sexta-feira, dezembro 16, 2005

Por onde anda Ritchie Blackmore (por Arthur Dapieve para NO MINIMO)


A cada nova passagem do Deep Purple pelo Brasil – e elas têm acontecido com uma regularidade que abre espaço na agenda até para aparições no “Casseta & Planeta” – fica-se imaginando por onde andarão seus ex-membros. Sobretudo o guitarrista Ritchie Blackmore, co-fundador da banda no longínquo 1968. O que foi feito dele? Morreu de superdose? Faz solos de meia hora em carreira solo? Cria ovelhas em Weston-super-Mare?

Nada disso, crianças. A resposta está em “Castles & Dreams”, DVD duplo que a brasileiríssima CID – fundada como uma fábrica de LPs no ainda mais longínquo 1958 – está lançando numa produção caprichada. Ritchie Blackmore hoje em dia faz música inspirada na Idade Média e na Renascença. Não exatamente rock inspirado nelas, embora, é claro, não se furte a tocar coisas do Purple ou a fazer solos comedidos e convincentes.

Depois do Deep Purple, que abandonou de vez em 1993 por causa da frustração artística com o álbum “The battle rages on...”, e do Rainbow, finado ainda antes, Blackmore toca há dez anos à frente de uma banda chamada Blackmore’s Night. Não exatamente “a Noite de Blackmore” e sim “a Night de Blackmore” mesmo. Candice Night. A loura modelo e cantora americana com quem o guitarrista juntou os trapinhos há quatorze anos.

Talvez o primeiro impulso do velho fã do Purple seja pensar: “Deus, o que não se faz por um belo rabo de saia?” Depois de se assistir às quase quatro horas de “Castles & Dreams”, porém, a pergunta muda para: “Blackmore não estará sendo mais honesto que seus ex-companheiros de banda?” Ele não os menciona, mas diz, num dos muitos extras do DVD duplo, se sentir mais honesto tocando música antiga do que antigas músicas.

Blackmore, ao menos, parece de fato feliz. Nos bastidores, ao lado de Candice, vinte e oito anos mais nova que ele, sessentão desde abril último. Nos palcos, ao lado dela e de uma trupe de músicos que atende por nomes como Bard David of Larchmont (teclados), Squire Malcolm of Lumley (bateria), Sir Robert of Normandie (baixo), Tudor Rose (rabeca e flautas) e as Sisters of the Moon, Lady Madeline e Lady Nancy, gêmeas vocalistas.

Na verdade, Blackmore prefere o termo menestréis a músicos. Sua trupe se apresenta em cidades medievais – os shows fundidos que ocupam quase todo o primeiro DVD foram gravados em Burg Veldenstein e em Burg Neuhaus, Alemanha, em 2004 – carregando nas costas toda a infra-estrutura: eletricidade, luz, som, palco, cenários etc. O conceito das excursões, portanto, também remete aos artistas itinerantes que se apresentavam em feiras.

O repertório é composto por originais de Blackmore (melodias) e Candice (letras), canções tradicionais e uma ou outra concessão aos fãs do Purple, como “Child in time” (inserida entre as duas partes de “Mond tanz”) e “Black night” (o momento mais hard rock do show). Os fãs do Blackmore’s Night comparecem às apresentações no espírito da coisa, trajados à moda da Idade Média e da Renascença. Todos parecem se divertir tanto quanto a trupe.

E o espectador brasileiro, longe dos castelos europeus e até dos seis CDs da Blackmore’s Night, inéditos aqui? Ele se diverte? Se desarmar o espírito roqueiro e entrar na onda da banda, sim. Afinal, o grande guitarrista não esqueceu como se toca. Apenas prefere tocar mais baixo. As músicas instrumentais, como “Queen for a day” ou “Minstrel hall”, são delicadas e evocativas. E as cantadas fluem bem, desde que não se preste atenção às letras.

Porque, até para manter-se fiel ao espírito da banda, Candice desenvolveu toda uma criação de fadas, luares e momentos mágicos. Mas, ei, alguém aí já parou para realmente prestar atenção às letras do Deep Purple?! Procedente mesmo talvez seja um certo incômodo com o seu sotaque: faz-se necessária uma certa “suspensão da descrença” para aceitar uma americana de Long Island cantando a Idade Média.

Quando ela canta algo de origem ou inspiração mais recente – como a versão renascentista para “The times they are a-changin’”, de seu compatriota Bob Dylan, que está entre os vídeos do DVD 2 – funciona melhor. Seja como for, o clima é de “Mike Oldfield encontra Enya”. A definição bem-humorada é do próprio Blackmore. Todavia, outra definição possível, mais amigável aos roqueiros, seria “Renaissance encontra Jethro Tull”.

“Castles & Dreams” é o registro de uma união feliz. Não apenas a de Blackmore e Candice, coisa lá deles. Também a do guitarrista com sua própria consciência. Quantos colegas não declararam que esperavam morrer antes de ficar velhos ou que não suportariam tocar “Satisfaction” aos 60 anos? O guitarrista envelheceu, mas não precisa mais tocar “Smoke in the water”, a não ser que queira e, suponho, num arranjo com bandolim.

Nenhum comentário: