John Cale é um daqueles casos raros em que um talento enorme e múltiplo acaba roubando o foco de uma carreira que tinha tudo para ser estelar, e que, por algum motivo, não conseguiu ser.
Nascido em uma família de classe operária em Wales, na Grã-Bretanha, Cale se revelou um músico prodígio muito cedo, e ganhou bolsas para estudar música tanto em Londres quanto em Nova York -- sob a tutela de grandes mestres como Aaron Copland e Leonard Bernstein.
Mas foi sua paixão por música avant-guarde que o levou a se aproximar de mestres do gênero em diversas modalidades artística. Conheceu Andy Warhol, e acabou convidado para dar um tom experimental a uma banda de rock composta por uma Nico, uma cantora alemã um tanto quanto sombria, e alguns analfabetos musicais extremamente talentosos, comandados por Lou Reed, nos quais Andy estava apostando.
Essa banda era, claro, o Velvet Underground. E as idéias musicais arrojadas de Cale, em contraponto às baladas e rocks rasgados de Reed, acabaram sendo o grande diferencial dos dois primeiros LPs do Velvet.
Infelizmente, as dificuldades de relacionamento entre os dois não foram poucas, e acabaram levando a um racha dentro da banda.
Nico e Cale seguiram caminhos diferentes do Velvet -- que, desse ponto em diante, deixou os experimentalismos de lado e passou a apostar exclusivamente no rock and roll urbano mais contundente de que se tem notícia até hoje.
Foi a partir daí que a carreira de Cale se subdividiu em diversas frentes.
Havia o John Cale produtor e arranjador, que impulsionou de forma brilhante carreiras de músicos os mais diversos, como Nico, Jonathan Richman, Patti Smith, Iggy Pop e vários outros.
Havia também o John Cale artista erudito, que fazia experiências avant-guarde com LaMonte Young e Terry Riley, além de trilhas sonoras para filmes e uma série magnífica de discos com composições para piano e orquestra para o selo francês Crepuscule Disques.
E, para completar, havia o John Cale artista popular, com um trabalho musicalmente acessível, que aborda temas filosóficos, psicológicos e poéticos, e que possui uma discografia extensa e de alto gabarito artístico -- mas infelizmente sem grande apelo popular.
Pois é justamente desse John Cale que vamos falar aqui.
"Shifty Adventures In The Nookie Wood", seu mais novo disco, é um trabalho que aposta numa levada roqueira e sombria que remete aos primeiros anos de sua carreira solo, em LPs como "Paris 1919", "Fear" e "Slow Dazzle". Mas que, curiosamente, também mantém uma levada eletrônica semelhante à de alguns dos últimos cds gravados por David Bowie antes de se aposentar. Considerando que tanto Bowie quanto Cale trocam figurinhas constantemente com Brian Eno, nada a estranhar.
A maioria das canções dos disco chama a atenção pela contundência nos temas abordados e pelas melodias que grudam nos ouvidos logo na primeira audição -- apesar de alguns arranjos exageradamente eletrônicos, que vez ou outra conspiram contra as próprias canções.
Claro que esses exageros fazem todo o sentido do mundo na mente barroca avant-guarde de John Cale.
"Shifty Adventures In The Nookie Wood", assim como outros discos de John Cale, funciona como um jogo de espelhos. A linda e obsessiva faixa de abertura, "I Wanna Talk 2 U", gravada com a coleboração de Danger Mouse, já dá logo de cara o tom soturno e surreal da viagem que vem pela frente. Vem seguida pela envolvente 'Scotland Yard". Que engata em "Hemingway", uma homenagem ao espírito indômito e ao coração sombrio do grande escritor americano.
Daí para a frente, somos engolidos pela esquizofrenia musical de Cale, onde baladas lindíssimas como "Living With You" e "Flying Dutchman" se misturam com canções enigmáticas como "Midnight Feast", "Face To The Skies" e "December Rains", sempre seguindo a musicalidade "berlinense" que sempre emoldurou muito bem a voz gutural de Cale.
Não é uma viagem musical das mais leves.
Mas é intensa.
No geral, "Shifty Adventures In The Nookie Wood" soa como uma radicalização do trabalho desenvolvido por John Cale em seus dois discos anteriores, "Hobo Sapiens" e "Black Acetate", fechando talvez uma trilogia de discos surreais e sombrios.
Traz John Cale em plena forma, esbanjando jovialidade e criatividade aos 70 anos de idade, e, ao mesmo tempo, fazendo uma revisão de suas motivações artísticas mais básicas -- e isso, por si só, já é uma excelente recomendação.
Benvindo âs idiossincrasias musicais e temáticas de "Shifty Adventures In The Nookie Wood".
Prepare-se para emoções loucas e intensas com John Cale.
BIO-DISCOGRAFIA
http://www.allmusic.com/artist/john-cale-mn0000224638
WEBSITE OFICIAL
http://john-cale.com/
AMOSTRAS GRÁTIS
Nenhum comentário:
Postar um comentário