sábado, março 25, 2006
Olha a Marisinha do Ukelele aí gente! (por Paulo Roberto Pires para NoMinimo)
Olha a Marisinha do Ukelele aí, gente! Pois é, Marisa Monte agora é do samba, e empunhando, garbosa, o instrumento típico da música havaiana (sim, isso mesmo), faz nas 14 faixas de “Universo ao meu redor” o que tem sido mais freqüente desde “Memórias, crônicas e declarações de amor” (2000): pose. Muita pose. Mas tanta pose que seu excepcional talento de cantora fica, mais uma vez, em segundo plano.
Marisa tem seu lugar garantido na música brasileira por ter sido uma das mais fulgurantes estréias dos últimos anos e, também, por inventar o pop com nota de pé de página. A partir de um determinado momento em sua carreira, tudo passou a ter “justificativa”, a tal da “referência”. E tome baladinha babada com Eça de Queiroz declamado ao fundo, regravação de músicas “garimpadas” em pesquisa, o “tribalismo” para disfarçar em conceito um projeto caça-níqueis. No samba, brilhou para valer como intérprete de Candeia e Paulinho da Viola e como produtora de “Tudo azul”, disco que a Velha Guarda da Portela gravou em 1999 e, depois, dos discos-solo dos também portelenses Argemiro Patrocínio e Jair do Cavaquinho.
Agora, com perfumes de antropóloga acidental, ela conta na quarta capa do disco que entrevistou muita gente em busca não apenas de compositores e sambas, mas “também das referências criativas, da gênese do samba feito por eles”. O disco é, ainda segundo ela, que já gosta de explicar as coisas, “focado mais do que no samba, eu diria, na atmosfera do samba, com seus assuntos mais freqüentes – o amor, a natureza, a própria música, a condição humana, o canto dos passarinhos, o quintal, o convívio através da arte”... Haja.
Madame Natasha, que trabalha com exclusividade para o Elio Gaspari, traduziria sinteticamente: o disco une poucos belos e desconhecidos sambas (em geral de terceiros) com composições da cantora que enfileiram imagens banais e clichês do mundo do samba.
Os seis leitores desta coluna sabem muito bem que não canso de bater nos talibambas, defensores violentos de uma inexistente “pureza” do samba. Para mim, quanto mais misturado e menos ortodoxo, melhor. Mas artificialismo é praga em qualquer estilo ou visão de mundo – e é um vício constante em cada faixa de “Universo ao meu redor”. Raras as faixas que não são pontuadas pelo que nossa cantora chamaria de “sonoridades surpreendentes”: o mencionado ukelele, harpa, theremin, tuba, farfisa – e por aí vai. Barulhinho pode ser bom, mas na casa da vizinha.
Se não perdesse tempo com essas bobagens, Marisa seria apenas a fantástica cantora de “Para mais ninguém”, a maravilha inédita de Paulinho da Viola que é, sem dúvida, o grande momento do disco. Ou a intérprete inspirada da inspirada “Vai saber?”, em que Adriana Calcanhotto mostra por que, sem frescuras ou pés de página, é a compositora decisiva e realmente importante da sua geração. Ou ainda cantaria lindamente, como canta, a valsa “Pétalas esquecidas”, de Dona Yvonne Lara.
Mas, cercada por Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown, a moça prefere arremedos da poética do samba tradicional. Em “Quatro paredes”: “Eu só não te convido pra dançar/ Porque quero encontrar com você em particular/ Há tempos tento encontrar um bom momento/ Alguma ocasião propícia/ Pra que possa pegar sua mão, olhar nos olhos teus”. “A alma e a matéria”: “Procuro nas coisas vagas ciência/ Eu movo dezenas de músculos para sorrir/ Nos poros a contrair, nas pétalas do jasmim”. E, no momento mais constrangedor, o lirismo condescendente de “O bonde do dom”: “Todo dia, vivo pensando em casar/ Juntar as rimas como um pobre popular/ Subi na vida com você em meu altar/ Sigo tocando só para te cantar”. Como compositora de supostos sambas, deveria ouvir mais atentamente Teresa Cristina, Rodrigo Maranhão, Zé Renato e até Marcelo Camelo.
É claro que, depois de anunciar este como um disco “de samba”, lançado em conjunto com o pop “Infinito particular”, Marisa vai para as entrevistas de “trabalho” dizer que “Universo ao meu redor” não é um disco “de samba” – tendo lugar para a boba “Statue of liberty”, cantada com David Byrne, ou para o chiclete da faixa-título, que começa com a narração da chegada do Homem à lua e tem, no lugar da batucada, um irritante lesco-lesco que, aliás, persiste num disco em que, sob o rótulo de “simplinho”, basta um tche-tcheco no fundo para virar samba.
O universo ao redor de Marisa Monte até que não é ruim. Mas é chaaaaaaaaaaaaaaaaato...
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