sexta-feira, fevereiro 10, 2006
Novas Mutações (por Antonio Carlos Miguel para O GLOBO)
A História só se repete como farsa', dizia aquele velho barbudo alemão. Por isso mesmo, muitos dos fãs dos eternos Mutantes não se animam com uma possível reunião do grupo, dentro da programação prevista para a mostra "Tropicália, uma revolução na cultura brasileira", que o Barbican, o maior centro cultural europeu, vai abrigar em Londres, entre abril e maio deste ano. A notícia desse show, no entanto, ainda não é confirmada por Sérgio Dias, o guitarrista e um dos cantores e compositores do trio original.
- Eles podem estar negociando com todo o mundo, menos com a gente - responde, por telefone, de São Paulo.
Em setembro passado, num show solo em Londres, Sérgio Dias confirmou a popularidade que os Mutantes têm na Inglaterra, três décadas depois do fim do grupo. Mas, melhor do que essa incerta volta - e que, a princípio, reuniria os irmãos Sérgio e Arnaldo (Dias) Baptista, mais o baterista Dinho Leme e o baixista Liminha, mas não contaria com Rita Lee - é o relançamento dos principais discos do grupo, gravados entre 1968 e 1972, que agora voltam com nova masterização. Eles acabam de chegar ao mercado, através da gravadora Universal, que, em 1992, já os tinha editado em CD, mas, na época, sem recuperar as fitas originais.
O músico se diz feliz com o relançamento, mas reclama de não ter sido procurado pela gravadora:
- Como pai, é um barato ver seus filhos de volta, mas a Universal faz as coisas sem nos consultar. Eu nem sabia que esses discos iriam sair, não recebi cópias e, conversando com você, vejo que até repetiram erros de informação já identificados na edição anterior em CD - conta Dias, que, por exemplo, não tem seu nome como um dos autores de "Caminhante noturno", canção do segundo disco do grupo; nem os dos Mutantes como os autores da versão em inglês para "Baby", de Caetano Veloso, gravada em "Jardim elétrico".
Detalhes que, no entanto, não atrapalham o principal: a tropicalista mistura de canção brasileira com rock, instrumentações vanguardistas de Rogério Duarte ("Sim, ele era o nosso George Martin, só que mais avant-garde que o produtor dos Beatles", confirma) e psicodelismo continua inovadora. Não por acaso, a música dos Mutantes ainda conquista novos adeptos mundo afora, incluindo astros do pop nos EUA e na Inglaterra. Nos anos 90, foram citados por David Byrne, Beck, Sean Lennon (que desenhou a capa de "Tecnicolor", disco em inglês, gravado pelo grupo na França em 1970, mas só editado em 1999) e até Kurt Cobain.
Curiosidades de cada disco segundo o mutante Sérgio Dias
OS MUTANTES (1968): "Tenho ótimas lembranças desse disco. Ganhamos 'Panis et circenses' de Caetano e Gil; escrevemos 'Trem fantasma' com Caetano, na casa de Guilherme Araújo; minha mãe tocou piano em 'Senhor F'... A gente não era apenas fã de Beatles e rock, como as bandas da época. Gostávamos de muitas outras coisas. Arnaldo teve um grupo de bossa nova; quando ouvi 'Ponteio', fui pedir a Edu (Lobo) para aprender..."
MUTANTES (1969): "A mudança maior foi a entrada de Dinho. É um disco mais dirigido pela gente. Mas, na época, não havia interferência alguma da gravadora, de departamento de marketing, nenhuma sugestão para que a gente seguisse o que a rádio iria querer ou que se chamasse um DJ para remixar. Na primeira edição em CD, tiraram o meu nome como co-autor de 'Caminhante noturno'. E vejo que repetiram o erro."
A DIVINA COMÉDIA OU ANDO MEIO DESLIGADO (1970): "Quando começamos a gravar, estávamos no Teatro Casa Grande, no Rio, com a temporada de 'O planeta dos Mutantes', um show multimídia, com atores, projeções.... Fiz 'Ando meio desligado' para o Festival da Canção e levamos toda aquela gente para o Maracanãzinho. Mas o que mais incomodou os puristas foi a nossa gravação de 'Chão de estrelas'".
JARDIM ELÉTRICO (1971): "O som é muito melhor. Demos um pulo tecnologicamente com os instrumentos fabricados por Cláudio (o irmão mais velho de Arnaldo e Sérgio, uma espécie de Professor Pardal do rock brasileiro). Nesse disco, ampliamos ainda mais as nossas referências, como o som dos mariachis em 'El justiciero'; ou referências lusitanas em 'Portugal de navio', que é cantada, muito bem, por sinal, por Liminha."
...E SEUS COMETAS NO PAÍS DOS BAURETS (1972): "Quem veio com esse nome foi Tim Maia, e 'bauret' significa 'baseado'. Conhecemos Tim na Bandeirantes, ele chegou dos EUA com a influência da música soul, e foi um amor imediato. Quando vimos ele cantando, piramos e o apresentamos à PolyGram. A letra de 'Cantor de mambo' era para Sérgio Mendes, uma carinhosa homenagem, já o solo de guitarra é influenciado por Santana".
HOJE É O PRIMEIRO DIA DO RESTO DA SUA VIDA (1972): "Apesar de creditado a Rita Lee, é um disco dos Mutantes, foi um erro nosso na época, mas nesse ano o grupo já tinha lançado um disco. A gravadora sempre insistiu na carreira solo de Rita e nunca aceitei isso, e me recusei a tocar no primeiro disco dela, 'Build up'. Aliás, 'De novo aqui, meu bom José', é uma resposta àquela música que Rita gravou solo, que a gente achava uma caretice."
O A E O Z (1973/1992): "Esse foi concebido e gravado inteiramente sob efeito do LSD. Mas não faço apologia, éramos mais reais e mais inovadores antes do ácido do que depois dele, que não traz talento para ninguém. Gravamos já sem Rita, e a gravadora arquivou o disco. No início dos anos 90, falei para Mayrton (Bahia, então diretor artístico da PolyGram, atual Universal) desse disco, e eles vasculharam os arquivos até encontrar a fita".
TECNICOLOR (1970/1999): "Durante a temporada que fizemos em Paris, no Olympia, em 1970, a PolyGram inglesa nos convidou para gravar esse disco com letras em inglês. Eles também queriam que a gente se radicasse em Londres, mas falaram apenas para Arnaldo, que só nos contou isso no Brasil. O disco também foi arquivado e só lançado em 1999, com desenhos de Sean Lennon na capa e no encarte".
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