discos anteriores, Alejandro Escovedo soube adequar aquela urgência roqueira “glam” dos discos clássicos de Bowie -- aparentemente, marca registrada do trabalho de Tony Visconti -- às canções intensas e multifacetadas dele em dobradinha com Prophet,

O resultado é rápido e sempre rasteiro, e isso é surpreendente, vindo de Escovedo a essa altura da vida.

Desde o colapso que sofreu em pleno palco, em Phoenix, em decorrência da Hepatite C, a temática habitual das suas canções ficou mais serena -- como em “Bottom Of The World”, "San Antonio Rain" e “Sally Was A Cop” –, apesar de sua musicalidade estar mais turbulenta e agressiva do que jamais esteve – como comprovam “Man Of The World” e “Can't Make Me Run”.

Só nos resta torcer para que essa sua lua de mel com Tony Visconti e Bob Clearmountain emplaque outros discos tão superlativos quanto esses seus trabalhos recentes.

E que este ótimo “Big Station” não seja o ponto final de uma trilogia.



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AMOSTRAS GRÁTIS.


domingo, abril 15, 2012

NICK HORNBY, A CULPA É TODA SUA.


Listas de melhores discos do ano -- de melhor isso, ou melhor aquilo -- sempre foram a salvação dos pauteiros no Jornalismo Cultural. Sempre que chegava o fim de ano, e as pautas estavam esgotadas, com nada acontecendo em lugar algum, as listas de melhores eram providenciais para salvar os Cadernos B dos jornais da mais absoluta falta de assunto.

Mas então, os sempre criativos editores da Rolling Stone americana – ainda nos tempos em que a sede da revista era em San Francisco, e não Nova York – resolveram dar uma dimensão bem mais ambiciosa a essas listas, montando edições inteiras da revista com “Os 100 Melhores Discos dos Anos 60”, “Os 100 Melhores Discos dos Anos 70”, “Os 100 Artistas Mais Influentes do Rock And Roll”, etc etc etc -- sempre comentados um a um por seu extenso time de articulistas.
Desnecessário dizer que essa atitude da Rolling Stone não só foi um sucesso, como foi copiada “ad nauseam” por toda a Imprensa nesses últimos 35 anos, banalizando a iniciativa por completo e fazendo dela um cacoete populista um tanto quanto irritante – mas que deve ter lá seus fãs, categoria na qual eu, definitivamente, não me incluo.

O caso é que tudo isso proliferou de forma desenfreada depois do romance “Alta Fidelidade”, de Nick Hornby, cujo personagem principal elabora listas de Top 5 de praticamente tudo o que vê pela frente, o tempo todo, no limite do insuportável.

E o diabo é que, dependendo da maneira como essas “listas de melhores” são anunciadas em portais da música, a gente vai lá e olha, mesmo sabendo de antemão que vai acabar se aborrecendo.


Pois bem, o NME publicou nesta semana uma dessas listas -- essa bem diferente das habituais, com os “Cinquenta Melhores Produtores de Discos” de todos os tempos. Eu achei a idéia original, fui lá dar uma olhada e... só aborrecimento! Eles praticamente desconsideraram todos os grandes produtores dos anos 60 e 70.

Para o NME, grandes craques da produção como Lenny Waronker, Russ Titelman, Peter Asher, Bill Szymszyk, Richard Perry, Bones Howe, Rob Fraboni, Allen Toussaint, Smokey Robinson, Phil Walden, Chris Blackwell, Denny Cordell, Bob Ezrin, Nick Lowe e John Cale nunca existiram. Em vez deles, vários rappers e algumas criaturas esquecidas da Era Disco – como Biddu, da famigerada Biddu Orchestra – foram agraciados com postos privilegiados na lista. Um horror.

Mas aí vem o pior de tudo: nos comentários abaixo da postagem no portal do NME, vários produtores famosos, enfurecidos com os critérios levianos utilizados na escolha, soltaram os cachorros em cima dos jornalistas responsáveis, sem e menor piedade.


Para citar um exemplo: Tony Visconti, ex-produtor de David Bowie, não só corrigiu dados historicamente incorretos publicados nos textos que acompanhavam a lista, como ainda agradeceu por ter sido preterido de uma empreitada tão insignificante.

Ah, bons tempos em que a Imprensa Musical seguia diretrizes bastante criativas e diferenciadas das adotadas pelos jornalões. Não era isso que é hoje, com tudo totalmente dominado por pautas sem imaginação e matérias escritas para agradar clientes de Assessorias de Imprensa que sempre mandam bons presentes no final do ano.

Felizmente, com a chegada das revistas pós-industriais no formato de blogs especializados na web, tudo esse panorama começou a mudar de alguns anos para cá. Revistas como Rolling Stone e New Musical Express deixaram de ter a importância que tinham antes. Hoje, todo blogueiro com alma de publisher sabe que pode ser o próximo Ralph J Gleason. Basta querer, ter um bom projeto e achar um atalho para chegar ao público almejado. O resto é sorte.