Quem viveu a cena pós-punk, com certeza lembra com carinho de Graham Parker e seus comparsas do grupo The Rumour.
Assim como Elvis Costello, que buscou abrigo em seu início de carreira numa persona que combinava visualmente Woody Allen com Buddy Holly para defender suas canções irônicas e, às vezes, raivosas, Graham Parker tentou adequar suas canções meio debochadas, meio irreverentes -- e sempre urgentes e contundentes -- a uma persona de soulman punk que inventou para si próprio, e que deu muito certo a princípio.
Mas o caso é que, entre 1975 e 1982, enquanto esteve com o Rumour a tiracolo -- uma banda que reunia a nata do pub rock londrino, com ex-membros dos grupos Brinsley Schwartz, Ducks DeLuxe e Bontemps Roulez --, setores da crítica, muito comprometidos com a cena punk, não entenderam que Parker era mais uma figura dylaniana, nos moldes de Ian Hunter, do que qualquer outra coisa, e insistiram em vendê-lo como um "angry young man", que ele, na verdade, nunca foi.
Bastou Graham Parker começar a gravar canções não tão urgentes e tentar aproximar seu trabalho do gosto americano, que sua carreira começou a perder altitude. The Rumour o deixou para gravar discos próprios e boa parte do público sumiu -- o que foi uma pena, pois seu primeiros álbuns solo, como "Mona Lisa's Sister", estão entre seus melhores trabalhos até hoje.
Nesses últimos 30 anos, Graham Parker vem tocando sua carreira em frente por selos independentes e mantendo por perto velhos admiradores que nunca deixaram de aplaudir suas composições e seu timbre vocal admirável -- cada vez mais rouco e semelhante ao de Bob Dylan, só que afinado.
E então, quatro anos atrás, sem grande alarde, aconteceu uma reunião de Parker com os integrantes originais do The Rumour -- os guitarristas Brinsley Schartz e Martin Belmont, o tecladista Bob Andrews, o baixista Andrew Bodnar e o baterista Steve Goulding.
Poderia ser apenas mais uma tournée oportunista, visando reforçar o caixa dos envolvidos no projeto. Mas não. Decidiram gravar um disco de retorno, "Three Chords Good", que, para surpresa geral, tinha pouco a ver com a sonoridade urgente que a banda trabalhava nos Anos 1970 e 1980, e soava como uma consequência natural do trabalho solo de Parker nas últimas décadas, com o apoio luxuoso do The Rumour nos arranjos e nas performances -- mais mansas, mas também muito suingadas que as de 35 anos atrás, um diferencial curioso e saudável.
Na essência, nada mudou aos longo desses 40 anos de associação. A personalidade musical de Parker já estava pronta naquela época, e agora está maturada. E a identidade musical do The Rumour sempre foi elástica o suficiente para conseguir se adequar a novas situações, sem se descaracterizar musicalmente.
Eis que eles estão de volta com "Mystery Glue" (um lançamento Cadet/Universal, sem previsão de lançamento no Brasil), que marca o segundo retorno de Graham Parker & The Rumour.
É um disco mais pedestre e mais casual -- e até mais urgente -- do que o anterior "Three Chords Good", revelando que The Rumour voltou a um nível de entrosamento musical do tipo que só se alcança depois de alguns meses de tournée juntos e muita camaradagem e respeito mútuo entre os integrantes da banda.
Tudo funciona às mil maraviilhas em "Mystery Glue", desde o repertório ligeiro às performances sem exageros, em canções que evocam todos os temas clássicos da banda -- mulheres, carros, vida noturna, amores confusos -- e mais alguns, como envelhecimento, amadurecimento e como conseguir continuar se divertindo apesar disso tudo.
Eu, se tiver que escolher meus números favoritos, fico com "Long Shot", uma ode à longevidade, "Flying Into London", sobre o prazer de voltar ao velho lar depois de uma longa temporada americana de mais de 30 anos, e "Transit Of Venus", uma pequena obra-prima, repleta de ironias, sobre masculinidade e maturidade. Se bem que "Going There", com ecos de Bob Dylan e Van Morrison, chega bem perto da perfeição.
Pensando melhor, melhor não escolher coisa alguma. Escolher é perder. E "Mystery Glue" é ótimo da primeira à última faixa, "My Life In Movieland", um belo e inusitado número nostálgico, diferente de tudo o que a banda já fez.
Pensando melhor, melhor não escolher coisa alguma. Escolher é perder. E "Mystery Glue" é ótimo da primeira à última faixa, "My Life In Movieland", um belo e inusitado número nostálgico, diferente de tudo o que a banda já fez.
Graham Parker é um artista de primeira grandeza no rock angloamericano. Nunca deixou de crescer musicalmente nesses mais de 30 anos em carreira solo, sem The Rumour. Mas é inegável que "Mystery Glue" -- mais ainda que o anterior "Three Chords Good" -- tem um sabor forte de resgate.
Não o resgate de um estrelato que passou rápido demais, pois isso não dá para alcançar mais, aos 65 anos de idade. Mas o resgate de um espírito jovial que se perdeu um pouco a partir do momento em que o trabalho de Graham Parker começou a ficar solitário demais.
Parker é o tipo do cara que desabrocha à frente de uma banda como The Rumour -- que, por razões geracionais e afetivas, sabe melhor que ninguém não só onde ele quer chegar como sabe exatamente como facilitar o acesso.
É um disco sensacional, que eu não canso de ouvir há uma semana, e sobre o qual estava até hesitando em escrever para não ter que pular para o próximo disco a ser comentado.
"Mystery Glue" já está na minha lista de melhores discos de 2015.
Não sai dela até Dezembro, mas nem a pau.
Não sai dela até Dezembro, mas nem a pau.
AMOSTRAS GRÁTIS
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