Lembro como se fosse ontem quando recebi na Enseada FM o disco de estréia do Garbage, por volta de 1996.
O release sinalizava um provável embuste: banda americana com cantora escocesa -- ex-junkie e ex-prostituta -- produzida pelo baterista da banda Butch Vig – responsável pela produção do clássico instantâneo “Nevermind”, do Nirvana –, que faz um mix de pop eletrônico com rock and roll rasgado.
Para não perder tempo, fui direto nas duas faixas recomendadas no release.
A primeira, “Only Happy When It Rains”, grudou e nunca mais saiu da minha cabeça, até hoje.
A segunda, “Stupid Girl”, me impressionou quase tanto quanto a primeira.
Depois disso, minha objetividade foi por água abaixo e parei tudo o que estava fazendo para ouvir o disco inteiro na íntegra.
Fiquei completamente boquiaberto não só com o vigor da banda estreante, mas também com a expertise de Butch Vig em conseguir repetir com outra banda o mesmo padrão poderoso de produção utilizado em “Nevermind”.
Desse dia em diante, nunca mais deixei de aguardar um novo disco do Garbage com alguma ansiedade.
O Garbage é uma banda complicada e de muito difícil trato.
Não é à toa que, em 18 anos de carreira, eles conseguiram lançar apenas 6 discos.
Escolheram o nome “Garbage” depois de de um comentário que ouviram de um executivo de uma gravadora, que achou que o trabalho deles tinha “jeito de lixo” .
No início, eram apenas o baterista Butch Vig, o baixista Duke Erickson e o guitarrista Steve Marker, todos tarimbados como compositores e também como produtores. Vig era o cantor da banda em princípio, mas a coisa não funcionava direito, e todos concordaram que o ideal seria tentar achar uma cantora para o posto.
Um dia, assistindo a um clip do grupo inglês Angelfish na MTV, Steve Marker começou a gritar: “Essa é a cantora que precisamos!”.
Era Shirley Manson, que foi localizada rapidamente em Londres pelo telefone, e que custou a acreditar que estava sendo procurada pelo produtor de “Nevermind” do Nirvana.
Manson largou o Angelfish e veio para Wisconsin, base do Garbage, e todos começaram a trabalhar juntos nos primeiros demos da banda, que eram enviados para as gravadoras sempre omitindo o nome – muito conhecido, então -- de Butch Vig como baterista.
Assinaram com dois selos: um europeu e outro americano, e lançaram seu primeiro LP -- que foi um sucesso estrondoso, ganhando disco de platina tanto nos EUA quanto na Inglaterra e na Austrália.
Garbage veio seguido do igualmente ótimo Version 2.0 em 1998.
Em 2001, lançaram Beautiful Garbage no mês dos ataques às torres do World Trade Center, e a promoção do disco meio que se perdeu em meio aos acontecimentos.Era um disco leve e descompromissado num momento da história que de leve e descompromissado não tinha absolutamente nada.
Foi o primeiro fiasco comercial da banda nos EUA e na Inglaterra – e, mesmo assim, um fiasco relativo, já que conseguiu vender quase 4 milhões de cópias nos EUA, Inglaterra e Austrália, e entrou na listas dos 10 Melhores Discos de 2011 da Rolling Stone.
Depois veio Bleed Like Me, muito bom, mas meio confuso e mal resolvido, perdido em meio às doses cavalares de "psicagem” que rolavam entre os integrantes da banda, e que acabaram levando o Garbage a um colapso.
É o disco menos urgente do Garbage até o presente momento, e vem repleto de texturas densas de guitarras e sintetizadores somadas ao jeito de cantar sempre performático de Shirley Manson -- cuja voz está soando bem diferente neste disco, mixada muito acima da massa sonora produzida pelos rapazes da banda.
É o segundo disco totalmente independente do Garbage, sem o apoio de distribuição de nenhum selo grande. Está saindo pela Stunvolume Records, da própria banda, e sendo oferecido em vários formatos através do website garbage.com
Se eu tiver que destacar dois números de Strange Little Birds que me agradaram em especial, eu escolheria um rockão chamado Empty e uma balada que lembra alguns experimentos de Robert Smith à frente do Cure nos Anos 90, intitulada Blackout” e a delicadíssima “Sugar”. As duas -- cada uma à sua maneira -- são excessões à regra num disco que é pouco caraterístico do som da banda. Mas que faz sentido na medida em que o Garbage nunca aceitou fazer concessões ao mercado e sempre fez questão de manter sua independência criativa como ponto inegociável.
Um belo e estranho disco, de uma banda que não cansa de surpreender.
AMOSTRAS GRÁTIS
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