quarta-feira, novembro 05, 2014

LUCINDA WILLIAMS DECLARA INDEPENDÊNCIA E COLHE UM BELO TRIUNFO ARTÍSTICO


Lucinda Williams não é -- na verdade, nunca foi -- uma artista fácil.

Talentosa e temperamental, ela sempre foi cobiçada pela Indústria Fonográfica por suas habilidades como compositora, mas sempre foi considerada problemática como artista solo por desafiar produtores e executivos constantemente em nome de um perfeccionismo que muitas vezes soava mais como um capricho pessoal do que propriamente como uma atitude artística fundamentada.

Nascida em 1953 em Lake Charles, Louisiana, ela é filha de Miller Williams, professor de literatura e poeta de prestígio, com vários livros publicados e passagens por Universidades em todos os cantos dos Estados Unidos, além de Santiago, Chile, e Cidade do México.

Lucinda herdou do pai a paixão por country music e blues, e também o espírito aventureiro e o diletantismo artístico que, de certa forma, colaboraram muito para que ela demorasse a achar um foco claro para seu trabalho como cantora e compositora.

Perambulou anos e anos entre New Orleans, Austin, Los Angeles e Nova York como artista folk e só foi conseguir uma chance para gravar um LP através do selo Folkways no final dos anos 1970.

Mesmo assim, o blend de blues, country e folk de seus trabalhos iniciais não serviu para abrir portas em nenhuma dessas cenas musicais bem distintas.

E então ela passou a ser vista como uma artista inclassificável pela Indústria Fonográfica, que, por sua vez, era assumidamente avessa a qualquer coisa que não soasse como “Thriller”, de Michael Jackson, naqueles famigerados primeiros anos da década de 80.


Mas Lucinda insistiu, e conseguiu lançar seu LP seguinte pelo selo inglês Rough Trade, que operava basicamente com bandas independentes, como The Smiths e outras.

Com isso, conseguiu chamar a atenção de quem estava atento às novas manifestações musicais vindas do outro lado do Atlântico.

E então, suas canções começaram a ser descobertas e gravadas por gente como Mary Chapin Carpenter, Linda Ronstadt e, claro, Emmylou Harris.

Tudo isso abriu finalmente as portas de um selo americano, Elektra Records, onde Lucinda gravou o excelente “Sweet Old World” (1993), novamente mesclando diversos gêneros musicais.

Mas, dessa vez, deu a sorte de emplacar um single nas paradas country: a irresistível “Passionate Kisses”.


Foi quando sua carreira finalmente começou a decolar.

Seu trabalho seguinte, “Car Wheels On A Gravel Road”, resultado de um parto complicadíssimo envolvendo confusões com vários produtores – entre eles, Rick Rubin e Roy Bittan – e duas gravadoras em litígio, acabou vendo a luz do dia pela Mercury Records, e finalmente trouxe o reconhecimento do grande público ao trabalho de Lucinda Williams – que passou a ser vista como um Townes Van Zant ou um Steve Earle de saias, ou coisa que o valha.

De lá para cá, a carreira de Lucinda Williams parou de apresentar problemas -- ao menos, por algum tempo.

Apesar de continuar insistindo em desafiar classificações, ela foi muito bem recebida no selo Lost Highway, especializado em artistas country desalinhados do mainstream de Nashville.

Passou a gravar discos de 2 em 2 anos, sempre alternando canções de amor e desespero com números de rock and roll fulminantes, abraçando diversos segmentos de público e tornando-se cada vez mais popular.


Pois agora chegou a hora dela declarar independência e montar seu próprio selo: Highway 20 Records.

“Down Where The Spirit Meets The Bone”, seu mais novo trabalho, é altamente desafiador, e retoma uma veia mais rústica que havia se perdido em discos anteriores, produzidos por craques como Don Was, sempre de olho no mercado.

Trata-se de um álbum duplo com 20 -- ótimas -- canções e 105 minutos de duração que funciona como uma viagem pelo universo temático de Lucinda Williams: as relações imperfeitas e o amor que se confunde com outros sentimentos e se perde.

Temos aqui menos melancolia e mais atitude que o habitual -- uma atitude bluesy, truculenta, bem crua, forjada em guitarras rasgadas, como o próprio título do disco sugere.

Pode-se dizer sem engano que o disco 1 é mais mundano, funcionando do umbigo para fora, enquanto o disco 2 lida com temas mais pessoais, do umbigo para dentro.

Ou seja: tem desde comentários sociais contundentes como "West Memphis" e "East Side Of Town" quanto canções de amor rasgadas como "Everything But The Truth" e "This Old Heartache" -- isso além de um poema de seu pai que ela decidiu musicar, entitulado "Compassion", a abre o disco.

Sua banda de apoio é, basicamente, The Imposters, cedida gentilemente pelo amigo Elvis Costello.

E as participações especiais de guitarristas de naturezas tão diferentes quanto Bill Frisell e Tony Joe White já deixam claro que "Down Where The Spirit Meets The Bone" trafega por diversas vertentes musicais -- nenhuma delas estranha a Lucinda Williams.


Se o disco tem algum defeito, é justamente ser longo demais, e menos conciso que outros grandes discos de Lucinda, como "Car Wheels In A Gravel Road" e Essence" -- mas antes pecar pelo exagero do que pelo racionamento de talento.

O importante é que Lucinda Williams não nega fogo em momento algum em "Down Where The Spirit Meets The Bone", e se afirma como uma artista inconformada com as regras do mercado musical respaldada por de um "cult following" grande o suficiente para aplaudir suas atitudes e dar sinal verde para que ela siga o rumo que achar melhor em sua carreira.

Pois foi isso que ela fez aqui.

"Down Where The Spirit Meets The Bone" não é só um triunfo artístico indiscutível.

É o álbum que a coloca definitivamente no mesmo patamar artístico de seus contemporâneos Bob Dylan, Neil Young, Joni Mitchell e John Hiatt.

Nada mal para uma garota rebelde da Louisiana.



WEBSITE OFICIAL
http://lucindawilliams.com/?fp=true

DISCOGRAFIA
http://www.allmusic.com/artist/lucinda-williams-mn0000837215/discography

AMOSTRAS GRÁTIS
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