sábado, setembro 24, 2011

PRIMAVERA, TEMPO DE GUITARRAS (por Chico Marques)



Como vocês devem ter percebido, ALTOeCLARO tirou um mês de férias nesse finalzinho de Inverno.

O motivo foi estratégico: ganhar fôlego para conseguir encarar o grande volume de lançamentos musicais que chegam às lojas sempre nos meses de Setembro, Outubro e Novembro.

No Hemisfério Norte, este é, tradicionalmente, o período em que artistas bem estabelecidos, tanto da cena independente quanto da cena mainstream -- gente que não depende de tournées de Verão -- lançam seus discos.

Já por aqui, é quando aqueles discos com cara de presente de Natal começam a chegar às lojas.

De qualquer maneira, é a Estação das Guitarras.

É estranho, mas é comum guitarristas lançarem seus discos ou em Março e Abril, ou em Setembro e Outubro.

Acreditem, existe uma lógica de mercado por trás disso.

Discos lançados no Verão ou no Inverno quase sempre são produtos exageradamente sazonais, com vida curta nas prateleiras das lojas.

Já discos lançados nas meias estações perduram, e permanecem novos e atuais o ano inteiro.

E isso vale para qualquer gênero musical -- exceto canções de Natal.

Os cinco discos dessa semana em ALTOeCLARO são de guitarristas nada conservadores em termos musicais, que trabalham duro, correm riscos, e que estão de volta com trabalhos bem marcantes.

Temos o novo LP de um setentão que é um grande mestre do apogeu da soul music: Steve Cropper.

Temos também novidades sempre benvindas de dois sessentões geniais que continuam esbajando criatividade depois de mais de 4 décadas de carreira: Ry Cooder e Richard Thompson.

E temos ainda dois jovens cinquentões bem aventurescos esbanjando maturidade musical: Dave Stewart e Thurston Moore.

Vamos a eles:















STEVE CROPPER

DEDICATED: A SALUTE TO THE 5 ROYALES

(Yolabelle Records)

Steve Cropper tem sido um guitarrista muito ocupado nesses últimos 50 anos. Tanto que não teve tempo sequer de investir numa carreira solo que, certamente, teria dado muito certo. Não era a de Steve, que preferiu fazer parte de grupos clássicos de soul music como The Mar-Keys e Booker T & The MG´s e trabalhar em horário comercial nos Estúdios Stax, em Memphis, produzindo, arranjando e compondo para feras como Otis Redding, Wilson Pickett e Sam & Dave. De certa forma, o sucesso de todas essas empreitadas artísticas de todos esses craques foi o seu sucesso também. Mas então, de uns anos para cá, Steve Cropper finalmente começou a ter algum tempo sobrando. E a primeira coisa que fez foi montar uma banda em dobradinha com seu velho amigo -- e eterno comandante do grupo The Rascals -- Felix Cavaliere no piano e nos vocais. Pois agora resolveu gravar, juntamente com o produtor Joe Tiven, uma homenagem ao guitarrista Lowman Pauling, seu grande mentor musical, do grupo de doo-wop e proto-soul music The 5 Royales. E essa brincadeira deu nesse “Dedicated”, onde Cropper solta sua guitarra suingadíssima em solos melodiosos que nunca pecam pelo excesso, enquanto contracena com convidados especialíssimos como Steve Winwood, Brian May, B B King, Lucinda Williams, John Popper, Bettye Lavette, Sharon Jones, Delbert McClinton e vários outros que praticamente se convidaram para participar deste projeto. O resultado é um passeio revisto e atualizado pelo repertório que Lowman Pauling e os 5 Royales legaram aos hit parades mundiais nos anos 50 e 60. É um disco admirável, coisa de gente grande. Claro que Steve Cropper ainda está nos devendo um disco com a grandeza dos trabalhos recentes de seu velho parceiro Booker T. Jones. Mas enquanto não consegue peitar uma aventura musical dessa dimensão, aperitivos como esse “Dedicated” serão sempre bem vindos.

















RY COODER

PULL UP SOME DUST AND SIT DOWN

(Nonesuch Records)

Ao longo de mais de 40 anos de carreira, o cantor e guitarrista californiano Ry Cooder tem sido uma espécie de Indiana Jones do revisionismo musical, investigando incansavelmente as mais diversas manifestações musicais americanas com uma atitude aparentemente acadêmica, mas, na verdade, profundamente arrojada e aventuresca. De uns anos para cá, no entanto, Cooder -- que também é craque na produção de trilhas sonoras para cinema == decidiu reduzir sua produção e reinventar o formato de seus discos conceituais, inserindo neles elementos literários e, de certa forma, se reinventando como compositor. Foi assim com o vibrante “Mambo Sinuendo”, com o magnífico “Chavez Ravine”, e com os inusitados “My Name Is Buddy” e “I, Flathead” -- todos brilhantes, cada um à sua maneira. Pois bem, “Pull Up Some Dust And Sit Down”, seu novíssimo trabalho, segue na contramão disso tudo, e se apresenta como uma espécie de disco de protesto para os dias de hoje. Cooder, que já rendeu homenagens ao menestrel Woody Guthrie no passado, tenta aqui imaginá-lo vivo e compondo canções políticas sobre temas atuais, explorando uma musicalidade que escila entre o blues, o tex-mex, o hillbilly e o rock rasgado. À primeira audição, “Pull Up Some Dust And Sit Down” soa um pouco estranho. Leva algum tempo até o ouvinte encontrar o foco do disco. Mas, já na segunda audição, fica claro que Ry Cooder apostou alto e acertou grande. Difícil definir musicalmente esse disco.Aliás, quase impossível. Mais difícil ainda é não se impressionar com sua ousadia e seu brilhantismo.



















DAVE STEWART

THE BLACKBIRD DIARIES(Surfdog Records)
Desde o fim dos Eurythmics, o guitarrista inglês Dave Stewart vem trabalhando como produtor em diversos projetos bem sucedidos de artistas amigosterceiros. Mas nunca se esforçou para emplacar uma carreira solo para valer, apesar de já ter cinco discos em seu nome. Ouvindo esse recente “The Blackbird Diaries”, fica a impressão de que se dessa vez ele se empenhar, sua carreira solo finalmente decola. É que “The Blackbird Diaries” é tão denso, e tão acessível às rádios e ao público de rock and roll, que vai ser um desperdício ver um disco desse calibre fazer uma carreira tímida e terminar esquecido -- ou obscurecido pelo projeto caça-níqueis que vem desenvolvendo com Mick Jagger e Joss Stone. Gravado praticamente ao vivo nos Estúdios Blackbird, em Nashville, com uma atitude musical que oscila entre o dylanesco e rollingstoniano, este é um projeto inusitado e ao mesmo tempo adequadíssimo ao pop mainstream. As composições são grudentas, os arranjos inteligentes, o encadeamento das canções é envolvente, e até a voz de Stewart está melhor colocada do que em seus discos anteriores. Existe no trabalho de Dave Stewart uma sabedoria pop que falta à maioria dos artistas atuais. “The Blackbird Diaries” é um disco que merecia uma tournée promocional. Até porque é um dos melhores de rock lançados este ano. Por via das dúvidas, procure “The Blackbird Diaries” por aí, antes que desapareça sem deixar rastros.



















THURSTON MOORE
DEMOLISHED THOUGHTS
(Matador Records)
Se Thurston Moore é um cara estranho, seu público consegue ser mais estranho ainda. Não faz o menor sentido que seus discos à frente do Sonic Youth – muitos deles ensurdecedores – consigam ter apelo popular e atingir vendáveis bastante consideráveis, enquanto seu delicado trabalho solo, que lembra um pouco os discos clássicos de Tim Buckley e Donovan Leicht, seja solenemente ignorado pelo público há mais de 20 anos. Mas parece que esse estado de coisas está com os dias contados. Thurston Moore uniu forças ao genial Beck Hansen nesse “Demolished Thoughts”, que acentuou o lado folk psicodélico de seu trabalho, com resultados surpreendentes. A proposta de Beck é arrojada, mas, ao mesmo tempo, simples: fazer com que o trabalho solo de Thurston Moore soe como uma espécie de Sonic Youth acústico e mais melodioso. Em tese, tinha tudo para dar errado. Mas, na prática, funcionou muito bem. É tão bom que, apesar de ser o décimo-sexto disco solo de Thurston Moore, tem o frescor de um disco de estréia. E isso não é pouca coisa para um artista veterano experimentado como ele. Experimentem vocês também.



















RICHARD THOMPSON

LIVE AT THE BBC

(Hannibal Records)

Desde que completou 40 anos de carreira e reduziu sua produção de discos para se dedicar prioritariamente a compor trilhas sonoras para filmes -- de Werner Herzog, principalmente --, o grande cantor, guitarrista e compositor inglês Richard Thompson tem sido alvo de diversas antologias cobrindo tanto seu trabalho à frente do Fairport Convention nos anos 60 e 70 quanto nos tempos em que dividiu o palco com sua ex-mulher, a cantora Linda Thompson, para não falar de sua extensa discografia solo. Claro que essa antologia aqui, que reúne em 3 CDs e 1 DVD praticamente todas as suas performances para as rádios e emissoras de TV da BBC, desperta um interesse ainda mais especial. Primeiro porque boa parte das performances elétricas ao lado de Linda Thompson incluídas aqui só existiam antes como bootlegs. Segundo porque as performances acústicas que ocupam os discos 2 e 3 desta caixa eram rigorosamente inéditas até agora, e são surpreendentes. Richard Thompson é artista que dispensa apresentações em qualquer canto do mundo -- menos aqui no Brasil, onde nunca teve um disco sequer lançado. Dono de uma musicalidade intensa e de uma técnica na guitarra absolutamente única, ele nunca deixou de ser um “cult artist”, até porque nunca abriu mão de sua independência artística para se adequar aos requisitos do mercado. Graças a essa teimosia, produziu alguns dos discos mais festejados pela crítica nos últimos 40 anos, como “I Want To See The Bright Lights Tonight” e “Shoot Out The Lights” – ambos figurinhas fáceis em qualquer antologia de melhores discos desse período. “Live At The BBC” talvez seja uma coleção de canções extensa demais para servir como introdução ao trabalho desse grande artista. Mas, com certeza, vai ser um deleite para quem já está familiarizado com a obra de Richard Thompson. Taí um artista absolutamente inusitado e original.


DISCOGRAFIAS

LPs STEVE CROPPER
With A Little Help From My Friends (1971)
Playin´ My Thang (1980)
Night After Night (1982)
Jammed Together (1988)
Dedicated: A Salute To The 5 Royales (2011)
LPs RY COODER
Ry Cooder (1970)
Into The Purple Valley (1971)
Boomer´s Story (1972)
Paradise And Lunch (1974)
Chicken Skin Music (1976)
Show Time (1976)
Jazz (1978)
Borderline (1980)
The Long Riders (OST 1980)
Ry Cooder Live (1982)
The Slide Area (1982)
Streets Of Fire (OST 1984)
Alamo Bay (OST 1985)
Blue City (OST 1986)
Crossroads (OST 1986)ng
Get Rhythm (1987)
Johnny Handsome (OST 1987)
Paris, Texas (OST 1989)
Trespass (OST 1992)
A Meeting By The River (1993)
Geronimo, An American Legend (OST 1994)
Last Man Standing (OST 1996)
End Of Violence (OST 1997)
Primary Colors (OST 1998)
Mambo Sinuendo (2003)
Chavez Ravine (2005)
My Name Is Buddy (2007)
I, Flathead (2008)
Pull Up Some Dust And Sit Down (2011)
LPs DAVE STEWART
Lily Was Here (1989)
Dave Stewart & Spiritual Cowboys (1990)
Honest (1991)
Jute City (1991)
The Ref (1994)
Greetings From The Gutter (1995)
Cookie´s Fortune (OST 1998)
Alfie (OST 2004)
Blackbird Diaries (2011)
LPs THURSTON MOORE
Barefoot In The Head (1990)
Klangfarbenmelodie (1995)
Psychic Hearts (1995)
Just Leave Me (1996)
Piece For Jetsun Dolma (1996)
Lost To The City (1997)
MMMR (1998)
Root (1999)
Promise (1999)
Three Incredible Ideas (2001)
Kapoite Muziek (2004)
From The Earth To The Spheres (2004)
Trees Outside The Academy (2007)
Shoot That Thang (2006)
Suicide Notes For Acoustic Guitar (2010)
VDSQ Solo Acoustic Vol. 5 (2010)
Demolished Thoughts (2011)
LPs RICHARD THOMPSON
Henry The Human Fly (1972)
I Want To See The Bright Lights Tonight (1974)
Hokey Pokey (1975)
Por Down Like Silver (1975)
Live (More Or Less) (1975)
First Light (1978)
Sunnyvista (1979)
Strict Tempo (1981)
Shoot Out The Lights (1982)
Hand Of Kindness (1983)
Small Town Romance (1984)
Across A Crowded Room (1985)
Daring Adventures (1986)
Amnesia (1988)
Rumor & Sigh (1991)
Sweet Taker (OST 1992)
Mirror Blue (1994)
Live At Crawley (1995)
Two Letter Words (1996)
You Me Us (1996)
Industry (1997)
Mock Tudor (1999)
Semi-Detached Mock Tudor (2002)
A Thousand Years Of Popular Music (2003)
More Guitar (2003)
The Old Kit Bag (2003)
Live From Austin, Texas (2005)
Front Parlour Ballads (2005)
Grizzly Man (OST 2005)
Some Enchanated Evening (2006)
Sweet Warrior (2007)
Dream Attic (2010)
Live At BBC (2011)


PORTA-RETRATOS

“Vivo fugindo de produtores amigos que me convidam para gravar discos solo, pois gosto mesmo é de fazer parte de bandas -- mas, dessa vez, a proposta foi irresistível, até porque Lowman Pauling é meu grande herói musical e homenageá-lo foi um grande prazer” (Steve Cropper)
“Os dias de hoje pedem por canções de protesto mais atuais e eficazes, e foi isso que tentamos fazer nesse novo disco. Por mais bonitas que sejam as canções de protesto clássicas, não dá mais para sair cantando por aí coisas como Where Have All The Flowers Gone, pois não faz mais sentido” (Ry Cooder)
“Minhas canções tem sempre um toque melancólico. Mesmo quando estou compondo com algum artista habituado a compor canções mais eloqüentes, eu sempre entro com um toque levemente melancólico. Não deveria ser, mas acabou virando minha assinatura musical” (Dave Stewart)
“Foi ótimo trabalhar com Beck Hansen nesse disco. Acabou saindo um disco totalmente diferente de todos os outros que fiz até agora.” (Thurston Moore)
“Não me sinto roubado com essa coisa de troca de arquivos pela web. Nunca fui um artista rico, e nunca tive uma situação cômoda na Indústria Fonográfica, pois meus discos nunca explodiram em vendas. Sempre trabalhei sem parar, tanto em estúdio quanto em tournées, e nunca fiquei sentado esperando que as coisas acontecessem ou reclamando caso elas não acontecessem.” (Richard Thompson)
“O maior sucesso de Booker T & The MGs, Green Onions, surgiu meio acidentalmente numa tarde de domingo de 1962, quando um cantor da Stax que iria gravar com a gente não apareceu no estúdio. Começamos a tocar para passar o tempo e, na brincadeira, ela veio naturalmente. Todos nós tínhamos uma sintonia muito fina” (Steve Cropper)
“Os tais riffs de guitarra de Honky Tonk Women, que dizem que Keith Richards roubou de mim, eu posso afirmar que roubei de John Lee Hooker. Essa intriga toda que a imprensa fomenta até hoje é uma grande bobagem. Qualquer mal estar que tenha existido entre nós ficou quarenta anos lá atrás” (Ry Cooder)
“Existem softwares por aí que misturam elementos de 25 mil músicas e afirmam que conseguem compor canções talhadas para ser sucessos. Eu até acredito que consigam fazer isso. Mas nada substitui a alma do resultado prático do encontro entre dois compositores, um sentado ao piano e outro com uma guitarra na mão.” (Dave Stewart)
“De todos os meus discos solo, esse novo é o único que tem algo a ver com o meu trabalho com o Sonic Youth. Sempre fiz questão de separar totalmente uma coisa da outra. Mas Beck quis fazer a ponte, e eu decidi experimentar. Gostei do resultado” (Thurston Moore)
“Eu virei cantor por força das circunstâncias, e não por opção. Alguém precisava gravar as canções que eu escrevia, e, na falta de alguém mais aparelhado para fazer isso, fui eu mesmo.” (Richard Thompson)

AMOSTRAS GRÁTIS
STEVE CROPPER




AMOSTRAS GRÁTIS

RY COODER




AMOSTRAS GRÁTIS
DAVE STEWART




AMOSTRAS GRÁTIS

THURSTON MOORE




AMOSTRAS GRÁTIS

RICHARD THOMPSON