quinta-feira, junho 15, 2006
RHCP: Resumo de carreira que chega quicando aos 25 anos (por Tom Leao para O GLOBO)
Um dos discos mais esperados do ano na senda pop/rock verá a luz na próxima semana. Trata-se de “Stadium arcadium”, o aguardado novo trabalho da banda californiana Red Hot Chili Peppers. E a expectativa se dá por ser o primeiro disco da banda após um hiato de quatro anos. Por isso, o álbum virá duplo. E já vazou na internet, para desgosto da banda, que divulgou esta semana uma carta aberta reclamando do fato, não da maneira agressiva como fez o Metallica, mas num modo choramingas, lamentoso.
Curioso notar, na perspectiva do tempo, que uma banda que apareceu em meados dos anos 80 com uma certa pecha de maldita (formada por um bando de punks-skatistas-doidões) ter agora o status de um nome de respeito. Em tempos de vacas magras para a indústria fonográfica, os RHCP ainda são das raras bandas que garantem, pelo menos, um bom disco de platina para a sua gravadora (no caso, a Warner). Nada como o tempo.
E levou tempo para eles chegarem nesse estágio. Desde cedo o RHCP foi respeitado pela galera alternativa e pela crítica em geral por fazer uma fusão muito bem amarrada de punk, funk e psicodelia. Eles eram a perfeita tradução do lado menos glamouroso de Los Angeles, como os Z-Boys de Dogtown. Representavam a geração que veio depois dos hippies. Por isso, a sua música e estilo de vida são indissociáveis do California way of life . Assim, meio que como o Planet Hemp está para o Rio, por exemplo. Mas isso não era bem aceito pelas rádios e pela MTV, só pelo underground.
No caldeirão de influências dos pimentas vermelhas, entravam desde Stevie Wonder (do qual regravaram “Higher ground” com grande propriedade e sucesso), o Funkadelic/Parliament de George Clinton (que produziu um disco deles) e o punk-hardcore da Califórnia, pós-Black Flag, Circle Jerks etc. Isso tudo reunido provocava uma combustão lindamente perigosa, porque, sem o fogo que ela produzia, não havia beleza.
E pelo fogo (além de “Fire”, hit de Jimi Hendrix que também foi o primeiro sucesso deles), foi a trajetória da banda em sua primeira fase. No meio do caminho perderam o guitarrista original, Hillel Slovak, para as drogas (morreu de overdose de heroína em 1989) e por pouco o vocalista Anthony Kiedis não foi pelo mesmo caminho. Para driblar a morte, Kiedis pegou o caminho para Katmandu e viveu uma fase zen/espiritual viajando pelo Oriente, e hoje se diz livre das seringas no braço.
Independentemente dos problemas pessoais, só no começo dos anos 90, quando lançaram o campeão de vendas “Bloodsugarsexmagik” (1991), o RHCP passou para o outro lado da cerca, chegou, de fato, ao mainstream . Daí vieram as turnês mundiais (já estiveram três vezes no Brasil) e a consolidação de um estilo que influenciou milhares de bandas mundo afora. A última camada veio com o álbum “Californication” (1999, que marcou a volta de John Frusciante), que foi complementada por “By the way” (2001), que adicionou à fúria um toque meio zen, de canções mais contemplativas e com melodias menos agressivas. Os RHCP estavam perdendo a sua chama?
Os dois lados, o sol e a lua do RHCP, estão muito bem representados em “Stadium arcadium”, embora não distribuídos uniformemente. O primeiro CD, batizado “Jupiter”, traz o lado mais ensolarado, das guitarras mais fluidas (de Frusciante), dos vocais mais relaxados (de Kiedis) e aquele jeito RHCP de ser, que, mesmo quando suave, não perde o groove (como em “Hump de bump”, um funkão de primeira). Mas essa divisão não é tão certinha assim. A primeira faixa do CD 2, batizado “Mars”, “Desecration smile”, lembra aquelas canções hippies dos anos 60, inclusive pelo instrumental. Mas, depois, o disco segue um caminho mais suingado, onde a bateria firme de Chad Smith e as intervenções do baixo (e trumpete) do agitado Flea dão o tom.
Ou seja, Marte até pode ser o deus da guerra, e Júpiter remeter a Zeus na mitologia, mas em “Stadium arcadium” o RHCP cria a sua própria representação para os planetas e deuses, e não há propriamente momentos de escuridão ou de danação. Provavelmente eles jamais serão tão inflamados quanto nos tempos de “Freakey stiley” ou de “The uplift mofo party plan” (dois discos únicos e influentes lançados nos anos 80), mas eles nunca deixaram de ser os pimentas calientes que são.
E, expectativas à parte, “Stadium arcadium” preenche todas. Ao longo de suas 20 faixas, ele prova ser realmente um disco pelo qual valeu a pena esperar. O primeiro single , “Dani California”, nem faz jus ao todo. O que espera o ouvinte é muito mais do que uma continuação dos últimos discos, mas um resumo de tudo o que os RHCP já fizeram (ainda que passado a limpo) numa carreira que já chega quase aos 25 anos. E quicando.
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