quarta-feira, maio 27, 2015

PAUL WELLER SE REINVENTA MAIS UMA VEZ EM "SATURN'S PATTERN", UM LP FABULOSO. DESSA VEZ, A AMÉRICA NÃO TEM COMO ESCAPAR DELE.

por Chico Marques


Paul Weller não sossega jamais. Depois de brilhar 15 anos à frente de grupos como The Jam e Style Council, e de passar boa parte da década de 1990 apostando numa carreira solo visando agradar ao público americano -- em vão, pois os americanos apanham para entendê-lo --, Weller desistiu de facilitar as coisas e passou a investir num trabalho independente cada vez mais pessoal. Desde então, não pára de ganhar prêmios e de ser reconhecido como a artista mais importante e influente da cena inglesa desde David Bowie.

Depois de algumas aventuras diletantes, que culminaram com "Sonic Kicks" (2012) -- um disco modernoso, onde enveredou pelo terreno às vezes pantanoso da música eletrônica -- Paul Weller parou por 3 anos para rever uma série de posicionamentos de carreira. Primeiro, encerrou sua longa parceria com o produtor Simon Dine, e se livrou do cárcere musical que a roupagem eletrônica que ele criou impunha a suas canções e performances musicais. Segundo, convocou Jan "Stan" Kybert para assumir a co-produção de seu novo trabalho, e optaram por expandir a sonoridade da banda e a musicalidade das novas canções, embarcando numa levada musical retrô neo-psicodélica com uma atitude meio revisionista e meio modernosa. 

Oportunismo mercadológico? Talvez. Weller acaba de mudar de gravadora, após encerrar um período meio turbulento com a Island Records, que prometeu promovê-lo nos EUA e não cumpriu o combinado.


Mas conhecendo Paul Weller, é bobagem duvidar de sua capacidade de se reinventar de tempos em tempos. Desde "22 Songs" (2008) ele vem experimentando uma espécie de renascimento artístico em sua carreira, com aplausos tanto da crítica quanto do público inglês. Mesmo assim, o público americano permanece um sonho ainda inacessível a ele. O que mais assusta Weller é que ele já tem 57 anos de idade, idade complicada para emplacar por lá. e seu tempo de carreira em breve o qualificará apenas a refém de seu próprio passado glorioso nas mãos de algum Gerente de Projetos Especiais de alguma gravadora -- ou seja: justamente o que ele não quer para si próprio. 

Se almejasse esse tipo de tranquilidade, bastaria reformar o The Jam e o Style Council, alternando tournées com as duas bandas, e viver em sobressaltos os anos que ainda tem pela frente. 

Não adianta: Paul Weller é inquieto por natureza.


Pois bem: o nome do novo disco de Paul Weller é “Saturn's Pattern" (WEA Parlophone, sem previsão de lançamento no Brasil). É um reflexo curioso desses dilemas que ele vive atualmente. Aqui, os sintetizadores modernosos do disco anterior deram lugar a Mini-Moogs e o tapete musical eletrônico deu lugar a reverbs de guitarras e muitas tonalidades psicodélicas, tanto nos vocais quanto na base musical. 

Mas tirando isso, estamos diante do mesmo Paul Weller iconoclasta musical de sempre, trafegando entre o soul melodioso e comportado da Motown e os grooves selvagens de Curtis Mayfield, entre o rock rasgado do Humble Pie e toda a herança pop britânica, da qual é um dos maiores expoentes há quase 40 anos. Weller é tão íntegro que, até na hora de flertar oportunisticamente com o público americano, ele acha um jeito de manter sua dignidade artística intacta.

"Saturn's Pattern" abre com uma brincadeira neo-psicodélica pesadona em colaboração com o grupo Amorphous Androgynous, que, segundo o espirituoso jornalista inglês Neil Dowden, soa como "Led Zeppelin sendo abduzido por alienígenas". 

Logo a seguir, na faixa título, o flerte sempre inevitável de Weller com seus heróis de infância The Small Faces ressurge forte -- em parte por conta do cinquentenário da banda, mas principalmente em homenagem a Ian McLagan, tecladista do grupo, falecido este ano. 

E então, temos "Goin' My Way", uma balada belíssima, que evoca tanto os Beach Boys quanto os Zombies, cuja letra funciona como uma espécie de carta de intenções de um artista incansável, cuja musa nunca o abandonou. 

E se a curtíssima faixa seguinte "Long Time" parecer com alguma antiga canção dos Kinks reinventada pelo David Bowie da fase Ziggy Stardust, ou com alguma maluquice de Iggy Pop da fase "Raw Power", não se assuste: todas essas personas roqueiras com suas obsessões sonoras convivem pacificamente dentro do Universo Musical e da psiqué de Paul Weller.

Todas as 9 composições de "Saturn's Pattern" são muito divertidas e inusitadas, sem exceção. E na edição deluxe do álbum, tem ainda 3 bonus tracks deliciosas -- entre elas a melhor releitura da clássica 'I'm A Road Runner" que já ouvi. Sem nenhum exagero, podem acreditar.  


Assim como no longínquo primeiro álbum solo de Weller, gravado 24 anos atrás logo após o fim do Style Council, "Saturn's Pattern" tem um pouco de tudo para satisfazer a todos os gostos.  

Paul Weller pensa mais ou menos como Mick Jagger & Keith Richards sempre que estão preparando um disco novo: se todo o trabalho não servir para se manter em sintonia com a cena atual, sempre renovado(s) musicalmente, então a empreitada terá sido um fracasso, com direito a uma passagem só de ida para o Reino da Nostalgia -- o último lugar no mundo em que Jagger, Richards e Weller querem estar.

Se você é fã dos Black Keys, adora o Alabama Shakes, vibra com The Vaccines e ainda não conhece o trabalho de Paul Weller, aproveite a oportunidade: "Saturn's Pattern" vai surpreender você. 

Não negue fogo.

(PS: mais um que segue direto para a minha lista de Melhores de 2015 desde já, para fazer companhia a "Mystery Glue" de Graham Parker and The Rumour, comentado aqui dias atrás)




AMOSTRAS GRÁTIS




segunda-feira, maio 25, 2015

UM NOVO DISCO DE GRAHAM PARKER AND THE RUMOUR É SEMPRE MOTIVO DE FESTA, MAS "MYSTERY GLUE" É FESTA DO COMEÇO AO FIM.


Quem viveu a cena pós-punk, com certeza lembra com carinho de Graham Parker e seus comparsas do grupo The Rumour.

Assim como Elvis Costello, que buscou abrigo em seu início de carreira numa persona que combinava visualmente Woody Allen com Buddy Holly para defender suas canções irônicas e, às vezes, raivosas, Graham Parker tentou adequar suas canções meio debochadas, meio irreverentes -- e sempre urgentes e contundentes -- a uma persona de soulman punk que inventou para si próprio, e que deu muito certo a princípio.

Mas o caso é que, entre 1975 e 1982, enquanto esteve com o Rumour a tiracolo -- uma banda que reunia a nata do pub rock londrino, com ex-membros dos grupos Brinsley Schwartz, Ducks DeLuxe e Bontemps Roulez --, setores da crítica, muito comprometidos com a cena punk, não entenderam que Parker era mais uma figura dylaniana, nos moldes de Ian Hunter, do que qualquer outra coisa, e insistiram em vendê-lo como um "angry young man", que ele, na verdade, nunca foi. 
Bastou Graham Parker começar a gravar canções não tão urgentes e tentar aproximar seu trabalho do gosto americano, que sua carreira começou a perder altitude. The Rumour o deixou para gravar discos próprios e boa parte do público sumiu -- o que foi uma pena, pois seu primeiros álbuns solo, como "Mona Lisa's Sister", estão entre seus melhores trabalhos até hoje.

Nesses últimos 30 anos, Graham Parker vem tocando sua carreira em frente por selos independentes e mantendo por perto velhos admiradores que nunca deixaram de aplaudir suas composições e seu timbre vocal admirável -- cada vez mais rouco e semelhante ao de Bob Dylan, só que afinado.

E então, quatro anos atrás, sem grande alarde, aconteceu uma reunião de Parker com os integrantes originais do The Rumour -- os guitarristas Brinsley Schartz e Martin Belmont, o tecladista Bob Andrews, o baixista Andrew Bodnar e o baterista Steve Goulding.

Poderia ser apenas mais uma tournée oportunista, visando reforçar o caixa dos envolvidos no projeto. Mas não. Decidiram gravar um disco de retorno, "Three Chords Good", que, para surpresa geral, tinha pouco a ver com a sonoridade urgente que a banda trabalhava nos Anos 1970 e 1980, e soava como uma consequência natural do trabalho solo de Parker nas últimas décadas, com o apoio luxuoso do The Rumour nos arranjos e nas performances -- mais mansas, mas também muito suingadas que as de 35 anos atrás, um diferencial curioso e saudável. 

Na essência, nada mudou aos longo desses 40 anos de associação. A personalidade musical de Parker já estava pronta naquela época, e agora está maturada. E a identidade musical do The Rumour sempre foi elástica o suficiente para conseguir se adequar a novas situações, sem se descaracterizar musicalmente.
Eis que eles estão de volta com "Mystery Glue" (um lançamento Cadet/Universal, sem previsão de lançamento no Brasil), que marca o segundo retorno de Graham Parker & The Rumour.

É um disco mais pedestre e mais casual -- e até mais urgente -- do que o anterior "Three Chords Good", revelando que The Rumour voltou a um nível de entrosamento musical do tipo que só se alcança depois de alguns meses de tournée juntos e muita camaradagem e respeito mútuo entre os integrantes da banda.

Tudo funciona às mil maraviilhas em "Mystery Glue", desde o repertório ligeiro às performances sem exageros, em canções que evocam todos os temas clássicos da banda -- mulheres, carros, vida noturna, amores confusos -- e mais alguns, como envelhecimento, amadurecimento e como conseguir continuar se divertindo apesar disso tudo.

Eu, se tiver que escolher meus números favoritos, fico com "Long Shot", uma ode à longevidade, "Flying Into London", sobre o prazer de voltar ao velho lar depois de uma longa temporada americana de mais de 30 anos, e "Transit Of Venus", uma pequena obra-prima, repleta de ironias, sobre masculinidade e maturidade. Se bem que "Going There", com ecos de Bob Dylan e Van Morrison, chega bem perto da perfeição. 

Pensando melhor, melhor não escolher coisa alguma. Escolher é perder. E "Mystery Glue" é ótimo da primeira à última faixa, "My Life In Movieland", um belo e inusitado número nostálgico, diferente de tudo o que a banda já fez. 
Graham Parker é um artista de primeira grandeza no rock angloamericano. Nunca deixou de crescer musicalmente nesses mais de 30 anos em carreira solo, sem The Rumour. Mas é inegável que "Mystery Glue" -- mais ainda que o anterior "Three Chords Good" -- tem um sabor forte de resgate.

Não o resgate de um estrelato que passou rápido demais, pois isso não dá para alcançar mais, aos 65 anos de idade. Mas o resgate de um espírito jovial que se perdeu um pouco a partir do momento em que o trabalho de Graham Parker começou a ficar solitário demais.

Parker é o tipo do cara que desabrocha à frente de uma banda como The Rumour -- que, por razões geracionais e afetivas, sabe melhor que ninguém não só onde ele quer chegar como sabe exatamente como facilitar o acesso.

É um disco sensacional, que eu não canso de ouvir há uma semana, e sobre o qual estava até hesitando em escrever para não ter que pular para o próximo disco a ser comentado.

"Mystery Glue" já está na minha lista de melhores discos de 2015. 

Não sai dela até Dezembro, mas nem a pau.

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quarta-feira, maio 20, 2015

FAITH NO MORE VOLTA RENOVADO E SURPREENDE COM "SOL INVICTUS"

por Chico Marques


De todas as bandas americanas surgidas nos Anos 1980, nenhuma prezou tanto por sua integridade artística e debochou tanto das regras impostas pelo big business da Indústria Fonográfica quanto o Faith No More.

Composto por Mike Patton (vocal), Bill Gould (baixo), Mike Bordin (bateria), Roddy Bottum (teclados) e Jon Hudson (guitarra), o Faith No More é, sem dúvida, a maior e a melhor banda americana do fim do Século 20, e, juntamente com o Guns & Roses e o Red Hot Chili Peppers, impôs um padrão totalmente novo, difícil de seguir, para as novas bandas que surgiam na cena da California.  

As ambições musicais do Faith No More nunca foram exatamente pequenas ou lineares. Prova disso são as variações musicais que a banda experimentou de um LP para outro, revelando uma inquietação artística intensa e uma atitude diletante radical que certamente provocou enfartos fulminantes em muitos "idiotas da objetividade" da Indústria Fonográfica.
Turbulentos ao extremo, estiveram à beira do rompimento inúmeras vezes. Mas como gostavam de viver no limite, a banda sempre sobrevivia, e prosseguia. 

Em 1997, no entanto, logo após a tournée do disco "Album Of The Year", a situação ficou insustentável, e cada um dos integrantes da banda seguiu seu caminho, sem olhar para trás.

Aliás, olharam sim, uma vez, em 2010, quando estavam com o caixa muito baixo, e decidiram voltar para uma tournée revival assumidamente oportunista e altamente rentável. Mas assim que ela acabou, cada um seguiu seu caminho novamente.

Essa nova reunião é bem diferente. 

É um retorno de verdade, com espírito renovado, uma postura mais madura de todos os integrantes e novas canções com a mesma nonchalance de outras épocas devidamente preservada da corrosão do passar do tempo.


"Sol Invictus" (lançamento Ipercac Records - Voice Music BR), primeiro disco do Faith No More em 18 anos, retoma as clássicas idiossincrasias musicais de Mike Patton e seus comparsas, com resultados tão satisfatórios que não só irão satisfazer os fãs da banda como devem arrebanhar uma nova legião de aficionados.

O disco começa com um jeitão meio sinuoso, com Mike Patton emulando algum personagem fugido de alguma peça musical de Kurt Weill. 

Mas logo a seguir, "Superhero" chega para por ordem na casa e situar o ouvinte na sonoridade clássica do Faith No More. 

Daí em diante, surpresas inusitadas se alternam com números com uma sonoridade mais familiar, com todas as peças se encaixando à perfeição.

Entre as surpresas, "Black Friday" mescla folk com funk, como se isso fosse algo perfeitamente natural. Não era. Não até agora, claro, 

Já "Matador" é uma balada sombria ao extremo, tocada de forma truculenta e estranhamente harmoniosa. Não está entre os números mais marcantes do disco, mas faz sentido como complemento para harmonizar o conjunto de canções. Imagino que funcione muito bem nos shows da banda.

"From The Dead", a faixa de encerramento, parece uma homenagem a David Bowie -- o que é estranho, pois nunca imaginei o Faith No More afinado com sonoridades glam. Presumo que a função dessa faixa seja funcionar como contraponto à faixa de abertura, ou como consequência dela. Independente do que seja, encerra o disco de forma redonda, e provoca uma vontade irresistível de ouvir tudo novamente. 

Não existe nada mais salutar num disco do que essa sensação. Sinal claro de a empreitada produzida pelo baixista Bill Gould) foi bem sucedida em termos artísticos.


Acho que o maior elogio que pode ser feito ao Faith No More agora, depois de 18 anos sem lançar um álbum de inéditas, é afirmar que eles continuam imprevisíveis e inclassificáveis.

Nenhum rótulo pega neles.

Mesmo ostentando carecas, cabelos brancos e barriguinhas, não se engane com esses senhores aparentemente respeitáveis.

Eles permanecem tão excêntricos, tão selvagens e tão talentosos quanto antes. 

Só nos resta torcer para que consigam permanecer juntos para nos brindar com, pelo menos, mais um LP tão bom e intenso quanto este "Sol Invictus".




AMOSTRAS GRÁTIS



quinta-feira, maio 14, 2015

PAUL KELLY CONVIDA VOCÊ PARA MERGULHAR DE CABEÇA NA CENA MUSICAL AUSTRALIANA.


O cantor, compositor e guitarrista australiano Paul Kelly sempre adorou fazer parte de bandas.

Durante os Anos 1980 e 1990, fez parte do grupo Paul Kelly & The Messengers, que, apesar de levar seu nome, era um grupo bastante democrático. Graças ao sucesso internacional do grupo, Paul Kelly passou a ser um nome familiar ao público americano, a ponto inclusive da banda mudar para Los Angeles por uns tempos para gravar discos e                 promover a banda pela America de forma mais intensa. 

Por mais que eles nunca tenha se distanciado demais da Cena Australiana, o caso é que esse vai e vem acabou gerando um desgaste interno maior que o imaginado, levando Paul Kelly & The Messengers a uma crise séria. E o jeito foi encerrar as atividades da banda. Todos voltaram para a Austrália e seguiram outros caminhos -- exceto Paul Kelly, que permaneceu na ponte aérea Sydney-Los Angeles gravando 18 discos solo ou em parceria com outros artistas, sempre se reinventando musicalmente e buscando saídas musicais bem distantes do óbvio e do previsível.

Desde então, Kelly nunca mais teve o apelo internacional que tinha antes, apesar de continuar sendo visto como uma músico extremamente criativo e muito respeitado pelo mundo inteiro.


E depois de três anos de sumiço, eis que Paul Kelly ressurge renovado não como artista solo, mas como como compositor e integrante de um projeto chamado "The Merry Soul Sessions" (um lançamento ), que reuniu um time extenso de músicos amigos num estúdio australiano em torno de 11 canções compostas por Kelly e de um cronograma relativamente rígido: ensaiar à exaustão pela manhã e gravar instrumentos e vozes ao vivo à tarde. Sempre uma canção por dia.

O resultado é uma aventura musical coesa e surpreendente em termos artísticos, que combina os talentos dos participantes em números de rock, soul e folk que os acolhem à perfeição.  

Kelly coloca sua voz em apenas trêss números: "Hasn't It Rained", "Thank You" e "Righteous Woman", todas ótimas, e com um jeitão que lembra vagamente John Hiatt -- não por acaso, um grande amigo e parceiro eventual dele. 

As outras faixas são divididas entre o duo vocal Vika e Linda Bull, a cantora e guitarrista Clairy Browne (da Banda The Bangin' Rackettes), o cantor-compositor pop Dan Sultan e aborígene Kira Puru. O time de músicos que topou embarcar no projeto é enorme, e surpreendente. 

Em "The Merri Soul Sessions" tudo no disco gira em torno da chuva -- elemento raro no interior desértico da Australia. 

O barulho de chuva abre e fecha o disco, e a chuva surge como tema recorrente em praticamente todas as canções, encadeando a seleção com uma coerência curiosa -- até porque esse encadeamento não caracteriza o disco, de forma alguma, como um trabalho conceitual.

É um disco de colaboração realizado sob uma certa disciplina, para no final soar leve e descontraído aos ouvintes. 

Se eu tiver que escolher uma canção favorita, ficaria coma  balada "Where Were You When I Needed You", cantada de forma extremamente sensual por Claire Browne. Lindíssima. Um primor de canção. 
Depois desse disco, fica claro para o ouvinte não-australiano que a Austrália é muito mais plural musicalmente do que indicava aquela meia dúzia de bandas que nós aqui, do outro lado do Oceano Pacífico, conhecemos.

É uma cena riquíssima, que, por mais que tenha derivado da música popular dos Estados Unidos e da Inglaterra, possui uma cara própria e perspectivas artísticas extremamente interessantes.

Paul Kelly, mais uma vez, veste o terno de Embaixador Musical da Austrália e nos aproxima da música de seu país.

Permanece um Messenger após todos esses anos.



AMOSTRAS GRÁTIS






terça-feira, maio 12, 2015

PREPAREM SEUS CORAÇÕES: J. D. SOUTHER, O PRÍNCIPE DA CALIFÓRNIA, ESTÁ DE VOLTA.

John David Souther é um príncipe da cena do bittersweet country rock californiano.

Nunca teve a projeção de seus amigos Jackson Browne e James Taylor. Não quis permanecer coadjuvante de Linda Ronstadt, sua ex-namorada e melhor intérprete, com quem gravou duetos lindíssimos. Podia ter sido um dos Eagles, mas permaneceu aguardando seu momento, que quase chegou em 1972. E quase chegou novamente em 1974. E quase chegou em 1978 e 1984, até que, endividado com gravadoras, ele cansou, e seguiu por outros caminhos.

Sumiu do mapa musical pop americano por nada menos que 25 anos.

Voltou oito anos atrás, já sessentão, com um trabalho classudo e jazzificado, totalmente diferente do que fazia antes, onde além de se reinventar como compositor, passou a explorar seu belo timbre vocal de forma ampla e inusitada, deixando no ar a pergunta: 

Será que é dessa vez que a carreira musical de J. D. Souther vai finalmente deslanchar para valer?
A julgar por seu novo disco, "Tenderness" (um lançamento Sony Masterworks), credenciais não faltam para isso.

Dessa vez ele uniu forças ao grande produtor Larry Klein -- parceiro de Joni Mitchell em seus discos derradeiros --, que montou uma banda impecável com Dean Parks (guitarras), David Pilch (baixo), Jay Bellerose (bateria), Patrick Warren (teclados) e Till Bronner (trompete) para por a prova os arranjos que preparou para as novas canções de Mr. Souther.

Canções ótimas, diga-se de passagem. Algumas com um sotaque mais jazzístico, outras com um sotaque mais folk, outras mais pop -- gêneros musicais pelos quais ele trafega tranquila e delicadamente desde sempre.

O conceito do "Tenderness", que batiza o disco, vem da canção "Dance Real Slow", uma balada lindíssima, de partir o coração. 

Igualmente linda é "This House", só que ainda mais intimista, e mais em sintonia com o trabalho que ele desenvolvia nos anos 1970. 

"Horses In Blue" vai pelo mesmo caminho, e lembra suas inspiradíssimas colaborações com Linda Ronstadt. 

E o que dizer de "Come What May", um número que já nasce com jeitão de stardard para qualquer cantor ou cantora que se habilite?

É bom lembrar que o jazz dá a luz de sua graça em várias faixas do disco. "Downtown (Before The War)" é um número intrincadíssimo, desde a composição ao arranjo. 

E "Show Me What You Mean", num uptempo extremamente perigoso, como o próprio título já indica, traz a voz de Mr. Souther se entrelaçando com uma trama de piano e trompete propositadamente desalinhados, proporcionando resultados sensacionais.

Eu, se tiver que escolher um número favorito, fico com "Need Somebody", uma balada adoravelmente melancólica, que lembra vagamente "The Sad Cafe", dos Eagles -- mas infinitamente superior.
Como eu disse lá atrás, credenciais não faltam a John David Souther para que sua carreira decole afinal, e ele deixe de ser exclusividade de uns poucos que ainda lembram de seu início de carreira nos anos 1970, à frente do Lonesome Pennywhistle e da Souther Hillman Furay Band, e de seus notáveis primeiros discos solo.

Só nos resta torcer para que, aos 69 anos de idade, o tão esperado reconhecimento ao trabalho deste californiano da gema, requintado e talentoso, venha finalmente dessa vez.

"Tenderness" merece a sua atenção. 

Não deixe esse belo disco passar desapercebido em sua vida. 



AMOSTRAS GRÁTIS




segunda-feira, maio 04, 2015

RON SEXSMITH VOLTA COM UM NOVO LP DELICADO, ACOLHEDOR E INSPIRADÍSSIMO.


É muito difícil tentar entender como um artista do quilate de Ron Sexsmith permanece atrelado à cena independente.

Mais difícil ainda é conseguir explicar.

Ron é um gênio pop, mestre absoluto em criar melodias marcantes, mais ou menos do mesmo naipe de Paul McCartney, Brian Wilson e Elton John.

Canadense de Toronto, já era para ele ter-se tranformado em cidadão do mundo.

Mas, misteriosamente, ele continua sendo "o cantor e compositor canadense Ron Sexsmith" para os formadores de opinião, que insistem em não ressaltar suas inúmeras virtudes artísticas, sabe-se lá porque. 

De nada adiantou Elvis Costello espalhar aos quatro ventos, no início dos Anos 1990, que não havia melhor "tunesmith" no ramo do que Ron. 

O fato é que, aos 30 anos de carreira, Ron permanece um ilustre desconhecido perante o grande público.


Pois Ron Sexmith está de volta com mais um disco impecável -- o 14° de sua carreira.

"Carousel One", um lançamento Compass Records, traz 16 novas canções desse mestre pop, e, acredite ou não, pelo menos metade delas ficam grudadas na nossa cabeça logo após a primeira audição.

Chega a ser impressionante que Ron consiga ser tão melódico compondo da guitarra, e não no piano -- suas canções são quentes, acolhedoras, delicadas e, ao mesmo tempo, intensas e emocionalmente inteligentes.

Ron é um storyteller que consegue combinar em suas canções influências tão diversas quanto Harry Nilsson, Tim Hardin e Ray Davies, e ainda assim soar absolutamente pessoal.

Chamar seu repertório de "silly love songs", como faziam com Paul McCartney, é quase um absurdo, tamanha a densidade de suas canções. Alguns críticos andaram fazendo isso nos últimos anos. Injustamente.

Algumas dessas novas canções de Ron Sexsmith são alegres, outras melancólicas, e outras apenas reflexivas -- sem contar que "Carousel One" traz pelo menos dois rocks bem interessantes. 

O importante é que, no conjunto, essas 16 canções formam mais uma coleção de canções excepcional de Ron Sexsmith, que não vai desagradar a nenhum iniciado em sua obra e deve certamente conquistar novos aficcionados.


A produção é do especialista Jim Scott, que mantém a sonoridade de "Carousel One" despojada o suficiente para poder ressaltar todas as virtudes das canções sem recorrer a excessos nos arranjos. 

Provavelmente, ainda não será ainda dessa vez que Ron Sexsmith será descoberto pelo grande público.

Mas talvez seja melhor assim.

Ron zela por seu público, não tem mais paciência para dar murros em ponta de faca e é bem-sucedido à sua maneira.

Quem precisa mais do que isso?