por Chico Marques
Paul Weller não sossega jamais. Depois de brilhar 15 anos à frente de grupos como The Jam e Style Council, e de passar boa parte da década de 1990 apostando numa carreira solo visando agradar ao público americano -- em vão, pois os americanos apanham para entendê-lo --, Weller desistiu de facilitar as coisas e passou a investir num trabalho independente cada vez mais pessoal. Desde então, não pára de ganhar prêmios e de ser reconhecido como a artista mais importante e influente da cena inglesa desde David Bowie.
Depois de algumas aventuras diletantes, que culminaram com "Sonic Kicks" (2012) -- um disco modernoso, onde enveredou pelo terreno às vezes pantanoso da música eletrônica -- Paul Weller parou por 3 anos para rever uma série de posicionamentos de carreira. Primeiro, encerrou sua longa parceria com o produtor Simon Dine, e se livrou do cárcere musical que a roupagem eletrônica que ele criou impunha a suas canções e performances musicais. Segundo, convocou Jan "Stan" Kybert para assumir a co-produção de seu novo trabalho, e optaram por expandir a sonoridade da banda e a musicalidade das novas canções, embarcando numa levada musical retrô neo-psicodélica com uma atitude meio revisionista e meio modernosa.
Oportunismo mercadológico? Talvez. Weller acaba de mudar de gravadora, após encerrar um período meio turbulento com a Island Records, que prometeu promovê-lo nos EUA e não cumpriu o combinado.
Mas conhecendo Paul Weller, é bobagem duvidar de sua capacidade de se reinventar de tempos em tempos. Desde "22 Songs" (2008) ele vem experimentando uma espécie de renascimento artístico em sua carreira, com aplausos tanto da crítica quanto do público inglês. Mesmo assim, o público americano permanece um sonho ainda inacessível a ele. O que mais assusta Weller é que ele já tem 57 anos de idade, idade complicada para emplacar por lá. e seu tempo de carreira em breve o qualificará apenas a refém de seu próprio passado glorioso nas mãos de algum Gerente de Projetos Especiais de alguma gravadora -- ou seja: justamente o que ele não quer para si próprio.
Se almejasse esse tipo de tranquilidade, bastaria reformar o The Jam e o Style Council, alternando tournées com as duas bandas, e viver em sobressaltos os anos que ainda tem pela frente.
Não adianta: Paul Weller é inquieto por natureza.
Pois bem: o nome do novo disco de Paul Weller é “Saturn's Pattern" (WEA Parlophone, sem previsão de lançamento no Brasil). É um reflexo curioso desses dilemas que ele vive atualmente. Aqui, os sintetizadores modernosos do disco anterior deram lugar a Mini-Moogs e o tapete musical eletrônico deu lugar a reverbs de guitarras e muitas tonalidades psicodélicas, tanto nos vocais quanto na base musical.
Mas tirando isso, estamos diante do mesmo Paul Weller iconoclasta musical de sempre, trafegando entre o soul melodioso e comportado da Motown e os grooves selvagens de Curtis Mayfield, entre o rock rasgado do Humble Pie e toda a herança pop britânica, da qual é um dos maiores expoentes há quase 40 anos. Weller é tão íntegro que, até na hora de flertar oportunisticamente com o público americano, ele acha um jeito de manter sua dignidade artística intacta.
"Saturn's Pattern" abre com uma brincadeira neo-psicodélica pesadona em colaboração com o grupo Amorphous Androgynous, que, segundo o espirituoso jornalista inglês Neil Dowden, soa como "Led Zeppelin sendo abduzido por alienígenas".
Logo a seguir, na faixa título, o flerte sempre inevitável de Weller com seus heróis de infância The Small Faces ressurge forte -- em parte por conta do cinquentenário da banda, mas principalmente em homenagem a Ian McLagan, tecladista do grupo, falecido este ano.
E então, temos "Goin' My Way", uma balada belíssima, que evoca tanto os Beach Boys quanto os Zombies, cuja letra funciona como uma espécie de carta de intenções de um artista incansável, cuja musa nunca o abandonou.
E se a curtíssima faixa seguinte "Long Time" parecer com alguma antiga canção dos Kinks reinventada pelo David Bowie da fase Ziggy Stardust, ou com alguma maluquice de Iggy Pop da fase "Raw Power", não se assuste: todas essas personas roqueiras com suas obsessões sonoras convivem pacificamente dentro do Universo Musical e da psiqué de Paul Weller.
Todas as 9 composições de "Saturn's Pattern" são muito divertidas e inusitadas, sem exceção. E na edição deluxe do álbum, tem ainda 3 bonus tracks deliciosas -- entre elas a melhor releitura da clássica 'I'm A Road Runner" que já ouvi. Sem nenhum exagero, podem acreditar.
Assim como no longínquo primeiro álbum solo de Weller, gravado 24 anos atrás logo após o fim do Style Council, "Saturn's Pattern" tem um pouco de tudo para satisfazer a todos os gostos.
Paul Weller pensa mais ou menos como Mick Jagger & Keith Richards sempre que estão preparando um disco novo: se todo o trabalho não servir para se manter em sintonia com a cena atual, sempre renovado(s) musicalmente, então a empreitada terá sido um fracasso, com direito a uma passagem só de ida para o Reino da Nostalgia -- o último lugar no mundo em que Jagger, Richards e Weller querem estar.
Se você é fã dos Black Keys, adora o Alabama Shakes, vibra com The Vaccines e ainda não conhece o trabalho de Paul Weller, aproveite a oportunidade: "Saturn's Pattern" vai surpreender você.
Não negue fogo.
(PS: mais um que segue direto para a minha lista de Melhores de 2015 desde já, para fazer companhia a "Mystery Glue" de Graham Parker and The Rumour, comentado aqui dias atrás)
AMOSTRAS GRÁTIS