sexta-feira, maio 27, 2011

TRÊS DIVAS: ALISON KRAUSS, K D LANG E MARIANNE FAITHFULL (por Chico Marques)


É triste, mas desde que inventaram os especiais de TV da série “Divas VH1” cerca de 15 anos atrás, qualquer cantora cafona e chata -- como Mariah Carey e Celine Dion, por exemplo – parece ter ganho o direito de se autodenominar Diva, mesmo sendo apenas uma gralha pop.

Quem já viu esses shows de horrores na TV sabe bem do que estou falando. Nada mais constrangedor do que ver nesses programas cantoras de verdade sendo obrigadas a contracenar com essas criaturas que miam nos microfones. para com isso se manterem no mainstream da cena musical.

Aretha Franklin – essa sim, uma Diva de verdade -- chutou o balde em grande estilo quando foi chamada para gravar uns duetos no "Divas VH1". Não teve piedade, e jantou três ou quatro dessas matracas pop em menos de 4 minutos, enquanto cantava "You Make Me Feel Like A Natural Woman", de Carole King . E nenhuma delas chiou. Reclamar equivaleria a passar recibo de incompetência. Foi engraçadíssimo. Moral da história: Diva de verdade pode o que quiser, e ponto.

Assim como Aretha, que manteve sua dignidade inabalada nesse episódio, existem várias artistas bem estabelecidas na cena musical anglo-americana que ainda conseguem se preservar desse tipo de exposição indecente.

A americana Alison Krauss é uma que foge desses eventos sempre que pode. Foi esnobada pelas TVs musicais por muitos e muitos anos, até que faturou um Grammy por seu LP em parceria com Robert Plant três anos atrás. Daí em diante, passou a ser muito requisitada para diversas festas idiotas aqui e acolá. Nunca disse tantos “Obrigado, Não” quando nesses últimos anos.

A canadense K D Lang é outra que sempre foi preterida nesses programas. Não que eles tenham preconceito contra lésbicas – para quem não sabe, K D foi a primeira cantora da cena country a sair do armário na América. Prefiro acreditar que as Divas da VH1 tenham morrido de medo de ser literalmente devoradas por ela, até porque seu apetite sexual voraz por outras cantoras já virou lenda no meio.

E tem ainda a londrina Marianne Faithfull, veteraníssima, que nunca foi e nunca será convidada para participar de qualquer coisa por lá porque provavelmente nenhuma das Divas da VH1 jamais conseguiria cantar no timbre estranhíssimo dela.

Todas as três são de primeiríssimo time, e estão de volta com novos trabalhos de alto gabarito, que não fazem concessões ao mercadão. Vamos a elas. E a eles:


Alison Krauss está comemorando 40 anos de vida e 28 anos de carreira. Se alguém dissesse que, um dia, uma violinista adolescente com formação clássica iria se tornar um dos expoentes máximos da country music americana, certamente seria chamado de louco. Pois Alison usou o violino clássico para tentar mergulhar na alma do bluegrass e do folk, e não só deu certo como também chegou onde nenhum rabequeiro de Nashville jamais esteve. Sempre com sua incansável banda, The Union Station, ela estreou em disco aos 14 anos de idade, e nunca mais parou, somando até agora 13 LPs gravados que são apreciados tanto por platéias country quanto por fãs de jam bands e de jazzistas crossover. Havia até dois meses atrás uma grande expectativa em torno do que seria seu trabalho seguinte a “Raising Sand”, seu premiado disco em parceria com Robert Plant, que ganhou o Grammy 3 anos atrás.


Pois a espera compensou. ‘Paper Airplanes” é, certamente, o mais conciso de todos os LPs de Alison Krauss & The Union Station. A loura de Illinois está cada vez melhor como intérprete, esbanjando sensibilidade em releituras para “Dimming Of The Day”, de Richard Thompson, e “My Opening Farewell”, de Jackson Browne. Já como compositora, ela surpreende com canções tristes e reflexivas, conseqüência de um casamento recém-terminado, como “Miles To Go” e “Sinking Stone”. "Paper Airplanes" é um trabalho maduro, muito bem seqüenciado, onde o bluegrass de câmara do Union Station afirma mais uma vez que country music pode ser recheada com música instrumental de primeira grandeza. E aos que desconfiaram que, depois do estrelato recente, Alison iria ficar muito maior que sua banda a ponto de engolí-la, “Paper Airplane” prova justamente o contrário – tanto que o guitarrista Dan Tyminski assume os vocais em nada menos que 3 canções do disco. Um LP belíssimo, sob medida para fazer com que pessoas normalmente reticentes a country music revejam seus conceitos. E se rendam.


K D Lang veio da região de Alberta, e tem sangue esquimó, Dona de uma voz magnífica e apaixonada pelos legados musicais de Patsy Cline e Roy Orbison -- mas adepta de um visual andrógino que nunca lhe facilitou as coisas na conservadora cena country --, K D conseguiu aos poucos seu passaporte para a mesma cena alternativa americana que abrigara outros artistas de difícil classificação, como Lyle Lovett e Steve Earle. Seus 3 LPs para a Sire Records são primorosos – em particular o terceiro, “Absolute Torch & Twang”, que a lançou internacionalmente. Mas de "Ingénue" em diante, ela optou por uma musicalidade mais convencional dentro do pop mainstream e, paralelamente a isso, assumiu em entrevistas sua opção pelo lesbianismo, o que segmentou seu público de forma perigosa para sua carreira – que ia de vento em popa até então. E justo quando parecia que iria conseguir reverter esse quadro a seu favor -- em duetos magníficos com Roy Orbison e Tony Bennett --, ela própria sabotou esse esforço embarcando num ativismo homossexual meio duvidoso que acabou por ofuscar seu trabalho musical em LPs excelentes como “Drag”, “Hyms Of The 49th Parallel” e “Watershed”.


Seu novo trabalho, “Sing It Loud”, tenta corrigir alguns desses equívocos. E até consegue. Aqui, pela primeira vez em 22 anos, K D Lang se reassume como artista country pop, produzindo afinal a tão aguardada seqüência para seu melhor LP, “Absolute Torch & Twang”, e seguindo um padrão musical alt country que -- nunca houve a menor dúvida quanto a isso -- cai como uma luva para ela. Os flertes com o pop permanecem, mas bem equilibrados, numa levada musical que remete ao trabalho de grupos como Son Volt e Wilco. Todas as canções do disco são memoráveis e de sua autoria – com excessão de “Heaven”, dos Talking Heads. “Sing It Loud” beira a perfeilão. Se K D Lang não fosse tão teimosa, esse belo disco não teria levado tantos anos para vir à tona. Mas antes tarde do que nunca. Só nos resta torcer para que seu público de outras épocas ainda não tenha desistido dela. Conheço dois ou três velhos admiradores que vão vibrar com essas boas novas.


Marianne Faithfull é outro caso complexo. Linda e muito popular em 1964, quando ganhou o mundo com o compacto “As Tears Go By”, de Mick Jagger & Keith Richards, ela conseguiu impor através de sua voz frágil e docemente ríspida um padrão novo e original que, de tão pessoal, poucas cantoras ousaram tentar seguir na época. Extremamente bem sucedida a princípio, foi terrivelmente prejudicada por seu casamento turbulento com Mick Jagger, por suas pretenções como atriz e, last but not least, por sua dependência de heroína e constantes tentativas de suicídio. Demorou muito para Marianne perceber que nada daquilo tudo apontava para lugar algum. Foi quando tentou retomar sua carreira musical. Em vão.

Passou a primeira metade dos anos 1970 num limbo artístico muito cruel. Só conseguiu achar foco para seu carreira ao se reinventar por completo, já em plena era punk, com o LP “Broken English” -- certamente o trabalho mais contundente de uma cantora-compositora inglesa naquela período. Daí em diante, encontrou um público fedelíssimo que nunca mais iria abandoná-la. Mergulhou de cabeça no repertório de Kurt Weill em “20th Century Blues”, e gravou vários LPs alternando canções próprias com outras de seus amigos Tom Waits e Nick Cave. Três anos atrás, recuperada de uma mastectomia, topou fazer “Easy Come Easy Go”, um álbum de covers com duetos para acabar com todos os outros álbuns de covers com duetos -- onde contracenou com amigos como Antony, Rufus Wainwright, Nick Cave, e até Keith Richards.


Agora, Marianne está de volta, com um LP mais inusitado ainda. “Horses & High Heels” foi inteiramente gravado em New Orleans com os jovens músicos do excelente grupo Lower 911, que vem trabalhado com Dr. John nos últimos anos. O resultado é desconcertante e inusitado, contrapondo a abordagem musical sombria de Marianne com o frescor musical desses jovens músicos. Suas canções recentes são todas ótimas -- provas irrefutáveis de que ela, com o passar dos anos, conseguiu tornar-se uma compositora de mão cheia. Mas é em “Goin' Back”, de Carole King e Gerry Goffin, um dos quatro covers do disco, que o bicho pega pra valer. Quem diria que, um dia, alguém conseguiria inserir numa canção tão blasé quanto esta uma carga existencial tão intensa. É como se Marianne, aos 65 anos de idade, finalmente conseguisse enxergar novamente em si mesma aquela linda menina de 17 anos que em 1964 encantou o mundo todo, e que há muito havia perdido de vista. Só esse resgate emocional já faria de “Horses & High Heels” um disco essencial. Mas tem mais, muito mais, de onde veio essa pérola. Cabe a vocês descobrir. Não tenham medo de Marianne Faithfull. A turbulência ficou para trás.


Voltando ao início da conversa, e tentando fechar o assunto: para ser Diva de verdade é preciso ter, antes de mais nada, estofo artístico e um talento excepcional para a vida.

Alison Krauss, por exemplo, é Diva porque reinventou o bluesgrass e o folk com uma atitude quase camerística, que nunca havia sido tentada antes.

K D Lang é Diva porque nunca teve medo de arriscar uma carreira de sucesso numa empreitada perigosa que a afastou de seu lugar de direito na cena musical atual por quase 15 anos.

E Marianne Faithfull... bem, Marianne é Diva porque já foi ao Inferno e voltou algumas vezes, sempre encarnando uma Ofélia junkie que possui todas as características de uma personagem trágica, menos uma: insiste em permanecer viva, ativa, e bem.

Convenhamos: não é para qualquer uma.

Entendeu, Mariah Carey? Entendeu, Celine Dion? Entendeu, VH1?



ALISON KRAUSS
Discografia, Trechos de Entrevistas e Fotos



K D LANG
Discografia, Trechos de Entrevistas e Fotos



MARIANNE FAITHFUL
Discografia, Trechos de Entrevistas e Fotos





HIGHLIGHTS
Alison Krauss & Union Station
"Paper Airplanes"






HIGHLIGHTS
K D Lang
"Sing It Loud"







HIGHLIGHTS
Marianne Faithfull
"Horses & High Heels"





quinta-feira, maio 26, 2011

SENHORAS E SENHORES... ALISON KRAUSS


“Gosto de acreditar que nós do Union Station sejamos da mesma linhagem de Bill Monroe, Ralph Stanley, e Earl Scruggs & Lester Flatt. Gostamos muito da música dos homens das montanhas. É um prazer ajudar a manter essa tradição viva.”


“Minha atitude perante a música sempre foi de ecletismo. Ouvia de tudo quando era menina, desde folk, bluegrass e música clássica até ACDC, Carly Simon, Rolling Stones, ELO...”


“Quando estive com Robert Plant pela primeira vez num concerto tributo a Leadbelly, fiquei arrepiada. Lá estava ele, com aquela cabeleira enorme, conversando com os roadies, e eu cheguei e disse: Olá, Robert. Ele colocou seus óculos, sorriu para mim e disse: Ora, aí está você! Logo em seguida, descobri que ele era fã incondicional de Ralph Stanley, assim como eu. Desnecessário dizer que nos entendemos rapidamente.”


“Depois desse LP com o Union Station, devo entrar em estúdio com Robert Plant novamente para um segundo disco juntos. Mas a idéia dessa vez é fazer algo totalmente diferente, como se o primeiro disco nunca tivesse sido feito. Esperem para ver.”


“Sou de Illinois, e ainda estou me acostumando aos poucos a viver no Tennessee. Não tenho uma vida social muito intensa, trabalho muito, e acho ótimo não ter perdido minha privacidade mesmo depois do sucesso estrondoso do disco com Robert Plant. É legal não ser do mainstream, as pessoas te deixam em paz.”



LPS ALISON KRAUSS & UNION STATION
Too Late To Cry (1987)
Two Highways (1989)
I´ve Got That Old Feeling (1990)
Everytime You Say Goodbye (1992)
I Know Who Holds Tomorrow (1994)
So Long So Wrong (1997)
Forget About It (1999)
New Favorite (2001)
Live (2002)
Lonely Runs Both Ways (2004)
Raising Sand (com Robert Plant 2007)
Indiana Fiddlers Gathering (2009)
Paper Airplanes (2011)

WEBSITE OFICIAL
http://alisonkrauss.com/

SENHORAS E SENHORES... K D LANG


“Sou uma espécie de nômade musical. Gosto muito de mudar. Fico intrigada com sonoridades e instrumentos diferentes e saio experimentando tudo.”


“Gosto de ser canadense, de me sentir ensanduichada entre as culturas dos Estados Unidos e da Europa. É um privilégio ser cantora e compositora num país que ofereceu ao mundo talentos gigantescos como os de Joni Mitchell, Leonard Cohen e Neil Young.”


“Não tenha dúvidas de que eu adoraria que alguma canção desse novo disco emplacasse nas paradas e se tornasse uma nova Constant Craving. Mas não adianta. Não é assim que as coisas acontecem, isso quando acontecem.”


“Para mim, música é apenas música. Os ingredientes básicos são sempre os mesmos. A maneira como combinamos os temperos é que acaba determinando os gêneros. Eu tento às vezes desabilitar o dispositivo que me mantém presa por algum tempo a um determinado gênero, mas nem sempre é tarefa das mais fáceis.”


“Minha carreira andou em baixa nos últimos 15 anos, mas agora parece estar indo bem. Tem um monte de fotógrafos me seguindo por todos os lugares onde vou e me deixando bastante irritada. Isso é sinal que devo estar em alta novamente.”



LPS K D LANG
A Truly Western Experience (1984)
Angel With A Lariat (1987)
Shadowland (1988)
Absolute Torch & Twang (1989)
Ingénue (1992)
Even Cowgirls Get The Blues (1993)
All You Can Eat (1995)
Drag (1997)
Invincible Summer (2000)
Live By Request (2001)
Hyms Of The 49th Parallel (2004)
Watershed (2008)
Sing It Loud (2011)

WEBSITE OFICIAL
http://www.kdlang.com/

SENHORAS E SENHORES... MARIANNE FAITHFULL


“Meu pai foi um espião inglês na Segunda Guerra e nunca foi pego pelos alemães. Eu o vi pela última vez aos 6 anos de idade. Depois disso, nunca mais tive notícias dele, mudou de identidade e desapareceu pelo mundo. Dizem que meu filho é muito parecido com ele. Mesmo não tendo podido conviver muito com meu pai, torço para que tenha tido uma vida boa.”


“Viver com Mick Jagger era muito movimentado. Ele costumava dirigir um Bentley comigo ao lado e levava o fotógrafo Michael Cooper no banco de trás. Michael era uma espécie de fotógrafo da corte dos Rolling Stones. Tenho muitas fotos desses passeios. Mick e eu não éramos pessoas muito divertidas um com o outro, mas até que tivemos momentos bem legais. Foi uma parceria bastante criativa.”


“É verdade que Keith Richards e eu passamos uma noite juntos quando soubemos que Mick Jagger e Anita Pallenberg estavam tendo um romance às escondidas. Foi uma atitude de retaliação. Mais adiante, descobrimos que estávamos apaixonados e aí tivemos um romance de verdade, mas não durou muito, éramos todos muito selvagens naquela época. Eu amo muito Keith até hoje e fiquei feliz em ler na sua autobiografia as coisas carinhosas que disse a meu respeito. Somos grandes amigos.”


“Minha vida mudou completamente desde que deixei de beber e usar drogas. Felizmente meu instinto de auto-sabotagem parece estar desativado há já uns bons anos.”


“Eu consegui chegar a bons termos com meu passado turbulento. Tudo o que acontecia ao meu redor eu levava de forma pessoal, e acabava me machucando com isso. Era muito insegura. Vivia na defensiva. Hoje eu não me importo mais com nada disso. Depois de ter ficado face a face com a morte, descobri que a vida é uma dádiva.”



LPS MARIANNE FAITHFULL
Come My Way (1964)
Marianne Faithfull (1965)
Go Away From My World (1965)
North Country Maid (1966)
Faithfull Forever (1966)
Love In A Mist (1967)
Dreaming My Dreams (1969)
Faithless (1978)
Broken English (1979)
Dangerous Acquaintances (1981)
A Child´s Adventure (1983)
Summer Nights (1984)
Music For The Millions (1985)
Strange Weather (1987)
Blazing Away (1990)
A Secret Life (1995)
20th Century Blues (1997)
Weill: The Seven Deadly Sins (1998)
Vagabond Ways (1999)
Kissin' Time (2002)
Before The Poison (2005)
Easy Come Easy Go (2008)
Horses and High Heels (2011)

WEBSITE OFICIAL
http://www.mariannefaithfull.org.uk/

quarta-feira, maio 25, 2011

AS SEMPRE INCESSANTES AVENTURAS MUSICAIS DE BEN HARPER E JOSEPH ARTHUR (por Chico Marques)


Sempre que alguém usa o termo “superbanda”, logo se imagina músicos que passaram por bandas importantes no passado associados em projetos caça-níqueis altamente rentáveis, mas pouco recomendáveis artisticamente.

O conceito de “superbanda” surgiu nos anos 1970, quando qualquer pequeno arranhão no ego de qualquer membro de qualquer banda de rock já era o suficiente para desencadear uma carreira solo -- 90% das vezes duvidosa e, conseqüentemente, desastrosa.

Para que estrelas pop perdulárias conseguissem arcar com as dívidas decorrentes dessas aventuras solo, o jeito era embarcar em uma dessas “superbandas” promovidas pelas próprias gravadoras, e que tinham lá suas vantagens: não chegavam a ser comprometedoras, já que duravam pouco, rentabilizavam rápido e eram rapidamente esquecidas pelo grande público.

Foram tantas “superbandas” naquela época – Beck Bogert & Appice, West Bruce & Laing, Asia, KGB, The Firm, etc. etc. etc. – que, aos poucos, o público cansou e desistiu delas. O oportunismo delas ficou acintoso demais. Ninguém mais conseguia se impressionar com projetos oportunistas desse tipo.

E então, quando tudo parecia perdido, surgiram duas superbandas realmente autênticas, fruto de camaradagem verdadeira entre músicos muito talentosos. Uma era o Little Village -- de John Hiatt, Nick Lowe, Ry Cooder e Jim Keltner. E a outra, The Traveling Wilburys -- de George Harrison, Bob Dylan, Roy Orbison, Tom Petty, Jeff Lynne e (novamente) Jim Keltner.

Pois foi nesse mesmo espírito do Little Village e dos Traveling Wilburys que surgiu ano passado a superbanda folk Fistful Of Mercy, muito festejada pela crítica, que reunia os veteranos Ben Harper e Joseph Arthur com o jovem Dhani Harrison, filho de George Harrison. Os três se internaram por 3 dias num estúdio em Los Angeles, onde finalizaram em grupo várias canções que haviam sido esboçadas individualmente, e partiram numa tournée pela Europa para promover o disco -- que, diga-se de passagem, marcou presença em 9 de cada 10 listas de melhores do ano passado.

Agora, oito meses mais tarde, enquanto Dhani Harrison prepara aos poucos seu primeiro trabalho solo, Ben Harper e Joseph Arthur já estão de volta ao expediente normal com suas bandas, e acabam de lançar discos solo no mínimo interessantes.


Ben Harper convocou pela segunda vez o grupo Relentless7 para seu décimo primeiro LP de estúdio, “Give Till It´s Gone”, uma coleção de canções bem urgentes que aparentemente não puderam esperar por um “álbum de conceito”. Não é uma ironia, e sim um fato: são poucos os discos de estúdio de Harper que não seguem uma orientação temática e um planejamento extremamente cuidadoso. E nesse planejamento está incluída sua persona enigmática e múltipla, sempre flexível a ponto de permitir que ele se comporte às vezes como guitar hero, outras vezes como cantor e compositor, e quase sempre como o carismático band leader de uma jam band. Aos 42 anos de idade, já velho conhecido do público brasileiro, é um dos artistas mais intensos da cena musical americana e um compositor de talento raro, que a cada nova investida se revela ainda mais interessante.

“Give Till It´s Gone”, gravado inteiramente na “garagem estúdio” da casa do amigo Jackson Browne, é um disco bem diferente dos outros que Harper lançou de 1994 para cá -- quase sempre à frente dos Innocent Criminals --, apesar de seguir fielmente a cartilha de nunca se assumir como artista de um ou outro gênero musical. Números não muito acelerados como “Rock & Roll Is Free” fazem contraponto a baladas belíssimas como “I Will Not Be Broken” e “Pray That Our Love Sees The Dawn”, num conjunto de canções bem consistente, Além disso, conta com participações inspiradas de Jackson Browne, o anfitrião, e também de Ringo Starr, que se convidou para a brincadeira por indicação do “sobrinho” Dhani Harrison.


Nesse novo trabalho, Ben Harper optou novamente por simplificar a produção e gravar todas as faixas ao vivo no estúdio. Brinca com sonoridades dissonantes, deixa a banda tocar solta, e foge de todas as armadilhas de produção que sufocaram “Diamonds On The Inside” -- uma de suas melhores coleções de canções até hoje, mas também um de seus discos mais datados em termos sonoros. Harper aprendeu que, para sobreviver gravando discos com material inédito no mercado atual, o ideal é seguir os ensinamentos de quem é da cena independente e está habituado a fazer milagres com verbas menores. Todo mundo ganha com isso: as canções brilham mais, a gravadora pressiona menos e tudo fica muito mais fácil de tocar ao vivo nas tournées. Harper trocou muitas figurinhas com Joseph Arthur -- um especialista em produções rápidas, rasteiras e bem realizadas -- durante as sessões de gravação do disco do Fistful Of Mercy ano passado, e já saiu aplicando as lições aqui. Ele, definivamente, não perde tempo.


Joseph Arthur é bem menos conhecido que Ben Harper, apesar de estar na estrada há quase tanto tempo quanto ele. Nascido em Akron, Ohio, 39 anos atrás, ele foi tentar a sorte no circuito folk da Califórnia, e em 1997 deu a sorte, e também o azar, de ser descoberto por Peter Gabriel, que o contratou para seu selo New World, voltado prioritariamente para artistas de world music. Seu primeiro disco para o selo, “Big City Secrets”, serviu para tirá-lo do ghetto folk e projetá-lo para o público de Peter Gabriel. No entanto, as dificuldades financeiras da New World impediram que ele recebesse a promoção que merecia, e acabou perdido num limbo artístico por quase três anos. Só no terceiro trabalho, “Come To Where I'm From” (2000), com produção de T-Bone Burnett e uma levada mais country rock, Joseph Arthur conseguiu atingir um público mais amplo. Devidamente amparado pela Virgin Records, ele começou a desenvolver projetos mais ambiciosos, sempre influenciado por Gabriel e seguindo conselhos de amigos como Joe Henry e T-Bone Burnett. Levou alguns anos até a Virgin finalmente se desinteressar dele. Mas quando isso aconteceu, Joseph Arthur já era uma força emergente na cena independente. De lá para cá, gravou uma série de Lps e EPs impacáveis com sua banda The Lonely Astronauts para seu selo próprio, mesclando folk com pop em contextos sonoros no mínimo inusitados e firmando-se como um dos compositores mais solicitados da cena atual.


Seu novo LP, “The Graduation Ceremony”, vem nessa mesma trilha de excelência, e é, desde já, um sério candidato a melhor disco deste ano. Repleto de canções intensas e serenas, nele a delicadeza musical de Joseph Arthur se expressa em diversos formatos. Desde o folk-pop de “Out On A Limb” e “Almost Blue”, cujo vigor lembra Jeff Buckley, até baladas pungentes como “Watch Our Shadows Run” e “Face In The Crowd”, com falsetes que lembram um pouco Neil Young no início dos anos 1970. Apesar dessas referências, não se engane: é um trabalho completamente original, de um artista muito pouco conhecido aqui no Brasil, e que merece ser devidamente descoberto. Detalhe: Joseph Arthur é também pintor, e suas aquarelas são muito expressivas. A linda capa de “The Graduation Ceremony” é mais um belo exemplo de seus múltiplos talentos.


Tanto Ben Harper quanto Joseph Arthur são de uma geração de artistas que aboliu rótulos para poder passear por diversos gêneros musicais sem virar vítimas das famigeradas classificações de mercado -- que os coleguinhas da Billboard Magazine tanto defendem.

Suas contínuas aventuras musicais vão longe. Podem ter certeza de que, antes mesmo do final deste ano, tanto um quanto outro já estará flertando com algum novo projeto para o ano que vem. Os dois são incansáveis.

É graças à iniciativa de artistas incansáveis e inclassificáveis como Ben Harper e Joseph Arthur que a cena musical americana não cansa de se reinventar, mesmo durante a maior crise de história da Indústria Fonográfica.


BEN HARPER
DISCOGRAFIA, FOTOS E ENTREVISTAS
http://altoeclaro.blogspot.com/2011/05/senhoras-e-senhoresben-harper.html


JOSEPH ARTHUR
DISCOGRAFIA, FOTOS E ENTREVISTAS

http://altoeclaro.blogspot.com/2011/05/senhoras-e-senhores-joseph-arthur.html


HIGHLIGHTS: BEN HARPER

"GIVE IT TILL IT´S GONE"







HIGHLIGHTS: JOSEPH ARTHUR

"THE GRADUATION CEREMONY"



SENHORAS E SENHORES...BEN HARPER


“Meu pai é negro e minha mãe branca. Crescer na América carregando uma herança desse tipo equivale a conviver a vida inteira com uma espécie de dislexia cultural.”


“Quando meus pais se separaram, fui morar com meu avô, que era luthier em Claremont, California. Foi ele quem me ensinou a tocar guitarra, e também a fazer guitarras e outros instrumentos de cordas.”


“Aos 17 anos, vi pela primeira vez alguém tocar slide guitar com técnica de fingerpickin'. Fiquei bobo com aquilo. Tratei de aprender rapidamente a fazer igual. Quando consegui, não tive mais dúvidas de que queria realmente ser músico profissional.”


“Adoro Led Zeppelin, The Faces, Toots & Maytals, Jimmy Cliff, Lynyrd Skynyrd, Gov´t Mule, Dolly Parton, Emmylou Harris, Hank Williams, Jimi Hendrix, música folk da Turquia, Pearl Jam, Richard Ashcroft... sou absolutamente eclético em termos musicais.”


“O melhor lugar do mundo para mim é o quintal lá de casa, com minha mulher (a atriz Laura Dern) e meus quatro filhos brincando com os cachorros. Já o segundo melhor lugar do mundo para mim é o palco.”



LPS BEN HARPER
Welcome To The Cruel World (1994)
Fight For Your Mind (1995)
The Will To Live (1997)
Innocent Criminals Live (1999)
Burn To Shine (1999)
Live From Mars (2001)
Diamonds On The Inside (2004)
Ben Harper & The Blind Boys Of Alabama (2004)
Live At The Apollo (2005)
Both Sides Of The Gun (2006)http://www.blogger.com/img/blank.gif
Lifeline (2007)
Live At Twist & Shout Records (2007)
White Lies For Dark Times (2009)
Live From Montreal International Jazz Festival (2010)
Fistful Of Mercy (2010)
Give Till It´s Gone (2011)

WEBSITE OFICIAL
http://www.benharper.com/