sexta-feira, fevereiro 10, 2006

Meu Mico Com Mick e os Stones (por Zuenir Ventura para NoMínimo.com)


Você arriscaria sua vida para assistir a uma coisa chamada Banda RBD, a exemplo do que fizeram as 40 pessoas que saíram feridas e as três que morreram no show do hipermercado Extra em São Paulo? Sei que elas não podiam prever o que ia acontecer, evidentemente. Não podiam imaginar que haveria tanta imprevidência e irresponsabilidade por parte dos organizadores do evento, anunciado inicialmente como uma simples sessão de autógrafos.

Mas mesmo que não fosse para morrer, e sim para curtir, você participaria do que a gravadora EMI, ao lamentar o ocorrido, classificou de “euforia de milhares de fãs”? Euforia no caso é uma rima rica para histeria. Mudando de público e de palco: você se disporia a ficar em pé horas numa fila de ingressos que se esgotaram em meia hora para o espetáculo do U2 em São Paulo? Ou para o dos Rollings Stones no Rio? (esse é de graça, na praia, mas há uma área para convidados especiais).

Pode-se alegar que essas pessoas têm pouco a ver com as outras, não só em termos de gosto, mas também em termos de atitude: não são fanáticos, são aficionados. Não garanto. Leio na Hildegard Angel que a promoter do evento está recebendo mil e-mails de pedidos diariamente e que na lista de espera há quatro mil aflitos candidatos a um convite que dá direito a ficar no cercadinho vip.

Ah, se esses fãs soubessem do mico que um dia fui capaz de pagar! Não me perdoariam. Foi nos anos 60, acho que em 69, em Paris, com Mick Jagger e seu amigo Keith Richards no auge da fama. Logo que chegamos, Vilma e Ziraldo, Mary e eu, soubemos que o grande acontecimento da temporada seria justamente a apresentação dos Rollings Stones, a primeira fora da Inglaterra. No entanto, cartazes espalhados pelas ruas avisavam - “Sold out” - que não havia mais ingressos à venda.

Ao passar por um out-door, Mary viu o nome do produtor. “Engraçado”, comentou, “conheço esse cara”. Meses antes ele trouxera um outro grupo ao Rio e ela, então repórter do “Jornal do Brasil”, o entrevistara. Na saída, ele disse mais por delicadeza do que para valer: “quando for à Europa me procura”. Achamos que era a oportunidade, e começamos a pressionar minha mulher para que ela o procurasse. Não adiantaram suas alegações de que aquele convite fora uma mera cordialidade. “Não custa nada, vai lá”.

Mary acabou concordando, descobriu o endereço da produtora, subiu as escadas, anunciou-se e aguardou. Contava com duas possibilidades: 1. Ele não se lembrar dela; 2. Mandar dizer que estava ocupado e que voltasse outra hora. Na melhor das hipóteses, pouco provável, ele a receberia e diria: “infelizmente, como você sabe, não há mais ingresso nem para dar nem para vender”.

Pois não aconteceu nada disso. Ele a recebeu e perguntou: “quantos ingressos?” Ela tomou coragem e respondeu sem jeito: “tem também um casal...”. Nenhum problema. Ela saiu de lá com quatro dos melhores lugares. Imaginem nossa alegria, não só com a perspectiva de assistir a um espetáculo histórico, mas de poder chegar ao Brasil e fazer inveja aos amigos.

Entramos por uma porta lateral sem nenhum atropelo, nos sentamos e a partir daí é minha mulher quem conta: “mal começou o show, olhei para o lado, Zuenir e Ziraldo dormiam profundamente. O som estourando nas caixas ao lado, Mick Jagger nos molhando de cuspe e suor, tão perto estávamos do palco, e nada disso conseguiu acordar os dois”.

Claro que ao voltar não tive coragem de confessar o mico. Quando me perguntavam se tinha gostado da apresentação, dizia apenas: “Imperdível!”.

Nenhum comentário: