Ao longo de mais de 45 anos de carreira, o cantor e guitarrista californiano Ry Cooder tem sido uma espécie de Indiana Jones do revisionismo musical, investigando incansavelmente as mais diversas manifestações musicais americanas com uma atitude aparentemente acadêmica, mas, na verdade, profundamente arrojada e aventuresca.
Seu início de carreira, no entanto, foi bastante errante. Começou com seu nome verdadeiro, Ryland Cooder, à frente do grupo de blues Native Sons na segunda metade dos anos 60, onde dividiu a cena com dois outros grandes exploradores musicais: Taj Mahal e Jesse Ed Davis. Poderia ter sido a primeira banda de blues multi-racial da história, com um guitarrista branco, um negro e um índio. Mas, infelizmente, os Native Sons implodiram antes mesmo de lançar um primeiro disco, apesar de ter deixado mais de 20 canções gravadas para a Columbia -- que optou por regravar números da banda nos álbuns de estréia de Taj Mahal e Jesse Ed Davis.
A reputação de Ry Cooder como mestre da guitarra e iconoclasta musical já corria por Los Angeles, e, graças a Leon Russell e Nicky Hopkins, chegou aos ouvidos dos Rolling Stones, que, depois de trabalhar com os ingleses Eric Clapton e Jimmy Page no fabuloso "Beggars' Banquet", estavam interessados em gravar com músicos americanos. Resultado: as participações de Cooder em "Let It Bleed" e "Sticky Fingers" resultaram em momentos tão intensos e marcantes que lhe renderam um contrato privilegiadíssimo, com liberdade total de criação, na Warner Bros Records -- contrato esse endossado pelos tarimbados produtores da casa Lenny Waronker e Russ Titelman.
Já em seu primeiro disco, "Ry Cooder", de 1970, ele uniu forças com músicos de primeira linha de Los Angeles e mergulhou num revisionismo musical mesclando blues com folk music de uma maneira bem peculiar e nada tradicionalista. Seus trabalhos seguintes, "Boomer´s Story" e "Into The Purple Valley", foram mais fundo ainda nessas investigações sobre o passado, sempre com uma atitude bem moderna. Já os posteriores "Paradise And Lunch" e "Chicken Skin Music" já seguiram uma atitude musical diferente, mesclando blues, tex-mex e música havaiana de forma jamais realizada anteriormente, com um toque de gênio.
A partir de 1975, Cooder deixou sua carreira como artista solo um pouco de lado e começou a se envolver em projetos extremamente conceituais de resgate musical, como em "Jazz" e "Buena Vista Social Club". Paralelo a isso, se especializou em compor trilhas sonoras para o cinema, algumas já clássicas como as de "The Long Riders", "Streets Of Fire", "Crossroads" e "Paris, Texas".
De uns dez anos para cá, no entanto, Cooder decidiu reduzir sua produção e reinventar o formato de seus discos conceituais, trocando os temas musicais quase acadêmicos por elementos literários e, de certa forma, se reinventando como compositor. Foi assim com o vibrante “Mambo Sinuendo”, com o magnífico “Chavez Ravine”, e com os inusitados “My Name Is Buddy” e “I, Flathead ” -- todos brilhantes, cada um à sua maneira.
Até que, ano passado, Cooder ressurgiu com um disco bem urgente, de protesto, que surpreendeu a todos os que estão acostumados com seus discos perenes e bem acabados. onde ele atualizando a proposta de trabalho original de Woody Guthrie, chamado “Pull Up Some Dust And Sit Down”
Pois ele agora retorna com mais um disco nessa mesma levada: “Election Special”, uma crônica muito bem humorada das campanhas à Presidencia da República deste ano, surpreendendo a todos que estão acostumados .
O candidato bilionário Mutt Romney já sai levando pancada logo na abertura do disco, na irônica 'Mutt Romney Blues". Daí por diante, os temas do momento vão passando pelas canções, desde os levantes contra a Wall Street, passando por Guantanamo e pela patética Convenção Republicana, até chegar no Salão Oval da Casa Branca, onde Barack Obama toma decisões nem sempre acertadas e bem vindas pelo povo americano.
A retórica utilizada nas canções é direta, sem metáforas, e, na medida do possível, bem humorada. Não toma partido de lado nenhum, mas defende os valores da America. E não consegue evitar olhar para Barack Obama como um cara bem intencionado, que infelizmente ficou muito aquém da expectativa que ele criou para si próprio.
Já musicalmente, "Election Special" chuta para todos os lados, com a maestria habitual de Ry Cooder, que toca todos os instrumentos, exceto bateria, e se sai muito bem nesse formato. Não pretende ser um grande disco na discografia dele. Mas revela claramente que Cooder cansou de mergulhar fundo em projetos intrincados e de difícil realização, optando por produções simples e descomplicadas.
Apesar dessa urgência toda, "Election Special" vai sobreviver como uma crônica do ano de 2012, até porque foi feito com um padrão de produção que o coloca um milhão de anos luz adiante de empreitadas como "Living With War", de Neil Young, que beira a auto-indulgência.
Por mais urgente que seja 'Election Special", Ry Cooder jamais conseguiria ser auto-indulgente.
Na verdade, ele não conseguiria nem mesmo flertar com a possibilidade de ser auto-indulgente.
'Election Special" é mais uma homenagem que Cooder rende ao menestrel Woody Guthrie, que aparece forte na balada que encerra o disco, "Take Your Hands Off It", que lembra a clássica "This Land is Your Land".
Meu conselho?
Vote em Ry Cooder.
E torça para que esse belo disco não perca seu impacto depois que essa longa campanha terminar.
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