por Chico Marques
A morte súbita de Glenn Frey, co-líder dos Eagles ao lado de Don Henley, no início de Janeiro de 2016, encerrou a saga confusa e megalômana da banda californiana mais bem-sucedida comercialmente dos Anos 70.
Caso raro de banda em que até o baterista canta -- e canta muito bem --, os Eagles conseguiram agregar em seus primeiros quatro albums variantes musicais díspares e muito interessantes, decorrentes das personalidades musicais de cada integrante do grupo.
Um dos muitos dados curiosos da banda é que Glenn Frey, californiano, tinha afinidades musicais com country-rock de tons agridoces da California, enquanto Don Henley, texano da gema, sempre demonstrou ter preferência por um pop denso, quase existencialista.
Esse mix musical aparentemente incompatível somado às colaborações do baixista Randy Meisner -- ex-integrante do prestigiado grupo Poco -- e do guitarrista solo Bernie Leadon -- um aplicado aluno de Clarence White que vinha de uma temporada ao lado de Gram Parsons nos Flying Burrito Brothers -- proporcionou ao DNA dos Eagles todos os fatores hereditários e os anticorpos necessários para se dar bem na primeira metade dos Anos 70.
A morte súbita de Glenn Frey, co-líder dos Eagles ao lado de Don Henley, no início de Janeiro de 2016, encerrou a saga confusa e megalômana da banda californiana mais bem-sucedida comercialmente dos Anos 70.
Caso raro de banda em que até o baterista canta -- e canta muito bem --, os Eagles conseguiram agregar em seus primeiros quatro albums variantes musicais díspares e muito interessantes, decorrentes das personalidades musicais de cada integrante do grupo.
Um dos muitos dados curiosos da banda é que Glenn Frey, californiano, tinha afinidades musicais com country-rock de tons agridoces da California, enquanto Don Henley, texano da gema, sempre demonstrou ter preferência por um pop denso, quase existencialista.
Esse mix musical aparentemente incompatível somado às colaborações do baixista Randy Meisner -- ex-integrante do prestigiado grupo Poco -- e do guitarrista solo Bernie Leadon -- um aplicado aluno de Clarence White que vinha de uma temporada ao lado de Gram Parsons nos Flying Burrito Brothers -- proporcionou ao DNA dos Eagles todos os fatores hereditários e os anticorpos necessários para se dar bem na primeira metade dos Anos 70.
Mas o caso é que nenhum deles esperava que a banda alcançasse o sucesso que alcançou. Sem contar que a associação da banda com compositores amigos extremamente talentosos como Jackson Browne, Jack Tempchin e John David Souther permitiu que eles tivessem um repertório de singles extremamente robusto em pouco mais de três anos de carreira.
Mas com o megaestrelato de "Hotel California" o delicado equilíbrio "middle of the road" que caracterizava o trabalho dos Eagles foi para a cucuia, e o pop agridoce predominou sobre as sonoridades country, sempre com o contraponto eventual de um rock bem polido ou outro. Tudo isso somado aos abusos farmacológicos de praxe, e deu no que deu: as relações se deterioraram perigosamente entre os dois líderes dos Eagles. Em consequência disso, Randy Meisner e Bernie Leadon, que eram figuras cada vez mais secundárias na banda, decidiram cair fora para tentar carreiras solo, sendo substituídos por Tim Schmitt e Joe Walsh.
E não houve jeito: em 1980, depois da tournée confusa e turbulenta para promover o sexto disco da banda, 'The Long Run", os Eagles anunciaram que estavam encerrando atividades. No ano seguinte, tanto Don Henley quanto Glenn Frey deram início a carreiras solo extremamente bem sucedidas, que ficaram obscurecidas a partir dos constantes retornos dos Eagles a partir de 1994 para novos discos e tournées milionárias.
Curiosamente, tanto Glenn Frey quanto Don henley gravaram apenas 5 discos solo cada um nos últimos 35 anos.
O mais recente trabalho de Glenn Frey foi "After Hours", de 2012, uma coleção de covers de canções dos Anos 40 e 50 de que ele gostava muito, a ponto de decidir gravar um disco só com elas.
Já o mais recente trabalho de Don Henley veio à tona no final do ano passado, depois de vários anos em produção, enquanto aguardava o término de um contrato de longo prazo que tinha com a Warner.
Em "Cass County" (um lançamento Universal Music), seu primeiro disco de inéditas em 15 anos, Don Henley deixa de lado seu pop denso e arrojado e mergulha de cabeça nas suas raízes musicais texanas. Justo elas, que ele tanto evitou ao longo de toda a sua carreira.
Esboçado ao longo dos últimos 3 anos em seu estúdio caseiro, mas gravado inteiramente em Nashville, com músicos da cidade, no início do ano passado, "Cass County" -- nome do condado texano onde Henley passou sua infância -- é tanto uma espécie de volta para casa quando um acerto de contas carinhoso com o passado.
Segundo Henley, nunca foi tão divertido gravar um disco quanto dessa vez, graças ao time excelente e bem-humorado de músicos jovens que teve à disposição no estúdio. Como de hábito, todas as canções foram compostas em parceria com seu parceiro contumaz Stan Lynch, que nunca teve chance de mostrar suas habilidades como compositor nos muitos anos em que tocou bateria para Tom Petty & The Heartbreakers.
"Cass County" é um disco muito curioso e contraditório. É aparentemente despojado, mas custou caro. É aparentemente nostálgico, mas os arranjos são bem modernos. E apesar de ter uma levada meio urgente, foi gravado sem a menor pressa.
As canções são todas ótimas e de altíssimo gabarito, como de praxe em todos os álbuns solo de Don Henley. Difícil escolher uma ou outra para detacar.
Por mais confuso e prolongado que possa ter sido o processo de produção do disco, existe uma unidade artística e um padrão de excelência inegáveis no repertório. E as composições são simplesmente impecáveis, quase todas de primeira grandeza. Nenhum de seus discos solo ostenta um material tão "assoviável".
Na medida em que "Cass County" foi projetado originalmente para ser um disco de colaborações, e as participações especiais já gravadas eram "especiais demais" para serem descartadas no mix final, o jeito encontrado por Don Henley foi conjugar o que restou do projeto inicial com o novo projeto, tentando situar tudo num clima meio "rootsy" que pode ser sentido já a partir da capa, que traz Henley sentado ao volante de uma velha caminhonete com jeitão de roceiro, cuidadosamente desalinhado e despenteado.
"Cass County" ostenta duetos magníficos com Lucinda Williams, Trisha Yearwood, Martina McBride e Dolly Parton, além de Merle Haggard e de Mick Jagger, que faz uma participação vocal simplesmente genial com Miranda Lambert na faixa de abertura "Bramble Rose". Traz baladas fulminantes como "Words Can Break Your Heart", "She Sang Hyms Out Of Tune" e "Prayin' For Rain". E também rocks poderosos como "Achy Breakin' Heart". Tem até um blues com sotaque country à moda de Hoagy Carmichael chamado "Too Much Pride". E o mais importante de tudo: tem o vigor criativo dos músicos que povoam Nashville atualmente, que lembra, de certa forma, a verve dos country-rockers californianos do final dos Anos 1960 e início dos Anos 1970. Como os Eagles, por exemplo. Aliás, uma das mais belas faixas do disco é parcialmente dedicada a eles. O nome é "Train In The Disance".
Com o passar dos anos, a voz de Henley mudou um pouco. Continua rouca como sempre foi, só que agora está bem menos potente. Eu, pessoalmente, acho que ela nunca esteve tão bem acomodada a suas canções. Curiosamente, ficou um pouco semelhante à voz de Warren Zevon em seus dois LPs derradeiros. Mas fiquem tranquilos: Henley parece estar bem de saúde, não há com o que se preocupar.
Enfim, entre as novas canções de sua autoria e os covers que iriam compor o álbum de duetos inacabado, "Cass County" acaba ganhando uma dimensão curiosa com a recente morte de Glenn Frey.
Na medida em que Don Henley sempre fez o contraponto modernoso ao country-rock franco e desencanado de seu ex-parceiro, vê-lo mergulhar fundo em sua alma country pela primeira vez em seus discos solo sugere que ele desistiu da velha queda de braço que rolou entre os dois parceiros musicais ao longo dos últimos quarenta e poucos anos.
Henley teria entregado os pontos.
Ou seja: Glenn Frey ganhou a parada.
De qualquer maneira, o que vale é que, com isso, Don Henley gravou o melhor álbum solo de sua carreira até o presente momento.
Se Glenn Frey ouviu "Cass County" antes de partir deste Planeta -- e ele viveu tempo suficiente para tê-lo ouvido -- presumo que tenha aprovado o tom da brincadeira, disparando um de seus clássicos sorrisos de canto de boca. Glenn era muito cool.
Don Henley, felizmente, ainda é.
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