Desde seu excelente disco de estréia, gravado na virada dos anos 60 para os 70 com o pessoal da Muscle Schoals Rhythm Section, sua voz deliciosamente maleável e sua postura “laid-back” vem intrigando a Indústria Fonográfica, que sempre tentou, mas nunca conseguiu, rotulá-lo para o mercado, mesmo depois dele ter emplacado alguns singles muito bem sucedidos nas paradas.
Aliás, uma pequena correção. Tem alguém que canta parecido com Boz Scaggs, sim: o soulman de Memphis Al Green -- ou vice-versa, já que os dois são compenheiros de geração e surgiram na cena musical mais ou menos ao mesmo tempo, só que em lugares diferentes. Na medida em que Scaggs nunca se definiu claramente como um artista de rock, de pop ou de R&B, parecia uma boa idéia tomar emprestado um pouco daquela levada pedestre dos singles soul de Memphis produzidos por Willie Mitchell para Al Green em seus discos gravados na motorizada e frenética Los Angeles.
Em “Slow Dancer”, seu grande LP de 1974, produzido pelo craque Johnny Bristol, Scaggs chegou muito próximo de assumir em definitivo essa sua persona soul. Só não foi adiante porque David Foster o desviou dessa rota no disco seguinte, “Silk Degrees”, emplacando “Lowdown”, clássico absoluto da era disco, que catapultou Boz Scaggs ao estrelato do dia para a noite, depois de dez anos de trabalho árduo tentando sair da periferia do big business musical.
Apesar de nunca ter conseguido, nem de longe, igualar o sucesso de “Silk Degrees”, Boz Scaggs vem mantendo uma regularidade muito peculiar em seu trabalho nesses 35 anos, apostando suas fichas em discos com um sotaque R&B bastante acentuado, e sempre acompanhado de músicos de primeira em suas tournées.
Tudo bem que os tempos mudaram, e o gosto do público também mudou, mas seu estilo inconfudível e seu padrão de qualidade permaneceram intactos em discos excelentes como "Some Change" (1994) e "Come On Home" (1998).
Dois anos atrás, Boz Scaggs ressurgiu com um disco inesperado, chamado “Memphis”, uma homenagem à cidade que ele tanto admira musicalmente.
Inesperado porque, apesar de trazer apenas duas canções inéditas de sua autoria para abrir e fechar essa coleção de clássicos – nada óbvios, diga-se de passagem -- da soul music, elas são as primeiras que ele grava desde “Dig”, de 2001.
Inesperado também porque escancou algo que Scaggs sempre sugeriu: que gostaria de ter sido um artista de Hi Records.
Não foi nada acidental a escolha do velho e lendário estúdio de Willie Mitchell, o Royal Recordings Studio, como base para as sessões de gravação de "Memphis". Era lá mesmo que ele "tinha" que ser gravado.
Pois "Memphis" foi tão bem recebido por crítica e público, e tão bem sucedido comercialmente, que agora, dois anos mais tarde, Scaggs voltou ao Tennessee para gravar este 'A Fool To Care" (lançamento 429 Records).
Dessa vez, ao invés do Royal Recordings Studio, em Memphis, Boz Scaggs e seus parceiros neste projeto optaram por gravar nos requisitadíssimos Blackbird Studios, do casal John & Martina McBride, em Nashville.
Em apenas quatro dias de gravação, o produtor e baterista Steve Jordan recrutou veteranos como o baixista Willie Weeks e o guitarrista Ray Parker Jr. para compor a banda e dar o arremate final nos arranjos das 12 canções que compõem o disco. Encomendou uns poucos arranjos de cordas, convocou o suporte luxuoso de grandes guitarristas da cidade como Reggie Young e Al Anderson, além do mestre do pedal-steel guitar Paul Franklin, e finalizou o projeto em frente com relativa rapidez.
Os resultados, mais uma vez, são magníficos. Aos 71 anos de idade, Boz continua cantando absurdamente bem, levando a musicalidade de "A Fool To Care" muito além do soul pedestre de Memphis -- "Full Of Soul", clássico de Al Green, e "Rich Woman", de Lil' Millet & His Creoles --, enveredando pelo caldeirão musical de New Orleans -- "A Fool To Care", "Small Town Talk" --, pelo soul de Chicago -- "I'm So Proud", de Curtis Mayfield, numa versão espetacular --, pelo soul da Philadelphia -- "Love Don't Love Nobody", dos Spinners --, e ainda pelas sonoridades country de Nashville -- "There's A Storm A Coming" --, culminando num número inclassificável chamado "Last Tango On 16th Street", que mescla tango e salsa de uma maneira tão inusitada que só ouvindo mesmo para acreditar.
Para completar, "A Fool To Care" traz ainda um dueto sensacional com Bonnie Raitt num bluesaço chamado "Hell To Pay" e "Whispering Pines", uma balada lindíssima cantada por ele e Lucianda Williams. Haja coração!
Boz Scaggs e Steve Jordan podiam perfeitamente ter optado por não correr riscos e simplesmente repetido a receita de sucesso de "Memphis".
Mas não fizeram isso: preferiram ousar e, ao invés de abraçar a musicalidade de apenas uma cidade, abraçar a soul music do país inteiro nesse novo álbum.
De certa forma, "A Fool To Care" lembra um pouco "Come On Home", o excelente disco que Boz gravou para a Virgin Records em 1997.
Lembra também "My Time", sua pequena obra prima de 1972.
É um daqueles trabalhos que já nascem devidamente instalados no coração da gente, como se estivessem por lá desde sempre.
Quem não ouviu ainda "A Fool To Care", não sabe o que está perdendo.
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