sexta-feira, fevereiro 17, 2006
Senhoras e Senhores, Mais Uma Vez, Os Rolling Stones (por Chico Marques para Trupe da Terra)
Dizer que os Rolling Stones praticamente definem o rock and roll é chover no molhado. Nunca uma banda conseguiu traduzir de forma tão perfeita, em música e atitude de vida, o conceito e a essência dessa brincadeira.
A trajetória deles consiste basicamente em chutar o balde para o alto -- sempre -- e sair de cena com um sorriso cínico nos lábios -- no caso de Mick Jagger, os lábios mais emblemáticos do show business.
São mais de 40 anos fazendo a mesma malcriação, para três ou quatro gerações que não cansam de se mirar neles, e para três ou quatro grandes companhias fonográficas que sempre se empenharam em apagar os incêndios que eles iniciavam, já que não queriam ver-se livres deles de jeito nenhum.
Essa brincadeira começou em 1950, quando Mick Jagger e Keith Richards se conheceram na escola primária. Dez anos mais tarde, eles viraram grandes amigos, graças ao interesse mútuo em blues, rhythm and blues e rock and roll.
Ingressaram numa banda chamada Little Boy Blue and The Blue Boys, que não deu muito certo, mas serviu de passaporte para que eles conhecessem o grande guitarrista inglês Alexis Korner, líder do Blues Incorporated, uma banda com formação bem maleável que brilhava intensamente na noite londrina.
No Blues Incorporated eles conheceram Brian Jones. Viraram amigos rapidamente. Resolveram dividir um apartamento, onde ouviam e tocavam música o dia inteiro. E daí surgiu a idéia de montar uma banda de blues, usando como nome uma canção de Muddy Waters, "Rollin´ Stone".
Custaram a achar um baixista e um baterista decentes. Quando conheceram Bill Wyman, o som da banda começou a acertar. E depois de conseguirem convencer Charlie Watts, um ex-baterista do Blues Incorporated que tinha virado publicitário, a assumir a bateria da banda, ficou faltando apenas convencer o tarimbado pianista Ian Stewart a embarcar numa molecagem que estava fadada a entrar para a história da música popular internacional.
A química entre os rapazes era perfeita. Jagger, ao mesmo tempo em que incorporava em seu jeito de cantar toda a lascividade dos cantores negros americanos, não abria mão de um sotaque britânico aristocrático, que contrastava violentamente com o jeito cockney da maior parte das bandas concorrentes dos Stones no cenário, como o Who, os Yardbirds e os Animals.
Enquanto Keith Richards maltratava sua guitarra seguindo a cartilha de Chuck Berry, Brian Jones dava vazão à sua genialidade musical e experimentava de tudo nos solos e nos arranjos da banda, reinventando de forma sensacional suas matrizes musicais americanas.
Para completar, a segurança da base rítmica de Wyman e Watts dava a credibilidade necessária a todas essas ousadias. E o piano de Ian Stewart, o colorido que faltava.
Quando os Stones lançaram seu primeiro lp, em Abril de 1964, repleto de covers incendiários de clássicos do rhythm and blues, ficou claro para a Decca Records que eles tinham tudo para emplacar na América no rastro dos Beatles.
Pois eles não mediram esforços para facilitar essa travessia atlântica, mandando os Stones para Chicago e agendando sessões de gravação na lendária Chess Records, onde gravavam Muddy Waters e Howlin'Wolf, dois grandes heróis musicais deles todos.
Daí até o estouro mundial com "Satisfaction", em 1965, que consolidou Mick Jagger e Keith Richards como uma grande dupla de compositores, foi um pulinho. Em seguida, veio o estrelato, sempre na contramão do bom mocismo dos Beatles.
Eles faziam questão de ressaltar essas diferenças, investindo num marketing ousado que vendia a banda como barra pesada, um conceito perigoso para a época, mas que funcionou, colocando os Stones como a outra face da moeda da beatlemania, completando de vez a invasão musical britânica na América, e deixando todas as outras bandas inglesas em segundo para terceiro plano.
No ano de 1969, os Stones viviam uma crise sem precedentes. Jagger e Richards haviam sido presos com drogas no ano anterior. As relações pessoais entre eles estavam deterioradas. Para completar o quadro, Brian Jones estava completamente inviabilizado como artista, devido aos exageros com LSD e heroína, que haviam deixado sequelas terríveis nele.
Depois de gravar dois discos -- "Beggar's Banquet" e "Let it Bleed" -- com guitarristas convidados, como Eric Clapton, Jimmy Page e Ry Cooder, Jagger e Richards tomaram a dianteira da situação e, sem consultar Brian Jones, convidaram o jovem guitarrista Mick Taylor, que vinha muito bem recomendado por John Mayall, para ingressar e dar suporte na primeira tournée da banda em muitos anos -- o que seria completamente inviável com Brian Jones.
Com isso tudo, Brian acabou entrando em depressão profunda e, no dia 3 de Julho de 69, foi encontrado boiando na piscina de seu castelo -- justamente dois dias antes da estréia da tournée da banda, num show gratuito no Hyde Park, em Londres.
Tudo isso acabou desencadeando o período mais barra pesada -- e mais criativo -- da história dos Stones, de discos brilhantes como "Sticky Fingers" e "Exile on Main Street", performances incendiárias e muita doideira.
Na primeira metade dos anos 70, os Stones reinaram quase absolutos na cena musical anglo-americana -- só o Led Zeppelin conseguia fazer frente a eles, e mesmo assim eventualmente --, mergulhando de cabeça no big business e no jet-set internacional.
As tournées da banda eram constantes e caóticas, com muita doideira e performances bastante irregulares. Daí, Mick Taylor -- sempre circunspecto e com expressão de anjo barroco --, começou a se cansar daquele estilo de vida, e anunciou sua saída da banda.
Foi substituído por Ronnie Wood em 1976, que já vinha flertando com a banda há tempos e não tinha mais estômago para trabalhar com Rod Stewart nos Faces.
Foi uma escolha mais do que acertada. Ronnie era tão feio e tão louco quanto Keith Richards, e tinha uma afinidade com o rhythm and blues que somava perfeitamente com os gostos musicais de Mick Jagger.
Já se vão 30 anos desde então.
Foram poucos os grandes discos que os Stones gravaram nesse período -- as excessões são "Black and Blue", "Some Girls", "Tattoo You" e "Voodoo Lounge" --, mas a banda ficou musicalmente mais constante, sempre preocupada em manter um contato estreito com as sonoridades do momento e, de quebra, com as novas gerações.
Fora isso, as tournées deixaram de ser perdulárias e atrapalhadas, graças ao talento administrativo do economista Michael Philip Jagger, que trocou a abundância de champagne, caviar e cocaína por mesas de frios e vinhos da California.
Com isso, os shows dos Rolling Stones viraram megaeventos muito bem resolvidos, tanto em termos cênicos quanto em termos musicais.
E agora, à beira de fazer o maior show de seus mais de 40 anos de carreira, diante do aristocrático Copacabana Palace, eles continuam insistindo em desafiar a velhice mantendo-se modernos, atualizados e vigorosos - que o diga a modelo e pseudo-apresentadora de TV Luciana Gimenez, mãe de um dos inúmeros filhos de Mick Jagger.
Até agora, o balanço da saga dos Rolling Stones é bastante positivo: o tempo tem andado ao lado deles, e os anos corrindo com uma certa leveza.
Se esse show de Copacabana for uma espécie de último grande desafio para esses rapazes sessentões, que seja glorioso.
Eles merecem essa satisfação.
E nós também.
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