Bem no início dos anos 1990, a Gravadora Estúdio Eldorado, de São Paulo, muito entusiasmada depois de adquirir os direitos para lançamento no Brasil do catálogo riquíssimo da independente americana Rounder Records, colocou nas lojas um LP espetacular chamado "Live And Let Live!", da dupla de cantores Terry Evans e Bobby King, integrantes da banda regular do guitarrista Ry Cooder, que também produziu o disco, lançado originalmente nos Estados Unidos em 1988.
"Live And Let Live!" teria passado completamente despercebido pelo grande público, se não fossem dois pequenos detalhes: a promoção espontânea da Grande Imprensa através de seus Cadernos de Cultura e a carência enorme que existia em relação a discos contemporâneos de blues e rhythm and blues num mercado onde só eram lançados discos clássicos da Chess Records e da Vee-Jay Records.
Bobby King e Terry Evans são de backgrounds musicais bem diferentes. Bobby vinha da cena gospel da Louisiana, e sempre imprimiu as características estilísticas típicas do gênero tanto nas composições quanto nas vocalizações da dupla. Já Terry vinha do Mississippi e trazia em sua bagagem anos de trabalho ao lado de craques do rhythm and blues como Louis Jordan e Ike Turner.
A união dos dois tinha tudo para não dar certo, mas funcionou às mil maravilhas em vários discos de Ry Cooder gravados nos anos 70 e 80, e também em dois discos como dupla.
De 1991 em diante, no entanto, a dupla, que raramente compunha canções em conjunto, se separou.
Bobby decidiu levar seu "falsetto" de volta para a cena gospel, onde milita até hoje.
E Terry seguiu explorando nas raízes musicais do Mississipi, sempre com um approach bem moderno, em discos nunca menos que magníficos, ainda que pouco conhecidos até mesmo pelo público de blues.
Os dois permaneceram amigos e eventuais parceiros musicais em projetos de músicos amigos, mas nunca mais retomaram o trabalho glorioso da dupla em discos próprios.
Pois bem: vinte anos se passaram, e então Terry Evans mergulhou em uma nova e bem sucedida dobradinha musical, dessa vez com o prolífico e muito aplicado guitarrista de folk-blues holandês Hans Theessink.
Juntos gravaram um disco espetacular hamado "Visions" (2008), com participação do guitarrista inglês Richard Thompson, onde trafegavam pelas águas da folk music que irrigam tanto o blues tradicional e o gospel quanto o rhythm and blues urbano e a soul music.
E agora, os dois estão de volta numa nova empreitada musical ao lado do amigo Ry Cooder e dos cantores Willie Greene Jr. e Arnold McCuller, mergulhando fundo na alma da música do sul dos Estados Unidos, sem distinção de gênero e sem respeitar fronteiras culturais.
"Delta Time" conquista logo de cara pelo despojamento musical e pela sofisticação na maneira de abordar o repertório, que alterna canções clássicas com originais de Hans Theessink, aluno aplicadíssimo de Ry Cooder..
Totalmente acústico, ele segue pelas mesmas trilhas que marcou boa parte do trabalho desenvolvido por Cooder nos anos 70, resgatando aquele mesmo padrão de excelência musical que parecia ter-se perdido com o passar dos anos.
É o outro lado daquela mesma moeda do trabalho totalmente elétrico que Evans realizava com Bobby King.
A recriação dramática eles promovem, por exemplo, na clássica "Down In Mississippi", de J B Lenoir, é de arrepiar.
As releituras acústicas de "Honest I Do" e 'Pouring Water On a Drowning Man" dão uma dimensão totalmente nova a esses números já gravados à exaustão por outros artistas.
E, como se isso não bastasse, os quatro originais de Theessink são magníficos, composições de um mestre que merece ser descoberto urgentemente por todos os aficcionados em blues que resistem à invasão europeus que vem tomando conta do gênero nos últimos anos.
"Delta Time" é um disco de blues acústico moderno que nasce clássico.
A alma de tudo o que se produziu, e ainda se produz, na música do Sul dos Estados Unidos está impregnada nele por inteiro.
Enquanto ouvia esse disco, me lembrava de algumas declarações do saudoso Levon Helm no programa de Dave Letterman um ou dois anos antes de morrer. Helm dizia que sua cidade no Arkansas era muito pobre e ficava à beira do Mississipi, mas do outro lado do Rio ficava a gloriosa Memphis, e um pouco mais acima estava Nashville.
Segundo ele: "Nos arredores dessas duas cidades todas as variantes musicais da Música do Sul se mesclavam sem distinção de gênero ou de cor, e isso acontecia de forma perfeitamente natural, na medida em que, em última instância, era tudo a mesma coisa, era tudo Country Music..."
"Delta Time" não só reforça essa tese, como abre um horizonte espetacular para quem pretende seguir explorando a música do Coração da América.
PS1: Um pedido apenas ao Sr. Evans e ao Sr. Theessink: "Visions" e "Delta Time" merecem virar, ao menos, uma trilogia -- ou uma trinca de discos, se assim preferirem. Pensem nisso com carinho, por favor. God Bless...
PS2: A propósito, PARABÉNS, BARACK OBAMA. God Bless...
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